Durante muito tempo, obter um diploma de ensino superior era algo tão raro que a sua mera posse, no Brasil, se tornava garantia não apenas de um bom emprego, como de uma trajetória de sucesso no mercado de trabalho. O ensino superior continua abrindo portas, porém, a massificação do sistema trouxe à tona um cenário complexo para quem deseja comparar a qualidade das diferentes universidades.
Os indicadores da qualidade do ensino superior tornaram-se, assim, ferramentas úteis para orientar a tomada de decisão, por parte tanto do estudante no momento de sua escolha em relação a que faculdade cursar, quanto do mercado para nortear a contratação de jovens profissionais, e mesmo do governo para embasar a alocação de recursos orçamentários do ensino superior. Surgiu, a partir desse quadro, uma profusão de indicadores de desempenho “independentes”, os chamados rankings universitários.
Se parece mais do que justificada a necessidade de classificar as universidades, colocando constantemente novos desafios para os seus projetos pedagógicos, os rankings precisam também ser avaliados, pois estão longe de revelar ao público uma verdade absoluta.
Recentemente, o ranking universitário promovido pelo jornal Folha de S. Paulo (RUF) atribuiu uma queda significativa na classificação geral obtida pela Unifesp. Apesar de a empresa não divulgar a metodologia, identificamos a origem do fenômeno em uma variável subjetiva que compõe o indicador: a reputação das universidades no mercado de trabalho. Notamos que, na composição do RUF, a ponderação da variável “mercado” é superestimada, o que acaba produzindo inevitáveis distorções.
Assim, ganha um grande peso, na pesquisa, a opinião de gerentes de recursos humanos de empresas a respeito de sua preferência por egressos de diferentes universidades. Ora, há aí um elevado grau de subjetividade. A preferência não necessariamente corresponde ao grau de excelência de ensino e pesquisa de instituições de ensino superior. Não raro, infelizmente, ocorre o contrário. São justamente universidades privadas, com fins lucrativos, e sem qualquer compromisso com o progresso científico e a ética na formação de seus alunos, que aparecem no top of mind dos recrutadores de pessoal, influenciados pelos milhões gastos em marketing por empresas do ensino.
Certamente outro teria sido o resultado se, em vez de opinativo, o indicador buscasse auferir fatos, como, por exemplo, a taxa de empregabilidade do egresso da Unifesp - elevada inclusive para os seus novos cursos. Além disso, muitos dos formandos da instituição buscam o serviço público, cujas empresas não estão representadas com o peso devido na metodologia adotada pelo ranking.
Incoerências metodológicas do RUF, como essas que identificamos, vêm gerando críticas há tempos por estudiosos do sistema de ensino superior. Espera-se que essas críticas sirvam para que o ranking cumpra plenamente a sua função essencial de balizar as decisões de estudantes e empresas, ainda mais por se tratar de uma classificação realizada e divulgada por veículo de mídia tão importante.
Como resultado dessas reflexões, solicitamos formalmente aos responsáveis pelo RUF esclarecimentos sobre a metodologia empregada. Ao mesmo tempo, não somos indiferentes à qualidade da imagem que projetamos na sociedade, e por isso pretendemos promover ações no sentido de aprimorá-la, tanto junto à imprensa, como ao mercado de trabalho e à opinião pública em geral. Soraya Smaili
Sumário do número 12
Mariane Santos
Em setembro de 2004, durante um almoço de família, Eltton Alysson de Andrade Oliveira deu um passo decisivo em sua vida. Natural de São José dos Campos, filho caçula de 4 irmãos, cursava, à época, o ensino médio. Não era um bom aluno, não gostava de Matemática, sabia um pouco de Ciências, nada além disso. O interesse pelos estudos não existia, muito menos uma ideia concreta do que gostaria de ser profissionalmente. No encontro de família, um parente de seu padrasto lhe ofereceu aulas particulares, despertando nele o interesse pela Matemática. Com os encontros, veio o gosto pela matéria e a valorização desse tempo de aprendizado.
A família, muito simples, não teria condições de pagar um bom colégio em São José dos Campos. Por isso, fez uma prova para obter bolsa de estudos em uma escola de seu interesse, mas não foi suficiente. Escreveu uma carta ao diretor da instituição, contando sua evolução nos estudos e o interesse em preparar-se para o vestibular, bem como a importância que aquela escola traria à sua vida. Deu certo. Durante um ano,dedicou-seaos estudos. Era o quarto melhor da sala, mas cortaram a bolsa. Somente os três primeiros da turma tiveram direito ao benefício. Voltou à estaca zero e teve que retornar à escola pública.
Por conta própria, comprou livros no sebo, separou as apostilas do colégio particular e dedicouhoras por dia aos estudos. O foco era o vestibular. Então, no terceiro ano do ensino médio, em 2008, entrou em um cursinho universitário gratuito, mas infelizmente não levou a sério e o resultado foi o esperado, nenhuma aprovação.
Em 2009, abortou a ideia do cursinho e foi trabalhar como operador de telemarketing, mas algo veio a impulsioná-lo a provar que sim, era possível ingressar em uma boa universidade. Um comentário feito por uma pessoa conhecida, desqualificando a sua situação momentânea, despertou novamente a vontade de buscar uma boa qualificação e mostrar que poderia ter um futuro promissor.
Com isso, iniciou 2010 com o pé direito e muita disposição. Dedicava-se aos estudos das 6h às 17h30, por conta própria, e frequentava o cursinho à noite. Foi assim o ano inteiro e o resultado fantástico: aprovação em 13 universidades (nove federais e quatro particulares) com 100% de bolsa. A opção foi pelo bacharelado em Ciência e Tecnologia do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de São Paulo (ICT/Unifesp) - Campus São José dos Campos, em razão da situação de sua família. Para ele, a Unifesp oferecia muito mais para o aluno em questão de infraestrutura, material, laboratório, excelência e por ser na mesma cidade de sua residência.
A família recebeu com grande alegria a notícia e comemoraram com um churrasco. Nesse encontro, um parente leu uma carta que ele, Eltton, escreveu quando passou por um momento triste de sua vida, especificamente ao ser reprovado em um vestibular. Essa carta dizia que, por mais que ele não estivesse disposto a estudar, se dedicaria, pois não se via de outra forma, a não ser tendo um sucesso profissional.
Passado esse momento, sua mãe, com todo zelo, informou que não tinha condições de sustentá-lo com o passe escolar, alimentação, roupas e outras coisas necessárias durante o período universitário. Esse seria mais um obstáculo pela frente, mas ele deu um jeito e foi trabalhar de garçom e em um buffet infantil.
As portas foram se abrindo. No início da sua vida universitária surgiu uma oportunidade para ser professor de Matemática do cursinho universitário que o Campus Guarulhos da Unifesp oferecia para a comunidade. Ganhou até uma bolsa. A experiência foi surpreendente. Logo que pisou na sala de aula, se identificou com o ambiente e com a prática de lecionar.
Dotado de um ótimo humor e alto astral, viu que os alunos gostavam de seu jeito e da sua aula, mas infelizmente essa experiência durou um mês.A Unifesp teve que cortar a bolsa por causa de alguns ajustes orçamentários.
Na sequência, com a indicação de um professor da universidade, foi dar aulas de reforço da mesma matéria em uma pequena escola infantil em São José dos Campos. Deu tão certo que a procura pelas aulas aumentou e ele ajudou a escola a ampliar suas atividades, mas a mesma veio a fechar. Para não deixá-lo na mão, a dona o indicou para o Instituto Alpha Lumen (IAL), entidade voltada para estudantes com altashabilidades. Lá foi ele para mais um desafio. Passou no teste e se tornou professor de Matemática.
Em novembro de 2015 soube pela direção do IAL de uma oportunidade no Massachusetts Institute of Technology (MIT) para a realização de um curso de Ciências e Engenharia voltado a professores inovadores do ensino médio. Ele pesquisou e viu que se enquadrava no perfil - professores criativos, de educação inovadora e de liderança. Foram escolhidos 25 professores de várias partes do mundo, entre eles um brasileiro.
Ganhou um curso rápido de inglês para se preparar e embarcou para os Estados Unidos no dia 23 de junho. Durante uma semana ouviu os melhores profissionais do MIT sobre variados assuntos e ficou extremamente surpreso com os projetos que esses especialistas têm voltados à educação, a preocupação com as crianças e o uso avançado das tecnologias no desenvolvimento educativo e pedagógico. Essa experiência o fez pensar em formas e maneiras de desenvolver a tecnologia nas escolas, a valorização dos profissionais que estão sendo formados e o que é preciso para alavancar a educação no Brasil.
Esse jovem persistente está no IAL até os dias de hoje. É estudante do programa de pós-graduação em Engenharia Biomédica do ICT/Unifesp.
Sua história soma várias experiências de vida. Sua passagem pela graduação da Unifesp também mostrou que sempre há muitas coisas a aprender. Para o futuro, ele pretende incentivar as crianças a se dedicarem aos estudos e a persistirem em seus sonhos e objetivos. Ele continuará dando o melhor de si. Seu objetivo é quebrar os paradigmas do ensino no país e ser uma ponte para fazer a diferença na educação.
Sumário do número 14
Hillary Clinton (democrata) e Donald Trump (republicano), candidatos à presidência, despertam desconfiança na maioria dos eleitores
Cristina Pecequilo
Em 8 de novembro de 2016, os eleitores estadunidenses irão às urnas para escolher quem ocupará a Casa Branca a partir de 2017. Os candidatos ao pleito foram definidos nas convenções nacionais dos partidos no mês de julho: Hillary Clinton pelo Partido Democrata e Donald Trump pelo Partido Republicano. Porém, ambos não representam nomes de consenso em seus partidos e sua escolha tem gerado inúmeras críticas e fragmentações. Dos dois lados, representantes dos partidos e eleitores já anunciaram que não votarão segundo a orientação partidária, optando ou pelo outro lado ou por simplesmente não sair de casa.
Por sua vez, Hillary e Trump seguem suas campanhas, tentando convencer todos da normalidade deste ciclo eleitoral que, na prática, já tem se mostrado um dos mais controversos. Afinal, se há tanto desconforto com relação a essas duas candidaturas, como os dois conseguiram chegar a essa reta final? Quais as particularidades do sistema estadunidense que levaram à polarização Hillary-Trump? Por que Obama será sucedido por forças que podem ser consideradas retrocesso?
Em 2008, a eleição de Barack Obama ocorreu em um contexto de profunda crise econômica e social, reflexo das políticas militaristas no exterior e de desregulamentação doméstica do governo republicano de George W. Bush. Sustentado em um discurso de esperança e possibilidade, Obama venceu sua então adversária, Hillary Clinton (que depois viria a ser sua secretária de Estado), nas primárias, seguindo para uma vitória sólida na eleição presidencial. Jovem, afro-americano, progressista em temas sociais, Obama tornou-se o primeiro negro a ocupar a Casa Branca, conseguindo sua reeleição em 2012.
Em termos de resultados, o presidente conseguiu recuperar a economia estadunidense, encerrar duas guerras, no Oriente Médio, Afeganistão e Iraque, e iniciar uma ofensiva de contenção aos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), mantendo a hegemonia do país. Além disso, promoveu a retomada das relações diplomáticas com Cuba e as reformas internas na lei de imigração e ampliou direitos sociais no campo da saúde, educação e gênero.
Porém, esses sucessos não eliminaram problemas estruturais domésticos relativos à fragmentação do tecido social, marcado pela crescente queda da renda das famílias, a deterioração dos direitos trabalhistas (e rebaixamento da condição dos empregos), polarização ideológica, racial e religiosa, que se expressam em recorrentes explosões de violência internas. No exterior, a ascensão do Estado Islâmico e o desarranjo geopolítico do Oriente Médio, que gera crises como a dos refugiados, o prolongamento da guerra civil na Síria, dentre outras são pontos de estrangulamento.
É nesse vácuo que surge a candidatura de Trump e sua consolidação, primeiro subestimada, depois confirmada e agora questionada no Partido Republicano. Os Estados Unidos se recuperaram apenas parcialmente e suas fragmentações são exploradas verbalmente com violência por Trump, que vive o cenário eleitoral como um reality show, solapando seus adversários. Desde 2015, o pré-candidato, hoje candidato, tem prometido uma revolução, contra tudo e contra todos que considera não estadunidenses, externalizando os problemas do país.
Todos são inimigos, em um quadro que prega a homofobia, a misoginia e a xenofobia e poucas foram as respostas. O que muito se observou foi o silêncio e poucas manifestações corajosas, mesmo dentro de seu partido, rechaçando essa visão para os conservadores. O erro não está só em Trump, mas principalmente nesta inércia que permite que suas manifestações surjam como verdades.
É nesse mesmo vácuo que surgiu outra candidatura que se autodenominou revolucionária, a de Bernie Sanders, que concorreu com Hillary Clinton entre os democratas e também fragmentou o partido. Com promessas classificadas como de esquerda nos Estados Unidos, Sanders prometeu a universalização dos serviços públicos, a geração de empregos, investimentos e um posicionamento contra o sistema. Tanto Trump quanto Sanders apoiaram-se em um papel midiático, que descola a política da realidade e a torna apenas populista e messiânica. Ainda assim, Sanders atraiu apenas uma parcela de jovens e eleitores brancos de maior renda, insatisfeitos, em nenhum momento consolidando-se entre a base das minorias democratas hispânica e negra. Com isso, Hillary Clinton conseguiu completar o ciclo que iniciara em 2008, interrompido por Obama.
É nesse mesmo vácuo que surgiu outra candidatura que se autodenominou revolucionária, a de Bernie Sanders, que concorreu com Hillary Clinton entre os democratas e também fragmentou o partido. Com promessas classificadas como de esquerda nos Estados Unidos, Sanders prometeu a universalização dos serviços públicos, a geração de empregos, investimentos e um posicionamento contra o sistema. Tanto Trump quanto Sanders apoiaram-se em um papel midiático, que descola a política da realidade e a torna apenas populista e messiânica. Ainda assim, Sanders atraiu apenas uma parcela de jovens e eleitores brancos de maior renda, insatisfeitos, em nenhum momento consolidando-se entre a base das minorias democratas hispânica e negra. Com isso, Hillary Clinton conseguiu completar o ciclo que iniciara em 2008, interrompido por Obama.
Hillary é o nome da continuidade pós-Obama e tradicional na política contemporânea dos Estados Unidos, cuja carreira foi construída a partir da gestão do presidente Bill Clinton (1993-2000), após o escândalo sexual que levou ao processo de impeachment em 1999/2000. Por isso, muitos a definem como carreirista, sem jogo de cintura, carisma e empatia. Clinton é uma volta ao passado recente, mas representa uma opção menos problemática que Trump.
Os democratas buscam fortalecê-la em várias frentes: como a mulher, mãe e avó que rompeu barreiras, a competente advogada, primeira dama, senadora e secretária de Estado que trabalha incansavelmente, a futura presidente que levará estas qualidades a Washington, a opção menos pior para os republicanos moderados e os independentes e convencer os eleitores de Sanders a votar pela opção que traria menos riscos. A questão é se Hillary corresponderá a essas imagens, evitando igualar-se a Trump. Pesquisas eleitorais em agosto indicam um empate técnico, sintoma de um país polarizado.
Independente de quem vença, a campanha 2016 revela-se de baixo nível, explorando o medo, a agressividade e os preconceitos. No vácuo da ação progressista, a política assume uma lógica sem diálogo, que procura evitar o debate para gerar falsas unanimidades. A autocrítica é necessária para todos. Qualquer vitória parece ser a do retrocesso, tanto para o mundo, quanto para os Estados Unidos.
Cristina Soreanu Pecequilo é docente na Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN/Unifesp) – Campus Osasco e autora de Os Estados Unidos e o Século XXI
Sumário do número 14
Bruno Comparato
No discurso que fez logo após ter sido eleita presidenta da República, em 31 de outubro de 2010, a primeira vez que esse cargo passou a ser exercido por uma mulher no Brasil, Dilma Rousseff fez questão de ressaltar precisamente esse ponto: “Eu gostaria muito que os pais e as mães das meninas pudessem olhar hoje nos olhos delas e dizer: ‘Sim, a mulher pode’. A minha alegria é ainda maior pelo fato que a presença de uma mulher na Presidência da República se dá pelo caminho sagrado do voto, da decisão democrática do eleitor, do exercício mais elevado da cidadania”.
Aos ouvintes atentos, o discurso da recém-eleita presidenta não deixava margem a dúvidas: as questões de gênero e o papel da mulher na sociedade receberiam especial atenção do governo que se inaugurava. O que nem todos esperavam, contudo, foi a forte reação negativa que aquele movimento desencadearia. A política de inclusão de grande parcela dos brasileiros até então esquecidos pelos governos, que passaram a ter acesso a itens mínimos que garantem os direitos de cidadania, a partir da eleição de Lula em 2002, como a alimentação, a educação e a saúde, foi taxada de populismo por seus adversários.
As elites brasileiras nunca aceitaram o Partido dos Trabalhadores (PT) na Presidência e passaram a combater sistematicamente todos os atos do governo. Na década de 1970, Florestan Fernandes definiu em uma fórmula lapidar um traço característico do caráter brasileiro: o preconceito de ter preconceito. Algo mudou, porque hoje não são poucos os que perderam o pudor de afirmar publicamente que não gostam de pobres, pretos, gays ou nordestinos. Trata-se de algo assustador, pois uma vez que esse lixo todo saiu de dentro das pessoas, não voltará mais para dentro das suas consciências e estamos condenados a conviver com o ódio.
No plano da luta política, esse movimento se traduziu pela recusa em aceitar o resultado da eleição de 2014. Tudo se passou como se a oposição tivesse ressuscitado a funesta fórmula com a qual Carlos Lacerda resumia os sentimentos das elites de então em relação à campanha de Getúlio Vargas à Presidência em 1950: “Getúlio não pode ser candidato. Se for, não pode vencer. Se eleito, não pode tomar posse. Se empossado, será destituído”. Horas apenas após a proclamação do resultado, os adversários passaram a contestar o veredicto das urnas e a trabalhar para derrubar o governo, demonstrando que não estavam mais dispostos a fazer parte do jogo democrático. Trata-se de um fato grave, pois rompeu-se o grande mistério, e que é por essa razão o maior encanto, da democracia, que é o consentimento dos perdedores.
Ao longo da década de 1970, os países latino-americanos se acostumaram com golpes de Estado por meio dos quais o poder político era tomado por atores-chave da burocracia estatal: os militares. Recentemente, um movimento semelhante parece estar se reeditando, com a diferença que agora esses atores se encontram em instituições políticas fundamentais para a democracia, como o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Federal, os Tribunais de Contas, que, por ironia do destino, tiveram seus poderes e independência garantidos e reforçados pelos governos republicanos e democráticos que ajudaram a derrubar. Com o apoio dos grandes conglomerados de mídia e desses atores que nunca receberam um voto sequer da população, o grupo político derrotado nas últimas eleições presidenciais se instalou no poder e passou a implementar um programa de governo impopular que foi derrotado várias vezes nas urnas. Golpe duplo, portanto. A desculpa do combate à corrupção não resiste a uma análise mais detida, pois, apesar da vida da presidenta afastada ter sido vasculhada, não foi encontrada nenhuma irregularidade, ao contrário dos seus adversários.
Não se trata de quem deve ou não deve, ou de ter a consciência limpa, pois para isso deve haver um pressuposto de que a justiça funciona e é imparcial, de que podemos confiar nos juízes. E o que o cidadão comum enxerga é uma justiça que trata as diferentes situações de maneira desigual, que é incapaz de investigar e julgar para valer os responsáveis pelo massacre de Eldorado dos Carajás, de Corumbiara, pelos mortos do Carandiru, pela chacina da Candelária, pela de Vigário Geral, os crimes de maio de 2006, quando a polícia matou em alguns dias o que costuma matar em um ano, ou os crimes da ditadura.
Passemos sobre o triste espetáculo das ignomínias, acusações mentirosas, julgamentos enviesados, traições de todo tipo, pois apesar dos jornais estarem hoje cheios delas, a história não lembrará quase nada dessa intriga toda, pois se já é difícil entender hoje o emaranhado de interesses espúrios que movem tantas acusações e manobras, daqui a algumas décadas será impossível contar. Os grandes movimentos é que permanecerão.
E o que as gerações futuras lembrarão dessa história é a injustiça da derrubada de uma presidenta legitimamente eleita pelo voto popular. Dilma foi taxada de bandida e terrorista durante a campanha eleitoral e acabou por ser afastada como uma delinquente qualquer, pois ousou conceder alguns avanços para muitos brasileiros que sempre foram ignorados pelas elites.
Ao conquistar a primeira medalha de ouro brasileira nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro, em agosto de 2016, a judoca Rafaela Silva relembrou a humilhação a que foi submetida ao ser desclassificada na Olimpíada anterior: “Lembrando do sofrimento que passei em Londres, que me criticaram, que eu era uma vergonha para minha família, e hoje eu pude fazer todos os brasileiros felizes com essa medalha aqui dentro da minha casa. O macaco que tinha que estar na jaula em Londres hoje é campeão olímpico dentro de casa e hoje eu não fui uma vergonha para a minha família”.
A mesma elite que agora acusa a Dilma despreza as Rafaelas. Ela só as aceita como empregadas domésticas e costuma dizer que são “parte da família”, quando na verdade as ignora, explora, xinga, prende, escraviza, estupra, e até mata, pois no fundo tem medo das Rafaelas, sobretudo quando elas lutam judô e ousam dizer o que pensam.
Em 2002, Lula se tornou presidente com a promessa de erradicar a fome e de garantir a todos os brasileiros três refeições por dia. Buscava assim eliminar o abismo social identificado por Josué de Castro que, na década de 1950, assegurava que a humanidade se divide em duas categorias: a dos que têm fome e a dos que têm medo de quem tem fome. Passados treze anos os que têm fome assustam mais ainda, por que não têm mais fome apenas de comida, mas de dignidade, educação e respeito.
Ao receber um prêmio, este ano, pelo filme Que horas ela volta?, no qual ela narra a história de Jéssica, a filha de uma empregada doméstica que entra na universidade, a cineasta Anna Muylaert confessou que achava a personagem um tanto quanto utópica demais, até o filme ser lançado e ela ouvir de vários jovens que eles se identificavam com a Jéssica, pois são a primeira pessoa nas suas famílias a entrar na universidade. Uma realidade que conhecemos bem na Unifesp, e que acompanha o padrão recente, de acordo com o qual um terço dos alunos atualmente nas universidades públicas são a primeira pessoa nas suas famílias a cursar o ensino superior.
Precisamos nos aproximar das Jéssicas e dos Jéssicos que frequentam a universidade e ouvir o que eles têm a dizer. Afinal, como escreveu João Guimarães Rosa: “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. Só assim poderemos enfrentar os tempos difíceis que se anunciam com coragem e esperança no futuro e nessa pátria desalmada, Brasil.
Bruno Konder Comparato é docente na Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos
Sumário do número 14
Daniel Patini
O 1º Censo de Servidores da Unifesp, após dois anos de trabalho, apresenta seus principais resultados. Importante instrumento para a promoção do bem-estar no local de trabalho, o censo foi realizado pelas Pró-Reitorias de Administração (ProAdm) e de Gestão com Pessoas (ProPessoas).
Para Pedro Chadarevian, pró-reitor adjunto de Administração e coordenador da comissão do censo, esse trabalho é um marco para a universidade, sendo inédito entre as instituições federais de ensino superior (Ifes).
“É um documento que ficará à disposição dos gestores da instituição para entender melhor quem somos, como funcionamos e como se dão as nossas relações de trabalho. Ele é fruto de uma reflexão coletiva da comunidade acadêmica”, analisa.
Além do relatório final do censo, que apresentará um recorte por categoria e campus, a base de dados poderá ser consultada sob demanda. Ainda está prevista uma segunda etapa, baseada em grupos focais para uma análise qualitativa.
De acordo com os resultados obtidos dos 4.065 formulários preenchidos, no geral, houve participação elevada nos diferentes campi da instituição (acima de 80%). Os dados foram colhidos durante junho de 2015 e março de 2016.
Perfil socioeconômico
Mulheres são maioria na instituição (63%). Servidores têm idade média de 46 anos, 85% de brancos entre docentes e 69% entre TAEs, 6% possuem algum tipo de deficiência, maioria está nas classes B e C (64%).
Quanto à origem, 84% dos TAEs e 77% dos docentes são da Região Sudeste e 5% dos docentes são estrangeiros.
Experiência
O ano médio de admissão na Unifesp para TAEs é 2001 e docentes 2005. Os TAEs com mais de 20 anos de serviço público representam 33%, enquanto que entre docentes esta proporção é de 28%.
Clima Organizacional
O sentimento de utilidade no desempenho de sua função foi alto em ambas categorias: docentes (96%) e TAEs (95%). Foi constatada ainda elevada satisfação com o ambiente de trabalho (docentes 80% / TAEs 78%) e com a chefia imediata (docentes 79% / TAEs 73%).
A minoria dos participantes reclamou de “pressão” ou cobrança indevida (TAEs 22% / docentes 16%). Já a falta de espaço para decisão foi considerada um problema maior entre os TAEs (32%) do que entre os docentes (13%), assim como o sentimento de trabalho repetitivo: TAEs (76%) e docentes (40%).
A percepção de salário baixo em relação ao volume de trabalho foi de 86% entre os docentes e de 75% entre os TAEs.
Gestão com Pessoas
A política de capacitação foi elogiada por 70% dos entrevistados, que se consideraram satisfeitos com ela. A jornada flexibilizada de 30 horas foi vista de forma positiva pelos TAEs: 81% deles constataram aumento na produtividade. Já os docentes ficaram divididos sobre a questão. O serviço oferecido pelo Núcleo de Assistência à Saúde do Funcionário (Nasf) foi aprovado pela maioria dos entrevistados das duas categorias (docentes 73% / TAEs 62%).
Sumário do número 14
Curso comemora conquistas acumuladas no desenvolvimento da pesquisa e na formação de cientistas
Bolivar Godinho de Oliveira Filho
O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff é um assunto relevante, com manifestações a favor e contra a mudança de governo. Os professores não podem ficar alheios a esse debate. Mais do que externar opiniões ideológicas e frases de efeito, devemos analisar os indicadores econômicos recentes para entender se a vida do povo brasileiro melhorou com o governo Dilma ou se uma mudança de rumos é necessária.
A presidente Dilma, com a visão de que o Estado deve intervir na economia, implementou as seguintes políticas: utilização de subsídios como indutor de investimentos, incentivo ao consumo, política externa focada em afinidades ideológicas e não no comércio exterior e indisciplina fiscal.
Como exemplos de intervenção do Estado na economia podemos citar: a redução da conta de luz em 2012 e a política de preços dos combustíveis da Petrobrás. A redução média da conta de luz em 20%, em 2012, foi determinada pela Medida Provisória nº 579, que foi convertida na Lei nº 12.783/ 2013 a qual antecipou o vencimento das concessões de geração e transmissão de energia elétrica que venceriam entre 2015 e 2017. Com a seca no período de 2013 a 2015 as usinas hidrelétricas reduziram a produção de energia e houve o acionamento das usinas termelétricas com custo de geração mais elevado.
As empresas distribuidoras de energia elétrica compraram energia no mercado de curto prazo e ficaram inadimplentes na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que teve que tomar empréstimos em bancos no valor de R$ 21 bilhões. Conforme Acórdão nº 2.565/ 2014 do Tribunal de Contas da União (TCU), a Medida Provisória nº 579 gerou custos para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) no valor de R$ 61 bilhões entre 2013 e 2014. A sustentabilidade do setor elétrico foi colocada em risco, uma vez que as distribuidoras dependiam de aportes do tesouro e empréstimos para honrar a compra de energia junto à CCEE. Para remediar o desastre, o governo autorizou aumento médio de 51% da conta de energia para o consumidor em 2015. O reajuste na cidade de São Paulo foi de 70%.
O governo utilizou a Petrobrás para tentar conter os índices de inflação. O congelamento dos preços dos combustíveis com preços de venda abaixo do custo, no período de 2011 a 2015, gerou prejuízos de mais R$ 60 bilhões. A empresa reduziu os investimentos e se endividou para cumprir a determinação do governo. A Petrobrás está em situação financeira delicada: registrou prejuízos de R$ 22 bilhões em 2014, R$ 35 bilhões em 2015 e deve R$ 370 bilhões (dívida líquida).
Os subsídios foram largamente utilizados no Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Esse programa, apelidado por alguns analistas de Bolsa Empresário, foi lançado em 2009 e mantido até 2015. O PSI consistia no repasse de recursos do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O BNDES financiava as empresas por prazo de até dez anos com taxas de juros de 4% a 8% ao ano, conforme a modalidade. Foram mais de R$ 500 bilhões de repasses do tesouro para o BNDES com taxas subsidiadas. O Tesouro Nacional captava recursos no mercado pagando taxas de 11% a 14% ao ano e repassava a subvenção financeira ao BNDES para a realização de financiamentos para empresas com taxas de 4% a 8% ao ano. A sociedade está pagando uma conta elevada por esses subsídios.
Os investimentos das empresas, medidos pela formação bruta de capital fixo, não tiveram evolução significativa. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve crescimento da formação bruta de capital fixo em 2010, mas recuaram nos anos posteriores. A concessão de subsídios é uma volta ao passado. Na década de 1970 os produtores rurais receberam muitos subsídios para investimentos por meio do crédito rural e foi constatado que grande parte dos recursos foram desviados para a compra de carros de luxo e construção de casas.
O BNDES subsidiou o governo de Cuba com o financiamento de US$ 682 milhões para ampliação e modernização do Porto de Mariel. Informações obtidas no site do BNDES indicam que os primeiros contratos no valor de US$ 152 milhões foram liberados em 2009 e 2010 no governo Lula. No governo Dilma foram liberados US$ 530 milhões. A taxa média dos financiamentos foi de 4,84% ao ano e o prazo 25 anos.; O BNDES não tem captação para esse prazo, o bônus internacional de prazo mais longo, captado pelo BNDES, vence em 2023 e tem custo de 5,75% ao ano. Considerando um prazo médio de 13 anos e rentabilidade negativa de 0,91% ao ano, o BNDES perdeu US$ 80 milhões com esse financiamento.
A política fiscal foi expansionista no governo Dilma; a elevação dos gastos, que culminou em déficit de R$ 115 bilhões em 2015, aumentou a dívida pública, que passou de 51,3% do PIB em 2011 para 66,5% do PIB em 2015. O aumento da inflação foi consequência da irresponsabilidade fiscal, do aumento das tarifas e da elevação da cotação do dólar. Vale ressaltar que o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, em seu curto tempo no governo, tentou mudar o rumo da política econômica, mas não havia sintonia entre a atuação do Ministério da Fazenda, do Planejamento e Banco Central. Deixar a cotação do dólar subir foi uma decisão acertada, porque possibilitou o aumento das exportações.
A presidente Dilma afirma ser honesta e não haver motivos para o impeachment. Sendo ela responsável pelas nomeações dos ministros e pelas decisões mais importantes do governo, não dá para entender como houve tantos desvios na Petrobrás e nas obras públicas. O país saiu de uma rota de crescimento e ascensão social para recessão e desemprego. Com dois meses de governo o presidente interino Michel Temer propôs medidas que aumentaram a confiança dos agentes econômicos. No acumulado do ano (até 18/07) o índice da Bolsa de Valores subiu 30,3%, o dólar caiu 16,4% e o risco-país medido pelo Credit Default Swap (CDS) caiu de 500 pontos para 290 pontos.
O Brasil precisa de mudanças, o impedimento da Presidente cria a possibilidade de implementá-las.
Bolivar Godinho de Oliveira Filho é docente na Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN/Unifesp) – Campus Osasco
Sumário do número 14
Daniel Patini
Em consonância com o movimento mundial de acesso aberto e livre à informação científica, desde 2015, a Unifesp conta com o seu repositório institucional, ferramenta que funciona como um grande arquivo, no qual é possível armazenar, proteger e guardar toda a produção científica e técnica. Até o momento, já foram depositados aproximadamente 40 mil registros, número suficiente para que a universidade já tenha uma representatividade no Ranking Web of Repositories.
“A expectativa é que, quando esse trabalho estiver consolidado, nós consigamos melhorar a nossa posição”, explica Maria Eduarda S. Puga, diretora da Coordenadoria da Rede de Bibliotecas da Unifesp (CRBU), órgão que realiza a gestão e a disseminação da produção científica, técnica, didática e artística da comunidade acadêmica. O repositório da Unifesp segue a mesma ordem estrutural da universidade e está dividido em departamentos e unidades. Ele pode ser acessado no endereço www.repositorio.unifesp.br.
Por meio do repositório, é possível consultar todos os arquivos em um único lugar. “Ele é importante também para que a Unifesp se fortaleça institucionalmente. Por estar na internet, a visibilidade é permanente e de fácil acesso. O repositório vem para nos ensinar que precisamos preservar, não para somente guardar a nossa história e sim para que em qualquer momento na história possamos resgatar e acessar o que já foi feito e aperfeiçoar o que se fará”.
Maria Eduarda lembra que, logo no início da criação da CRBU, em 2013, ela e sua equipe participaram da Conferência Luso-Brasileira sobre Acesso Aberto (Confoa), realizada na USP. Na ocasião, foram apresentados os repositórios das universidades federais do Brasil; a Unifesp não figurava entre as instituições.
O processo de construção começou no mesmo ano, com a participação de um representante de cada biblioteca dos campi da Unifesp. Em um primeiro momento, foi elaborada a política do repositório. O desenvolvimento e suporte na área de Tecnologia da Informação contou com a equipe do Campus Diadema. A Universidade Estadual Paulista (Unesp) cedeu o know how para a coleta e classificação de dados, fornecendo scripts e ferramentas adequadas.
“O processo de povoamento de nosso repositório se deu em um primeiro momento com todas as publicações de docentes que estavam na Scielo. Posteriormente, foram migradas todas as dissertações e teses (ainda em trabalho de recuperação dos textos completos de muitas delas). Agora estamos empenhados no depósito dos artigos publicados na Web of Science. O povoamento, termo utilizado para o depósito de arquivos, foi realizado a partir de 2015. Nosso próximo passo é partir para o Currículo Lattes dos docentes”, relata.
Outro apoio importante veio do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), responsável por promover a criação dos repositórios nas universidades. “Ele distribuiu o software gratuitamente, além de oferecer o servidor para a instalação do repositório, que fica no Campus Diadema, e o suporte técnico”, informa Maria Eduarda.
A base de dados segue diretrizes internacionais estabelecidas na LA Referencia (Rede Internacional de Repositórios Institucionais de Publicações Científicas, em tradução livre), que visa maior qualidade e interoperabilidade. Isso permitirá sua integração à Rede Brasileira de Serviços de Preservação Digital - Cariniana (IBICT), que disponibiliza o serviço de preservação digital para instituições com publicação em acesso livre.
De acordo com Maria Eduarda, essa é uma política governamental já perpetuada há mais de dez anos no mundo. “A comunidade europeia, por exemplo, segue o programa Horizon 2020, que planeja como esses repositórios estarão em 2020.” Além dos repositórios institucionais, existem também os repositórios de dados. Neles, cada pesquisador deposita, desde o início, todas as informações de seu trabalho, que inicialmente ficam restritas a ele próprio ou pode compartilhar com seus colegas. No final, ele as disponibiliza publicamente.
Algumas das principais revistas científicas, como a Science, por exemplo, já exigem que os pesquisadores depositem seus dados de pesquisa em um repositório para aceitar a publicação de seu artigo. “Hoje, nossos pesquisadores depositam em repositórios internacionais e de outras instituições. Nosso próximo passo é que tenhamos também um repositório de dados na mesma interface”, finaliza a diretora.
Sumário do número 14