As notícias de março de 2020 eram animadoras: “Quarentena faz céu de São Paulo voltar a ser azul”, “O céu de SP está mais limpo.” O que as manchetes relataram naquela época foi constatado por estudo da Unifesp, publicado no periódico científico internacional Sustainability: as medidas de isolamento social adotadas para a contenção da disseminação do novo coronavírus tiveram impacto significativo na redução de poluentes atmosféricos na cidade de São Paulo.
Durante o período de 90 dias analisado em 2020, em comparação com o mesmo intervalo de tempo em 2019, como consequência da menor presença de veículos nas ruas e ausência de congestionamentos, houve uma diminuição na poluição do ar com a redução de 58% de dióxido de nitrogênio (NO₂); de 46% de material particulado com até 2,5 micrômetros de diâmetro (MP2,5); e de 45% de material particulado com até 10 micrômetros de diâmetro (MP10).
A pesquisadora Simone Miraglia, docente do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema, exemplifica o tamanho da partícula desses poluentes atmosféricos que ficam suspensos no ar. “O MP2,5 é mais fino que a espessura de um fio de cabelo. Essas partículas inaláveis conseguem penetrar de maneira mais profunda no sistema respiratório, podendo alcançar os alvéolos pulmonares. Portanto, quanto menor o tamanho da partícula, maior o risco à saúde”, alerta.
O trabalho, que contou com a participação das estudantes de doutorado Daniela Debone e de mestrado Mariana V. da Costa, também estimou que a melhora observada na qualidade do ar evitou 802 mortes prematuras decorrentes de doenças cardiorrespiratórias – sendo 78 por MP10, 337 por MP2,5 e 387 por NO₂. Considerando somente os óbitos evitados por dióxido de nitrogênio, poluente com maior diminuição constatada, houve uma economia de 720 milhões de dólares em custos relacionados à saúde. Além disso, chegou-se à conclusão de que as 5.623 mortes causadas pela infecção nos meses investigados representaram uma perda econômica de 10,5 bilhões de dólares.
Segundo Miraglia, esses resultados eram esperados pelo fato de a mobilidade ter se reduzido expressivamente durante o início da pandemia em São Paulo. “Nada exclui ou ameniza o impacto trágico da pandemia, mas creio que o importante é aproveitarmos a experiência desse evento inusitado para planejar políticas públicas que protejam a população dos eventos adversos em saúde associados à poluição do ar. Ou seja, diminuir deslocamentos veiculares movidos a combustão é viável e isso protege vidas.”
Para calcular a média semanal dos poluentes, foram coletadas as concentrações de MP10, MP2,5 e NO₂ entre os dias 16 de março e 14 de junho de 2020 e de 2019, de acordo com a disponibilidade de dados de 15 estações automáticas de monitoramento da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), disponibilizados pelo Sistema de Informações de Qualidade do Ar (Qualar). Vale ressaltar que o período de controle demonstrou condições meteorológicas semelhantes aos observados durante a quarentena em 2020, os quais influenciam diretamente as condições da qualidade do ar, justificando assim sua seleção como parâmetro para efeitos de comparação.
Comparação mensal dos poluentes analisados. As barras representam a média, e a análise foi conduzida pelo teste de Kruskal-Wallis seguido pelo pós-teste de Dunn, até 14 de junho de 2020. Exceto para março e maio, o MP10 apresentou redução significativa em 2020. O MP2.5 também apresentou redução significativa em 2020, exceto março. Por fim, o NO2 apresentou queda significativa nos meses de abril e junho.
Com base nos resultados de redução da poluição do ar durante o período de isolamento analisado, foram estimados o risco relativo e as mortes evitadas atribuídas a cada poluente, adotando coeficientes de regressão de estudos epidemiológicos, um método bem estabelecido usado para estimar os resultados da poluição do ar em saúde. A média diária da mortalidade por todas as causas no período de controle (2019) foi calculada e multiplicada pelos fatores atribuíveis para estimar a taxa evitada durante o período de quarentena.
A última atualização de todas as causas de mortalidade diária entre março de 2019 e junho de 2019 foi coletada do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (Datasus). Já os dados diários de mortes por covid-19 foram obtidos do banco de dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). Por fim, para estimar o impacto econômico da quarentena, relacionando mortalidade por covid-19 e custos econômicos, foi utilizado o valor estatístico de uma vida (VSL, do inglês The value of a statistical life). O mesmo cálculo foi usado para estimar as mortes evitadas relacionadas às emissões de poluentes atmosféricos. O VSL estimado foi de 1,88 milhão de dólares para cada morte.
Outros dados da Cetesb reforçam os efeitos positivos da quarentena na atmosfera em São Paulo. De acordo com a gerente da Divisão de Qualidade do Ar da companhia ambiental, Maria Lucia Guardani, nos meses de março e abril de 2020, houve uma queda considerável também na presença do monóxido de carbono (CO), poluente emitido majoritariamente por veículos leves. “É possível dizer que realmente diminuiu, pois as nossas análises utilizaram as estações que estão localizadas mais próximas de importantes vias, ou seja, estão medindo o que está saindo direto dos escapamentos dos veículos”, explica. Essas estações ficam na Marginal Tietê (Ponte dos Remédios), na Avenida dos Bandeirantes (próxima ao Aeroporto de Congonhas), em Osasco (Distrito Industrial Autonomistas) e no bairro Cerqueira César (dentro da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo).
Para Guardani, o ano passado foi muito importante para se pensar a questão da qualidade do ar e sobre o que é possível melhorar. “O isolamento trouxe algumas alternativas como o home office, que diminuiu a quantidade de carros na rua, mas até que ponto essa iniciativa também é uma questão de cidadania? Também somos responsáveis pela qualidade do ar. As questões institucionais, as regras, o cumprimento das leis, os programas para melhorar combustíveis e tornar veículos mais eficientes são muito importantes, mas nós temos que deixar o carro em casa e pensar em outras alternativas de forma de trabalho ou tipos de deslocamentos”, alerta a gerente da Cetesb.
Estudo conduzido por Simone Miraglia, docente do ICAQF/Unifesp, estimou que a melhora observada na qualidade do ar nos primeiros meses da pandemia também evitou mortes prematuras por doenças cardiorrespiratórias; veículos leves são os principais responsáveis pela emissão de monóxido de carbono nas grandes cidades (Pixabay / falsamuca)
Simone Miraglia
Debone, Daniela; da Costa, Mariana V.; Miraglia, Simone G. E. K. 90 Days of COVID-19 Social Distancing and Its Impacts on Air Quality and Health in Sao Paulo, Brazil. Sustainability, v. 12, n. 18, 10 set. 2020. Disponível em: < https://www.mdpi.com/2071-1050/12/18/7440 >. Acesso em: 14 jul 2021.
Economia, relações internacionais e meio ambiente
Unifesp na linha de frente no combate à covid-19
Edição 14 • novembro 2021