Dados divulgados pelo II Seminário de Políticas de Permanência na Universidade indicam que, entre 2012 e 2015, caiu em 7,5% o percentual de ingressantes de cor/raça/etnia branca, ao passo que aumentou em 3,7% o número de estudantes pardos e em 6% o número de estudantes vindos do ensino público. Os resultados indicam a importância crescente das políticas de assistência estudantil e a própria razão de ser da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), responsável por desenvolver políticas e ações institucionais relacionadas à permanência de estudantes nos cursos de graduação e pós-graduação.
Esses dados estão em consonância com o perfil socioeconômico das universidades federais, levantado em 2014 e apresentado este ano em pesquisa desenvolvida pela Andifes, segundo o qual quase metade dos alunos de graduação do Brasil (47,57%) é de cor/raça negra ou parda. De acordo com os dados, em números absolutos, de 2003 a 2014, os alunos autodeclarados pardos passaram de 132 mil para 354 mil. Já os negros, que eram 27 mil, hoje são 92 mil.
Na Unifesp, a rede de assistência da qual dispõem os estudantes integra restaurantes universitários, Núcleos de Apoio ao Estudante (NAEs), estabelecidos nos campi, e o Serviço de Saúde do Corpo Discente (SSCD), que oferece atendimento médico e odontológico. “Temos uma possibilidade ímpar de transformação social”, afirma a pró-reitora de Assuntos Estudantis, Andrea Rabinovici.
Nos últimos três anos, sua estrutura de atuação passou por diversas mudanças. A ampliação da equipe foi crucial. “Antes com quatro, a equipe da Prae na Reitoria conta hoje com 12 pessoas, incluindo assistente social, psicóloga, analista de sistema, técnico em informação, cinco assistentes em administração, pedagogo, administrador, recepcionista e nutricionista”. Algumas equipes dos NAEs também dispõem agora de novos servidores.
O programa Bolsa de Iniciação à Gestão foi reformulado, para que parte dos bolsistas trabalhe com temas ligados à assistência estudantil e ajude na comunicação e diálogo com estudantes. “Cada NAE passou a ter à disposição até cinco bolsistas; na Prae, contamos com quatro. Por terem uma linguagem própria, os bolsistas ajudam a amadurecer nossa relação com os estudantes, em todas as suas especificidades”, pontua.
A atual gestão apostou na coordenação e institucionalização das estruturas de apoio estudantil nos campi. “Buscamos fazer com que houvesse um trabalho coordenado entre os NAEs e a Prae, respeitadas as diferenças entre os campi. Os NAEs inclusive participaram da criação, aprovada pelo Conselho de Assuntos Estudantis, de um regimento, construído para orientar suas atuações e os fluxos nos campi”.
A partir de então, foi possível construir atuações, políticas, regulamentos e campanhas, visando à ampliação e organização de atividades multiprofissionais para atender questões específicas da assistência estudantil. Temas como diversidade sexual, de gênero, racismo e drogas, por exemplo, são o foco de ações em diálogo com os estudantes e também com outras pró-reitorias.
Além disso, dá-se uma atenção especial à questão da acessibilidade. “Adotamos um protocolo, em parceria com a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), para que nos informem, a cada nova lista de chamada, os ingressantes com quaisquer tipos de deficiência. Assim, com apoio dos NAEs, estabelecemos o contato com os estudantes e podemos acolher e encaminhar suas necessidades, bem como acompanhá-los durante o curso”.
As crises de natureza política e orçamentária no âmbito nacional impediram que algumas atividades fossem realizadas, tais como a construção de moradias estudantis. Apesar disso, foi possível dar maior transparência às decisões e ao uso dos recursos orçamentários. “Disponibilizamos mensalmente em nosso site a aplicação detalhada dos recursos do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAE) com bolsas, auxílios, subsídio aos restaurantes universitários e outros. Todo final de ano, elaboramos um balanço e publicamos o relatório. Procuramos dar total transparência aos dados.”
A Prae recebeu visita da Controladoria Geral da União (CGU) para a realização de auditoria. “Tivemos uma aprovação de contas de 100%, o que significa que estamos conseguindo efetuar um controle eficaz do dinheiro que passa por aqui”, pondera.
Sumário do número 14
Focada na continuidade da reforma iniciada em 2013, a Pró-Reitoria de Administração (ProAdm) pôde consolidar sua atuação na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), especialmente no setor de infraestrutura. Nesse sentido, a criação do Escritório Técnico de Apoio à Gestão e Assuntos Estratégicos (Etagae), naquele ano, permitiu apoiar e orientar a alta gestão da universidade, por meio das câmaras técnicas, em questões relacionadas à administração, gestão pública e direito administrativo.
Anteriormente, a ProAdm acumulava a gestão e desenvolvimento de pessoal e o Departamento de Recursos Humanos (DRH), funções remanejadas para a Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas (ProPessoas), criada em 2014. Após a redistribuição de tarefas e responsabilidades com essa e demais pró-reitorias, a Unifesp criou as câmaras técnicas de compras e de orçamentos, além do Grupo de Trabalho de Acompanhamento e Controle da Execução Orçamentária e Financeira. “A criação das câmaras permitiu maior transparência e descentralização dos processos e fluxos para os campi, pois inclui todas as unidades e campi da instituição nas diversas áreas de gestão”.
Seguindo a política de reformulação da ProAdm, foi criado o Departamento de Gestão e Segurança Ambiental (DGA), que por sua vez também criou sua câmara técnica, da qual participam as divisões relacionadas aos campi. Em sua atividade, o DGA tem dado assistência à gestão e elaborado diagnóstico da situação atual e projeções futuras. No ano de 2014, por iniciativa do DGA, o Consu aprovou a Política de Excelência em Sustentabilidade Ambiental (Pensa/Unifesp).
Manuais de gestão agilizam procedimentos
Decorrentes das necessidades identificadas pelas câmaras técnicas da universidade, os manuais de gestão foram elaborados, também em 2013, com o objetivo de padronizar os procedimentos internos. Tânia Mara, responsável pelo Etagae, explica que eles estão em constante aprimoramento. “Sempre que sai uma nova legislação normativa, novas regras são estabelecidas de um modo geral. A universidade é um organismo grande e complexo, com especificidades em cada campus”.
Outra importância dos manuais está relacionada ao servidor recém-chegado à instituição, pois eles servem como subsídios para o treinamento e aprendizado. Ela cita, por exemplo, o manual de orçamento, que explica detalhadamente como se faz a nota de empenho (documento autorizativo da despesa).
Além das orientações e legislação normativa da área de compras, a Unifesp conta com os manuais de fiscalização de contratos, que orientam as atividades dos fiscais, de gestão orçamentária e gestão financeira, que tratam do fluxo de documentos, entre outros.
Todos os manuais são homologados pelas câmaras técnicas, instância de governança da universidade com ampla representatividade, e refletem a necessidade da instituição como um todo.
Sumário do número 14
Juliana Narimatsu
O barulho ensurdecedor se mistura com o flash das câmeras. Todos os olhos estão voltados para um único ponto da pista oval, verde e amarelo. Não. Não o brasileiro, o sul-africano de pernas de aço é que chama a atenção. Ele espera pelo momento certo, junto com os outros oito. O percurso já é conhecido, são os mesmos duzentos metros à frente. Livres, totalmente livres.
Uma pessoa alta. Cabelos cor de café cuidadosamente desalinhados, olhos emoldurados por hastes prateadas e um sorriso jovial. Nasceu na interiorana Botucatu em 21 de abril de 1979. Filho de uma professora e de um corretor de imóveis, ele chegou ao mundo para viver do esporte. Ou melhor, para o esporte. Isso vem desde os sonhos de criança. Após a jornada diária na escola, gostava de passar o resto das tardes com os amigos no clube da cidade, tanto para jogar conversa fora, quanto para jogar uma boa partida de futebol.
De longe, sinto uma nuvem de tensão pairando no ar. Depois de ajudar um dos nossos atletas, puxo uma cadeira para assistir à prova ao lado da equipe. Meu péssimo ouvido tenta decifrar a narração polida do inglês, apresentando um por um. Estamos quase certos que uma medalha será nossa. Agora, a cor...isso será na hora.
Com 18 anos, decidiu tentar seguir carreira em Fisioterapia, porém sem sucesso. Seis meses se passaram e lá estava ele iniciando a graduação na Faculdade de Tecnologia (Fatec) de Jaú, no curso de Administração em Navegação Fluvial. Tudo tranquilo, até chegarem as notas de Matemática. Descobriu ser o melhor da turma, algo estranho, já que não tinha tanta afinidade com números. Por causa do sucesso inesperado e da confiança adquirida, resolveu largar tudo para realizar o desejo de infância, encontrando-se finalmente ao cursar Educação Física na Unicamp.
Eles estão a postos. Mãos e joelhos se apoiam no chão alaranjado. A chance de ser o campeão está chegando. Escuto o silêncio, ele toma conta do público. A sirene sinaliza a posição de largada; logo, um disparo. Começou.
O pontapé inicial que despertou sua vocação foi dado por Júlio Galvão, seu professor da disciplina de Esporte Adaptado. Num dia de apuro, este pediu sua ajuda para participar de um dos projetos de extensão. Foi quando conheceu Wellington Rodrigues, o Baiano, corredor deficiente visual. O atleta apenas precisava de um companheiro para guiá-lo nas provas, e o aprendiz assim o fez. A maravilha desse trabalho lhe ofereceu a oportunidade de observar o diferente, vendo suas potencialidades, nada mais. Uma lição que leva sempre consigo e que o motivou a tornar-se especialista em atletismo paralímpico.
A torcida enlouquece. Nos segundos iniciais, três deles se destacam, mas o sul-africano vai ganhando distância. O locutor narra com vigor, e o estádio entra em estado de êxtase. É a última curva.
A partir daí, o destino possibilitou-lhe vários chutes no ângulo. Um emprego, em 1998, na secretaria do Campeonato Mundial de Futebol para Cegos, em Paulínia, quando presenciou a vitória do Brasil na final do jogo contra a Argentina, e a experiência em algumas competições no exterior, ainda na época de estudante, foram os melhores gols. Entretanto, sua grande realiza- ção chegou em 2000, com a primeira Paralimpíada, em Sidney. Havia ali uma aura inexplicável. A sensação de frio na barriga e o coração batendo a milhão existiram e sempre vão existir em qualquer competição. Representar uma nação, sendo responsável pela preparação dos atletas, mostrou que sua vida se modulava cada vez mais pelo ritmo prazeroso que é o esporte.
Vinte segundos. O tempo em que as cores do meu país ultrapassam a todos. Somos o número um! Meu amigo, cujo crescimento acompanhei desde os 15, vence! Cansado, ele cumprimenta seus rivais, faz o sinal da cruz e finaliza apontando o dedo para cima. Uma dedicatória aos céus.
Destino ou acaso, os ciclos quadrienais dos grandes jogos influenciaram o seu trabalho. Atenas, 2004: o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) convidou-o para fazer parte do grupo técnico de atletismo, prática que mais o atrai. Vários projetos e ações acadêmicas que realizou enquadraram-se nessa modalidade, além de ser o hobby preferido aos finais de semana. Pequim, 2008: mesmo lecionando em Florianópolis, decidiu mudar-se para a Baixada Santista, após ser aprovado no concurso para docente na Unifesp. Eram outras portas se abrindo.
Maracanaço! É o que eu posso dizer! Não consigo parar de gritar de tanto orgulho! De repente, não é que vejo uns policiais? Não, está tudo bem. Estou aqui com o pessoal! Você tem que entender, esse é o Alan Fonteles ganhando do maior atleta paralímpico, o Pistorius. Precisamos comemorar...
Londres, 2012, última Paralímpiada, uma cena marcante: a conquista de Alan Fonteles, jovem corredor brasileiro, morador do município de Ananindeua, foi importante, servindo de inspiração a ambos para enfrentar novos desafios. O técnico havia encontrado os seus. Hoje está envolvido na construção de projetos que pretende legar as gerações futuras. Um, material, com a criação do Centro de Treinamento Paralímpico em São Paulo, e outro, na produção científica, aplicada à rotina dos atletas do CPB, com a parceria da Unifesp. Uniu o útil ao agradável. Fora isso, a espera pelo tão falado 2016, quando o maior evento esportivo do mundo será realizado na cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro.
Além disso, ele cultiva suas paixões. Além da prática esportiva nas horas oportunas, é amante da internet e apreciador de qualquer estilo musical, de Pena Branca e Xavantinho a Beethoven. E, hoje, ele também é pai. Sua vida gira em torno do baixinho Vinícius e, a deste, em torno do esporte. São sete anos presenciando, lado a lado, treinos e campeonatos dos – carinhosamente chamados pelo filho –, titios.
Foram muitos jogos, quatro Paralímpiadas, 32 países visitados e amizades com pessoas inesquecíveis. São ocasiões que só o Educador Físico Futebol Clube poderia proporcionar, mas ele acredita que aconteceram apenas por estar no lugar certo e na hora certa. Não trocaria essa profissão por nada. Ela transformou sua vida, ensinando-o a valorizar mais o ser humano. “Todos têm sua capacidade, por piores que as situações possam parecer. As mudanças virão e serão fantásticas, basta estimulá-las para que elas aconteçam”, conclui o professor da vida, Ciro Winckler.
Sumário do número 4
A Unifesp oferece 51 cursos de graduação, com ingressos por meio do Sistema de Seleção Unificado (Sisu) e do Sistema Misto (Enem + Vunesp). Ao longo da formação, várias atividades são oferecidas, como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), as monitorias, entre outros. Em 2015, foram 11.612 estudantes matriculados, entre eles 1.087 concluintes e 2.753 ingressantes, sendo 996 cotistas (por renda familiar, ensino médio em escola pública e/ou cor/raça/etnia negra, parda ou indígena). Hoje são um pouco mais de 12 mil discentes vinculados diretamente à Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), dos quais 3.064 são cotistas.
A Prograd priorizou a aproximação com a comunidade, os discentes, os docentes e também o relacionamento entre as partes. Entre as atividades marcantes com a comunidade externa estão as desenvolvidas pelo Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica (Comfor), que contribuíram para a profissionalização de 10 mil professores da rede pública.
Nos últimos anos, houve investimento na capacitação da própria equipe da pró-reitoria, aperfeiçoando as competências técnicas para melhor coordenar os processos de planejamento pedagógico e para qualificar as discussões sobre a elaboração dos cursos a serem abertos, como os de Direito, Design Educacional e os do Campus Zona Leste (Administração Pública, Arquitetura, Engenharia Ambiental, Engenharia Civil e o bacharelado e a licenciatura em Geografia). Tal articulação, feita de maneira ampla e participativa, permitiu pactuar normas e pontos em comum sobre os projetos e trajetórias curriculares.
A Prograd apresenta também um melhor alinhamento das ações junto às pró-reitorias de Assuntos Estudantis (Prae) e de Extensão e Cultura (Proec). A intenção é aperfeiçoar essa interação, não só com as demais pró-reitorias acadêmicas, mas com outros órgãos da instituição, como a Universidade Aberta do Brasil (UAB), a Secretaria de Educação a Distância (Sead) e a Secretária de Relações Internacionais (SRI).
O Conselho de Graduação é um fórum de efetiva institucionalidade, responsável por propor soluções, como o oferecimento do curso de libras em todos os campi, a consolidação das unidades curriculares intercampi – como o Cálculo –, a inclusão das atividades de extensão dos cursos – 10% da carga horária total, conforme a lei –, além da promoção da convergência das ações da Unifesp. “No caso das atividades de extensão, a Prograd e a Proec criaram, com os coordenadores e comissões de cursos, uma comissão responsável por levantar o que já está sendo realizado em termos de extensão na graduação. Estamos fazendo, na verdade, uma autorreflexão para dar visibilidade e oficializar essas atividades, que são formativas, na carga horária dos cursos”, explica a pró-reitora de graduação, Maria Angélica Minhoto.
Especialmente com a Prae, um dos projetos desenvolvidos foi o perfil socioeconômico, cultural e acadêmico dos ingressantes em 2015. “Foi uma inciativa importantíssima. Permitiu desenhar políticas mais consistentes de inclusão e de permanência dos estudantes. Foi possível estimular o apoio pedagógico, visualizar a trajetória acadêmica desses alunos, levantar as necessidades na formação dos docentes, verificar os problemas relacionados à evasão. Temos condições, assim, de orientar e olhar mais aproximadamente os campi, os NAEs, as direções acadêmicas, as coordenações”, comenta.
A Prograd buscou também trazer novas tecnologias, como o ensino à distância. “A Sead tem nos apoiado muito, principalmente com as disciplinas multicampi e as inciativas do Comfor. No entanto, um dos trabalhos em desenvolvimento é a renovação do Moodle (plataforma de ensino à distância) da graduação. Estamos modernizando essa versão e promovendo a formação das equipes de Tecnologia da Informação dos campi. Então, o docente que quiser um ambiente virtual nesse Moodle atualizado, a partir do ano que vem, pode solicitar e o ambiente será criado para ele”, pontua.
Uma das ações de destaque foi a organização do Simpósio de Graduação. Realizado desde 2014, agora nomeado Congresso Acadêmico da Unifesp, o evento passou a envolver também a Proec, a Prae e a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (ProPGPq). O objetivo é integrar as diferentes atividades acadêmicas.
“Tudo começou com o Congresso de Iniciação Científica. Procuramos juntar todos os programas institucionais que possuem impacto na graduação. Quando realizamos o simpósio, em 2014, com todas essas iniciativas e abraçando as pró-reitorias, tivemos enorme sucesso. No ano seguinte, a proposta foi ampliada e, em 2016, consolidada. Essa atividade representa uma forma de realização da concepção declarada em nosso Projeto de Desenvolvimento Institucional (PDI): a convergência do conhecimento.”, finaliza Maria Angélica.
Sumário do número 14
José Luiz Guerra, Juliana Narimatsu e Valquíria Carnaúba
Em consonância com a Lei da Transparência, n°12.527, de 18 de novembro de 2011, e com a política de estímulo ao debate plural e democrático com a comunidade da Unifesp, a Reitoria elaborou um relatório de sua gestão, englobando as principais ações desenvolvidas entre 2013 e 2016. Os resultados revelam uma nova universidade, mais integrada e inserida em diversas áreas do conhecimento e campos de atuação.
Dez foram os compromissos assumidos com a comunidade acadêmica. As ações que se desenrolam focam em duas principais missões: consolidar a expansão quantitativa e qualitativa da universidade e equacionar os problemas de custeio decorrentes de um modelo de financiamento que se provou insuficiente. Nas páginas seguintes, apresentamos, de forma resumida, aquilo que foi realizado a partir dos dez pontos aqui elencados:
1. Uma universidade que contribua para promover transformações, por uma sociedade mais justa
Promoveu-se a interlocução entre os campi e áreas do saber, e deles com a sociedade. A política de extensão e o trabalho de pesquisas foram renovados, considerando sua adequação às necessidades reais do país.
2. Real valorização do ensino, pesquisa e extensão
O Congresso Acadêmico, realizado em junho de 2016, permitiu maior integração das atividades e a definição de grandes temas de pesquisa que unificam áreas do saber.
3. Gestão plural, democrática e transparente
Os conselhos paritários foram dotados de uma nova dinâmica, mais ativa e deliberativa. A criação da Pró-Pessoas, de dois novos conselhos (Planejamento e Gestão com Pessoas) e do Escritório Técnico (Etagae) garantiu mais transparência ao planejamento e à execução de orçamento e obras de infraestrutura.
4. Descentralização dos órgãos gestores
A descentralização do orçamento e de sua execução, mediante a criação de câmaras técnicas, de grupos de trabalho e de assessoria permanente nos campi estabeleceu um processo de diálogo e tomada de decisões que abrangem a universidade como um todo.
5. Planejamento efetivo e democrático, incluindo o orçamento participativo
A Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas e os conselhos criados possibilitam a definição de políticas institucionais, de forma democrática e planejada.
6. Construção de infraestrutura e de espaços físicos adequados e sustentáveis
Revitalização da Pró-Reitoria de Planejamento e criação do Departamento de Gestão e Segurança Ambiental permitiram realizar concursos de projetos, elaborar programas de regularização de imóveis, de devolução de imóveis alugados e de verticalização, e efetuar reformas com ampliação de infraestrutura e do corpo funcional da universidade.
7. Maior visibilidade e representatividade dos diferentes segmentos da comunidade
O congresso paritário definiu a reforma do estatuto e a aprovação da eleição paritária para reitor e diretores. Foram criados espaços como os fóruns, coletivos, audiências públicas, congregações abertas e plenárias, assegurando transparência e implantação de canais que permitem um diálogo qualificado.
8. Valorização, respeito e investimento na carreira dos servidores
Foi definida legislação normativa para a valorização da atividade docente e dos técnicos, além de regras mais elásticas e justas para avaliação do professor associado e promoção para titular.
9. Melhoria das condições de acesso e permanência nos campi
A concessão de bolsas obedece agora a critérios públicos e transparentes. Aprimorou-se a dinâmica de revisão dos contratos de restaurantes universitários (RUs). A Escola Paulistinha de Educação foi reestruturada, com a sua regularização legal e contratação de professores.
10. Expansão da universidade pública em diálogo com a sociedade
A consolidação dos campi da expansão foi elaborada de forma participativa, por meio do PDInfra. Os campi Diadema, Baixada Santista e São Paulo foram os primeiros contemplados. A crise orçamentária determinou a suspensão do início do curso de Direito, bem como impôs dificuldades ao processo de abertura dos campi Embu das Artes e Zona Leste.
Sumário do número 14
“Eu sou avô dos black blocs”
Ivan Seixas, ex-preso político e membro da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, analisa o impacto do legado da ditadura no Brasil contemporâneo
Erika Sena
Entrementes - Conte um pouco da sua história.
Ivan Seixas - - Sou filho de militantes operários que lutavam por melhores condições de vida. No bairro onde nasci não tinha água, luz, esgoto, educação, transporte. Todo mundo lutava por melhores condições – gente que era militante e gente comum, lutando pela sobrevivência. Em 1964, quando houve o golpe, essas pessoas passaram a lutar contra a ditadura.
E - Seus pais já estavam nessa luta há bastante tempo?
IS - Sim, desde 1940. Meu pai militava em Porto Alegre, a gente sabia de tudo - até para nos precavermos dos perigos. Depois, quando a gente veio para São Paulo, em 1970, ele se integrou a uma organização da luta armada – o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT). Oficialmente, eu não era militante, mas imprimia panfletos, sabia que morava em nossa casa Carlos Lamarca, o homem mais procurado do país. Nos dias de reunião eu fazia a vigilância fora de casa. Então, decidi virar militante. Passei a participar também da luta armada. Quando eles nos capturaram, a nossa chegada no DOI-CODI foi no grito: “Olha quem nós pegamos. O Roque e o filho dele, o Teobaldo”, que eram nossos nomes de guerra.
E - Você tinha que idade quando foi preso?
IS - Tinha 16 anos. No dia da prisão, trocamos socos com eles. A pancadaria foi tão violenta que a algema se abriu, até que eles conseguiram nos dominar e nos conduziram para a sala de tortura. Eu fui para o pau de arara e o meu pai para a cadeira do dragão, um de frente para o outro. Meu pai aguentou dois dias de tortura e, depois, eles o mataram. Ele ainda estava vivo quando os jornais deram a nota do Exército dizendo que ele tinha morrido numa troca de tiros.
E - Mataram seu pai na sua frente?
IS - Não bem na minha frente. Tinham umas divisórias, mataram ele lá. Minha mãe estava presa na sala de baixo, ouviu as torturas e viu o corpo dele pelo vitrô, com a cabeça envolta em jornais. Ela o reconheceu pelas mãos e pela roupa. Não bastasse isso, um torturador gritou para o outro: “Quem é o presunto?” E ele respondeu: “Era o Roque”. E riram. Então, ela teve certeza.
E - O que aconteceu após a morte do seu pai?
IS – Começou a minha história como preso. E a da minha mãe e das minhas irmãs. Elas ficaram um ano e meio presas. Saíram, foram julgadas e absolvidas por falta de acusação. Eu fiquei preso. Não fui nem processado. Jogaram o meu caso para o juizado de menores. Fiquei na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. Foi uma determinação. Não era uma sentença porque eu era menor. Esse lugar era um hospício-prisão. Você imagina qualquer crime horroroso, o autor estava lá. O objetivo era me deixar louco. Eu não podia escrever nem receber cartas, ler jornal, revista, assistir televisão. Eu não tinha direitos de preso político, porque não existia preso político no Brasil, segundo eles. Mas eu também não tinha direitos de um preso comum, porque eu não era preso comum. Eu não tinha direitos.
E - Por quanto tempo você ficou nesse lugar?
IS -Fiquei três anos e mais outros quase três junto com os presos políticos, entre o Dops e o presídio Tiradentes. Os caras da repressão começaram a se livrar dos casos mais incômodos, com denúncias no exterior de que tinha tortura, desaparecimento. No meio disso, tinha o caso de um menor que foi preso, que estava num hospício, que praticamente viu o pai morrer etc. E eles tinham que se livrar desse menor. Mas não tinha uma solução para a minha pena. Eles pediram que eu pedisse para sair e eu disse que não. Eles insistiram. Percebi que tinha alguma coisa maior. Decidimos, eu e minha família, que pediríamos a minha soltura, reivindicando a “revisão da situação”. Remeteram o meu caso à Auditoria Militar. Saí da prisão achando que seria morto na porta.
E - Como foi a vida depois da sua saída da prisão?
IS - Fiquei dois ou três anos com os caras me seguindo. Entrava no ônibus, o carro ia do lado; descia e o carro continuava; subia até a Martiniano de Carvalho, onde eu estudava, e eles iam do meu lado. Aí começou a campanha pela anistia. Me integrei em todas as campanhas de redemocratização, eleições diretas. Fundei o PT e saí um ano e meio depois brigado com o José Dirceu.
E - Existe relação entre a época da ditadura e o estado contemporâneo de violência policial?
IS - É a herança da ditadura. A criminalização dos movimentos sociais, hoje, tem a mesma base, o mesmo princípio: a ideologia da segurança nacional. A estrutura da PM ligada ao Exército foi criada em março de 1970. Foi definido por decreto que a PM é força auxiliar do Exército e esse decreto nunca foi revogado. Ainda hoje, o governador de qualquer Estado, para nomear o comandante da PM, tem que pedir autorização ao Exército. Teoricamente, é uma formalidade. Mas o cara que se torna comandante com a anuência do Exército, deve obediência a quem? Ao Exército, não ao governador. O serviço secreto da PM não se reporta ao comandante da PM e sim ao Exército. Tem uma cadeia de comando paralelo que subverte o pacto federativo – a União cuida da União, o Estado cuida do Estado e o Município cuida do Município. A ditadura centralizou tudo isso e o sistema é mantido pelo decreto que criou a Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), que é comandada por um general.
E - O que você acha dos black blocs e das jornadas de junho?
IS - Até junho, qualquer manifestação era reprimida. Eles desceram o cacete, furaram olho de jornalista e o diabo a quatro. Mas, a população não voltou pra casa. Voltou pra rua. Reconquistamos o direito de protestar. Costumo brincar que sou avô dos black blocs, porque eu fiz a luta armada. Eles têm mais é que detonar mesmo, radicalizar. Só que tem muita infiltração. É preciso ter uma calibragem, para não servir de pretexto.
E - A revisão da Lei da Anistia pode acontecer?
IS - O STF não diz que não pode ser revista e sim que houve um acordo político e que, portanto, os torturadores não podem ser processados. Acho que a gente está caminhando para essa revisão por um motivo muito simples. O mundo está olhando para o Brasil e está dizendo que não podemos ficar nessa situação. A Corte Interamericana condenou o Brasil, dizendo que os torturadores precisam ser punidos. O Brasil tem que achar os desaparecidos e abrir os arquivos militares. Os três poderes precisam se juntar para resolver isso. Não é uma opção. Tem que fazer.
E - O trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV) fica inacabado sem a punição dos responsá- veis pelos crimes da ditadura?
E - O trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV) fica inacabado sem a punição dos responsá- veis pelos crimes da ditadura?
IS - - A função da CNV é apresentar a ditadura para a população. As pessoas precisam saber que houve uma ditadura, quais crimes ela cometeu e quem são os criminosos. O relatório final da CNV tem três grandes partes: a apuração (os crimes), as conclusões (de que houve tortura e de que isso não é aceitável) e a última - a recomendação - que orienta a criar mecanismos para coibir essas práticas, a começar com a punição aos torturadores. A recomendação é a mais importante. Nunca no Brasil se falou tanto em ditadura. O Brasil é o único país que subverteu a estrutura da CV. Em qualquer outro país, foi criada uma Comissão da Verdade Nacional. Aqui, além da CNV, criamos comissões estaduais, municipais, nas universidades e nas entidades sindicais.
E - Esse movimento nas universidades é importante?
IS -É fundamental. Mesmo se nada tivesse ocorrido na Unifesp, é fundamental contar que houve repressão. Todas as escolas e faculdades têm TCCs sobre a ditadura. Estamos descobrindo a nossa história.
Sumário do número 4
>Até 2012, todas as questões funcionais relativas aos servidores eram concentradas no Departamento de Recursos Humanos (DRH). Em 2013, tomando por base as experiências de outras universidades federais e com apoio de grupos de trabalho, formados por técnicos administrativos em educação (TAEs) e docentes de todos os campi, foi criada a Secretaria de Gestão com Pessoas (Segesp), estrutura que culminou, em 14 de maio de 2014, no surgimento da Pró-Reitoria de Gestão com Pessoas (ProPessoas).
Foram criados os órgãos responsáveis pela divisão das competências relacionadas à gestão de pessoas, incluindo os departamentos de Desenvolvimento e Gestão de Pessoas (DDGP) e o de Saúde do Trabalhador (DSTra) e as coordenadorias de Gestão de Vagas e Concursos (CGVC) e a de Segurança, Medicina do Trabalho e Perícias Médicas, esta última substituindo o antigo Serviço Especializado em Saúde e Medicina do Trabalho (SESMT).
A pró-reitora Rosemarie Andreazza explica que, devido às mudanças pelas quais passou a Unifesp, a complexidade do trabalho cresceu. “Hoje há muito mais cobrança por produtividade. As formas de trabalho se modificaram, as demandas e necessidades dos servidores são outras”. Segundo Norberto Lobo, diretor do DDGP, as questões mais específicas, como as relacionadas à saúde do trabalhador e ao desenvolvimento de pessoal, precisavam de mais atenção. “O DRH cuidava de todo o rito burocrático e operacional, mas outras ações igualmente importantes não contavam com estrutura própria”.
Capacitação dos TAEs
O DDGP deu continuidade ao programa de capacitação e incentivo à qualificação voltados aos TAEs. “Com a nova estrutura, foi possível aprimorar as ações de capacitação anual, além de celebrarmos parcerias com instituições, como a Escola de Administração Fazendária (Esaf), a Receita Federal, a Controladoria Geral da União (CGU) e a Escola do Parlamento de São Paulo, que oferecem cursos especializados”, explica Lobo. Outra importante ação para a formação dos servidores foi a aprovação, pelo ConPessoas, das regras para afastamentos dos TAEs para sua qualificação.
A questão da mobilidade funcional também está ligada ao DDGP. Ela ocorre quando surge a necessidade de mudança de setor, departamento ou, até mesmo, de instituição, por questões de saúde, de ordem pessoal ou interesse institucional. “Acolhemos com um olhar humanizado, sensíveis à necessidade do servidor, porém sem desconsiderar o interesse da instituição”, diz Adriana Franco, Coordenadora do Núcleo de Mobilidade Funcional. Em alguns casos, o motivo da solicitação se dá por questões de saúde ou conflitos interpessoais. “Nesses casos, atuamos em conjunto com o Departamento de Saúde do Trabalhador, realizando os encaminhamentos necessários, visando o restabelecimento da saúde do servidor, como também, promovendo, quando possível, a mediação de conflitos”, completa.
O DDGP também atua nos processos de avaliação dos servidores, no caso dos TAEs, em conjunto com a Comissão Interna de Supervisão/PCCTAE, e na carreira docente, apoiando a operacionalização dos processos avaliativos para a progressão e promoção, de maneira articulada com a Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD).
O Núcleo de Relações Interpessoais e Conflitos, ligado ao DSTra, recebe as demandas, analisa os casos e procede aos encaminhamentos. “Recebemos a denúncia, que é documentada e mantida sob sigilo, e fazemos uma primeira escuta para entender o que está acontecendo. Para os casos de conflito, oferecemos a mediação”, afirma a diretora Janaína Costa. O núcleo promoveu o simpósio Discutindo o Assédio Moral no Ambiente Universitário e vem participando da construção de uma proposta institucional que vai atuar nas situações que envolvam conflitos, violências e violações de direitos humanos no âmbito da universidade, em parceria com as pró-reitorias de Assuntos Estudantis, Graduação, Extensão e Cultura, a Ouvidoria e a Comissão Permanente Processante.
Saúde laboral
O DSTra implementou ações de promoção à saúde, tais como a ginástica laboral e a orientação à reabilitação postural, visando a prevenção de doenças osteomusculares, principal causa de afastamento de servidores. Por enquanto, o projeto funciona na Reitoria e no HU, em parceria com o programa de Residência Multiprofissional em Ortopedia e Traumatologia da Baixada Santista e conta com a participação de dois profissionais educadores físicos e um fisioterapeuta. Ainda atuando na prevenção da segunda e terceira causas de afastamento (doenças mentais e cânceres), realiza o Ciclo de Palestras em Saúde, promovendo o diálogo entre a comunidade e especialistas em cada área.
A Coordenadoria de Gestão de Vagas e Concursos (CGVC) tem como objetivo central estabelecer o controle eficiente das alocações das vagas, dando maior transparência a esse processo. As pactuações de quadro de pessoal (docentes e TAEs) por campi são exemplo da atuação da CGVC, além de ter realizado três concursos para o provimento de cargos TAEs, somando mais de 500 vagas. Os concursos para docentes totalizaram mais de 400 nomeações. “Conseguimos reduzir os apontamentos feitos pelo Ministério Público após revermos e discutirmos, no Consu, as resoluções relativas aos concursos para docentes. Houve um ganho significativo se considerarmos a quantidade de concursos que realizamos”, afirma Rosemarie.
Em relação à flexibilização da jornada para 30 horas semanais, foi criada uma comissão, no Consu, para estudar sua viabilidade e implantação. A mudança proporciona importantes benefícios, levando-se em consideração a positiva ampliação do horário de atendimento ao público. “Percebemos que as 30 horas melhoraram a qualidade de vida e a saúde do servidor, por meio da reorganização das tarefas”, explica Janaína, que fez parte da comissão. A primeira fase de implantação está passando por uma avaliação para demonstrar sua efetividade, aprimorar e continuar com as próximas etapas.
Censo universitário
A ProPessoas realizou o primeiro Censo da Unifesp, que contou com a participação de mais de 4.000 servidores. Será a base para um estudo preliminar sobre o dimensionamento de TAEs para os campi.
Das ações que estão em fase de implantação, destacam-se a elaboração do regimento da ProPessoas, a descentralização das atividades de gestão com pessoas nos campi, de acordo com a política da pró-reitoria, além de reuniões mensais com os servidores dessas divisões, o que culminará na efetivação de uma Câmara Técnica de Pessoas.
“Somos uma nova pró-reitoria que sempre terá como objeto o conflito entre os nossos desejos e as inúmeras legislações e normas que regem a gestão das pessoas nas universidades federais. Percebemos que não só os conflitos do desencontro entre as pessoas e as normas estão presentes no nosso dia a dia, mas também aqueles vividos no cotidiano do trabalho dos servidores em várias dimensões e intensidades. Assumimos que os conflitos podem e devem ser entendidos não como problema em si, mas como parte do nosso fazer, da própria gestão, como analisadores do nosso trabalho, da nossa instituição”, afirma Rosemarie.
Sumário do número 14
A juventude não sonha” O vereador Gilberto Natalini fala sobre sua prisão e tortura quando estudava da EPM, em1972, e faz uma avaliação dos trabalhos da CV - SP, que preside
Erika Sena
Entrementes - Como foi, para você, estudar na EPM durante a ditadura?
Gilberto Natalini – A EPM era, no geral, muito conservadora. Havia poucos alunos filhos de operários, de gente popular. Meu pai era balanceiro de usina de açúcar. Estudávamos muito, mas queríamos livrar o Brasil da ditadura. Criamos um grupo, no começo dos anos 70, para atuar na faculdade. Junto com outras cinco escolas de Medicina, lançamos o jornal “Articulação”, que era pregado, de madrugada, em murais. Éramos muito procurados por grupos clandestinos, que pediam apoio, consulta médica, dinheiro para mandar alguém para fora do país. Aí veio a luta contra o ensino pago. O MEC aumentou a matrícula da EPM em 1.000% e dividiu em 12 vezes, ou seja, instituiu uma mensalidade. Fizemos um piquete na porta da secretaria, no pátio interno da escola. Não deixamos os estudantes fazerem as matrículas. Foi juntando aluno, e virou um ato contra a privatização. Barramos a matrícula e o MEC recuou.
E - Quando aconteceu a sua prisão?
GN – Em 1972. Cida, irmã de um colega, Paulo Horta, era do Movimento de Libertação Popular. O Paulo repassava os jornais da Molipo para nós. Entreguei um jornal para um estudante que era do PCB. Ele foi preso, torturado e entregou o meu nome. A repressão me seguiu por 30 dias. Fui preso à porta da casa da minha avó, no Bosque da Saúde, e levado ao DOI-CODI, para ser interrogado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Eu disse ter encontrado os jornais no banheiro da faculdade: ‘Tenho todos esses jornais em casa, se o senhor me levar lá entrego tudo’. Ao chegar em casa, minha tia contou que cinco ou seis colegas meus tinham passado por lá e levado tudo para a casa do meu tio. Já saí dali apanhando dos agentes. Voltei para o DOI- -CODI. Prenderam meus tios e 10 colegas da EPM. Invadiram nossos armários da Escola. No final de uma semana, eles soltaram oito e ficamos eu, o Paulo Horta e o Valter Nascimento. Queriam saber o nome de quem nos entregava o jornal. Bateram muito, prenderam a mulher grávida do Paulo, duas primas dele, a namorada do Valter. Mas não delatamos a Cida. Mais ou menos 50 dias depois, um guarda chegou na cela, de madrugada, e disse ao Paulo: “Teu pai mandou te avisar que você pode falar o nome da tua irmã porque ela já fugiu.” O guarda era de Guaratinguetá, e a família do Paulo também. O Paulo falou, mas a Cida já tinha escapado para o Chile. Eu fiquei surdo, por causa dos choques elétricos nos ouvidos. Depois de um tempo, mandaram a gente cumprir pena de 30 dias numa cela do Dops, no largo General Osório. Depois fomos soltos. Aí aconteceu a parte bonita. Passamos 90 dias fora da Escola, nós íamos perder o ano letivo. Os professores da Clínica Médica nos disseram que eles não concordavam com a gente, que a gente era muito radical, mas que, como liberais, eles defendiam o direito de a gente pensar e de se expressar. Pediram que estudássemos para fazer segunda época, em janeiro. Passaram a gente de ano. Foi um ato de generosidade.
E- Como você enxerga a criação de uma CV na Unifesp?
GN - Com uma alegria enorme. A Escola teve um caso emblemático, o do professor Marcos Lindenberg. Ficaria muito feliz se a Escola reintegrasse o professor, simbolicamente. E - Em que pé estão os trabalhos da CV da câmara municipal? GN - A CV da Câmara foi iniciada em 2012. Este ano, propus recriar a CV com o mesmo prazo de funcionamento da CV Nacional (CVN). Já ouvimos as questões do caso Vladimir Herzog, do sepultamento clandestino de presos políticos, da morte de Juscelino Kubitschek e agora queremos apurar a participação de religiosos na resistência à ditadura. Vamos restituir simbolicamente o mandato dos 42 vereadores que foram cassados da Câmara (entre 1936-1969). Estamos também apurando a perseguição dos dirigentes sindicais paulistanos. Convocamos o José Maria Marim, o delegado Aparecido Laerte Calandra e o Paulo Maluf. Delfim Neto já veio depor. O objetivo é verificar a participação civil no financiamento da repressão.
E- Há algum caso em estágio avançado de investigação ou de autoria de crimes comprovada?
GN - Estamos conversando muito sobre a morte do Juscelino. Ele saiu de São Paulo, quando morreu num suposto acidente na via Dutra e estava articulando a sua nova candidatura à presidência da república. Acabei de pedir uma perícia no crânio do motorista do JK e no objeto metálico que foi encontrado dentro de sua cabeça, que, segundo informações de alguns, seria um projétil de arma de fogo e não um prego do caixão como foi dado na perícia oficial da época da ditadura. Ouvimos também o fotógrafo do cadáver de Herzog, que comprova que ele já estava morto quando foi montada a cena para a fotografia. Ouvimos o Cláudio Guerra, um ex-delegado do Dops do Espírito Santo que atuava em São Paulo.
E - O trabalho das CVs é suficiente para fazer justiça às vítimas da ditadura?
GN - Quem vai fazer justiça ou não é a própria justiça. A CV apura e denuncia fatos históricos, concretos e objetivos sobre prisão, tortura, desaparecimento e morte de pessoas no período da ditadura. O argumento de que a anistia foi para os dois lados é complicado. Os perseguidos pela ditadura foram presos, torturados, mortos. Já torturadores como o coronel Ustra e o delegado Calandra vivem como se nada tivessem feito. A anistia foi muito torta, capenga. Pessoalmente, defendo a punição dos torturadores, como feito na Argentina e em outros países, sem nenhum trauma. No Brasil, o delegado, assassino e torturador Sérgio Fleury, chefe do Dops em São Paulo, é nome de rua na capital paulistana. Isso tudo só foi possível porque a redemocratização no Brasil foi um processo de conciliação política, chefiado pelo Tancredo Neves, entre a oposição e o regime militar. Tancredo representava alas conservadoras que estavam se apartando do regime, mas com caráter conciliatório, e aceitaram uma Lei de Anistia que encobriu os crimes da ditadura. Isso começou a mudar com a Constituição de 1988, que democratizou mais a política brasileira, e na década de 90, quando o governo FHC adotou uma série de medidas para começar a investigar o desaparecimento de presos políticos.
E - Vivemos numa democracia?
GN - É uma democracia dúbia. A democracia social não chegou de jeito nenhum. Vivemos em um país com bolsões de miséria terríveis. Dentro da cidade de São Paulo, há 2 milhões de pessoas que vivem em uma situação muito abaixo do mínimo tolerável. Hoje, a Polícia Militar é agente de uma cultura de violência que a ditadura construiu. A PM entra na periferia, gira a metralhadora e mata todo mundo, o que estiver em volta. É uma atitude que serve de contenção ao levante popular. Mas, a violência e o genocídio não estão presentes apenas na PM. Só no ano passado, houve 60 mil assassinatos no Brasil, envolvendo a PM, milícias e gangues. Nesse período democrático, registramos o avanço do crime organizado. A CV vai acabar mostrando as consequências que a democratização frágil e defeituosa trouxe para o Brasil. Os brasileiros não têm mais sonhos. O máximo do sonho de um brasileiro é comprar um carro em 60 meses ou uma geladeira nova. A nossa juventude não sonha.
Sumário do número 3
Apesar de alguns avanços inegáveis, principalmente no campo jurídico, o machismo, combinado com racismo, ainda constitui um sério desafio ao processo de construção de uma sociedade democrática
Erika Sena
O médico e pesquisador Elisaldo Carlini, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid/Unifesp), é um dos precursores, no país, dos estudos sobre a utilização de substâncias derivadas da planta Cannabis (popularmente conhecida como maconha) no tratamento e/ou redução de danos de diversas doenças, principalmente a epilepsia. É uma autoridade mundialmente reconhecida e organizador de quatro simpósios internacionais sobre o tema, o mais recente dos quais realizado em maio. Instado por Entrementes, Carlini expõe, em seguida, os seus pontos de vista sobre o uso medicinal da droga.
Desde quando e por que o senhor começou a estudar os efeitos terapêuticos da maconha?Comecei a estudar a maconha – mas, inicialmente, não os seus efeitos terapêuticos em 1952. Fui aprovado no vestibular da EPM e logo em seguida comecei a estagiar com o professor Ribeiro do Valle, no Departamento de Farmacologia. Realizávamos apenas um trabalho de observação, com o objetivo de descrever os efeitos sobre os usuários. Havia um preconceito enorme, porque os usuários eram, em sua maioria, negros e pobres. Mais tarde, passei a observar os efeitos tóxicos da maconha em animais de laboratório e realizar investigações sobre a química da maconha. Obtivemos dados sobre os canabinóides, que são derivados da Cannabis, responsáveis pelos efeitos farmacológicos e psicoativos da planta. Existem cerca de 70 canabinóides, e os mais bem estudados são o delta-9-tetra-hidrocanabinol (THC), responsável pelos efeitos alucinógenos, e o canabidiol (CBD).
Como se iniciaram os estudos?Investigando os efeitos do canabidiol. Foi o primeiro trabalho no mundo feito com essa substância, há 40 anos, aqui na EPM. Foi feito com canabidiol isolado, extraído da planta pelo professor israelense Raphael Mechoulam (que enviou a substância ao Brasil), e também com canabidiol importado da Alemanha. Primeiro verificamos se no homem ele tinha efeito tóxico. Já tinha sido testado em animais de laboratório, e não conseguimos detectar nada. Então passamos a trabalhar com pacientes epiléticos e notamos efeitos positivos. Foi um estudo piloto com oito pacientes. Eles tinham, no mínimo, uma convulsão por semana, que não era neutralizada pelos agentes antiepiléticos da época. Quatro desses pacientes tiveram melhora total e ficaram quatro meses e meio sem nenhuma convulsão. Três apresentaram alguma melhora, mas abandonaram o tratamento no meio, e um não teve melhora.
Algo mudou no preconceito contra o uso medicinal da maconha nos últimos 40 anos?No III Simpósio Internacional sobre a Cannabis Medicinal, realizado em 2010, o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), à época, afirmou que o CFM não aceitaria a utilização da Cannabis para fins medicinais porque, segundo ele, não havia base científica e que, se algum médico fizesse prescrição de substâncias relacionada à Cannabis, seria punido, inclusive com cassação do diploma. Recentemente, li na imprensa que eles disseram que não vão interferir.
É possível fazer uma avaliação da evolução dos estudos sobre o uso medicinal da Cannabis, tendo como base os quatro simpósios realizados? O I Simpósio, denominado Tetra-hidrocanabinol como Medicamento aconteceu em 1995. Tentamos mostrar trabalhos positivos e a vantagem terapêutica para a inibição dos sintomas como náusea e vômito em pacientes com câncer e para despertar o apetite em pacientes com Aids. Queríamos conseguir a aprovação, pelo menos para esse único fim. Mas a Sociedade Brasileira de Oncologia bloqueou a ideia. A maconha era considerada uma droga maldita pela ONU. Então, a ideia do II Simpósio, realizado em 2005, era a de tirar esse estigma. Aprovamos uma moção dizendo que não se justificava considerar a maconha como uma droga especialmente perigosa, mas bloquearam no Itamaraty. O III Simpósio, em 2010, foi uma continuação disso: pedíamos a criação de uma Agência Brasileira de Cannabis Medicinal para aprofundar os estudos a respeito. No IV Simpósio, em maio deste ano, chamamos pessoas que sofrem de problemas de saúde que poderiam ser amenizados com a utilização de Cannabis para participar e contar suas histórias, além de médicos estrangeiros que tratam doentes com a utilização de maconha fora do Brasil.
Qual é a função do canabidiol e do THC no tratamento de doenças?Aqui no Brasil, as leis e a burocracia dificultam pesquisas sobre os mecanismos de ação da droga. Sabemos que o cérebro humano tem um sistema chamado canabinóide, que interage com as substâncias da maconha. Mas tivemos que suspender os estudos. A última tentativa foi a de pesquisar os feitos da Cannabis em tratamentos de depressão. Queríamos testar um produto já existente, o Sativex, uma mistura de THC com canabidiol. Seria um trabalho experimental, em animais, para verificar se produtos à base de maconha teriam efeito no tratamento de depressão. Seria uma dissertação de mestrado de um dos nossos alunos. O laboratório nos cedeu o medicamento de graça e conseguimos a documentação para importar. Mas o produto está há mais de um ano e meio na alfândega. É um desrespeito à universidade, à ciência e ao Brasil.
O senhor é a favor da legalização da maconha?Não sou a favor nem contra, por ignorância. Sou a favor da descriminalização e do uso medicinal. Eu, como médico, não entendo o que está acontecendo e duvido que algum médico entenda quando se pede o uso recreativo. Se eu considero a existência de um ser humano, uma doença e um medicamento, tenho um trio. Avalio o risco e o benefício desse medicamento - no caso, a maconha - para a doença, e prescrevo ou teria o direito de prescrever. Sou carente de informações científicas sobre o uso recreativo. Por isso, acho que a Marcha da Maconha deveria organizar simpósios e conferências sérias para se discutir esse assunto.
Qual a diferença entre descriminalização e legalização?A descriminalização implica a adoção de diversas regras para o uso, inclusive em termos quantitativos. No caso da legalização, não é crime ter posse, vender, comprar, produzir, comercializar. Na Holanda, o Ministério da Saúde contratou uma empresa chamada Bedrocan, que fornece a planta: eles secam na quantidade adequada, embalam em frascos pequenos e vendem para as farmácias. O médico também pode prescrever.
O que mudaria, no Brasil, com a alteração de classificação do canabidiol da lista F1, de substâncias proibidas, para C1, de medicamentos permitidos, mas sujeitos a controle, da Anvisa? Haveria a permissão para importação legal, com o rigor de controle que a Anvisa vai exigir. O mesmo ocorre com a morfina. A Anvisa foi muito corajosa ao comparecer ao nosso simpósio e declarar publicamente que iria analisar a alteração [A discusão sobre o enquadramento do canabidiol será retomada pela Anvisa em agosto].
Como era possível fazer pesquisas com maconha no Brasil, sendo a droga proibida?Há 40 anos não havia essa burocracia. Os cientistas de outros países se comunicavam, falavam do interesse em realizar um trabalho científico e as substâncias eram enviadas pelo correio.
Como está o processo de criação de uma Agência Brasileira de Cannabis Medicinal?A agência foi proposta pelo III Simpósio, em 2010, por unanimidade. Mas a proposta foi simplesmente engavetada em algum setor do poder público. É preciso ter vontade política para criar a agência.
Sumário da edição 7