Desilusão, medo, frustração, aflição... não faltam palavras para descrever o ano de 2020. O culpado por todos esses sentimentos surgiu em dezembro de 2019, na província chinesa de Wuhan, e foi batizado pelos cientistas como Sars-CoV-2 (novo coronavírus), agente causador da covid-19. Um ser minúsculo, invisível ao olho nu, mas que foi capaz de, em cerca de dois anos, contaminar quase 250 milhões de pessoas no mundo todo e de tirar a vida de cerca de 5 milhões delas. A grande circulação do novo coronavírus fez com que os países adotassem medidas de isolamento, com o intuito de reduzir o contágio na medida do possível e de evitar a sobrecarga nos sistemas de saúde, enquanto cientistas de todo o planeta buscavam as formas mais eficazes de controlá-lo. No Brasil, neste mesmo período, quase 22 milhões de casos e mais de 609 mil mortes foram contabilizados.
A economia global também foi "contaminada" pelo novo coronavírus. No cenário macro, a incerteza dos investidores diante do cenário de pandemia fez com que os índices das principais bolsas de valores despencassem, ao passo que o dólar e o euro se valorizaram frente às moedas dos países emergentes. No Brasil, o impacto foi sentido em praticamente todas as áreas, com exceção feita ao setor do agronegócio, que se beneficiou justamente pela desvalorização do real em relação ao dólar, o que favoreceu as exportações.
O de cima sobe e o de baixo desce
Na contramão da melhora do setor do agronegócio, o dólar foi um dos vilões do orçamento do brasileiro em 2020. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o aumento da cotação da moeda contribuiu para uma alta de 14.09% nos preços de alimentos e bebidas. Para se ter uma ideia, itens básicos da alimentação diária tiveram altas expressivas, casos do óleo de soja (103,79%), do arroz (76,01%), da batata-inglesa (67,27%) e do tomate (52,76%). Isso sem contar, claro, com o aumento do consumo de energia elétrica (9,14%), resultado do crescimento do home office, do homeschooling e da maior presença das pessoas em casa. O aumento das exportações foi um dos fatores que contribuiu para o aumento da inflação. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2020 com alta de 4,52%, a maior desde 2016 (6,29%). Em resumo, quanto maior a demanda por um produto, mais caro ele fica, inclusive para o mercado interno. E em um ano que sofreu com uma pandemia sem precedentes para a atual geração, esse processo fica ainda mais caro.
Não bastasse o risco da contaminação pelo novo coronavírus, o Brasil e o mundo viram, em especial a partir de março de 2020, uma derrocada na economia. A necessidade do isolamento social obrigou o fechamento de estabelecimentos comerciais, visando a redução da circulação de pessoas e, consequentemente, da transmissão do vírus. Essa medida fez com que o faturamento desses locais caísse a praticamente zero. E mesmo com a liberação dos recursos do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, o ano de 2020 terminou com taxa de desemprego atingindo 13,4 milhões de pessoas, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua/IBGE), representando o maior número da série histórica, iniciada em 2012.
Nas crise é que surgem as oportunidades
Quem nunca ouviu em alguma palestra motivacional que é nas crises que surgem as oportunidades? Ou que a palavra crise, em chinês (weiji), é composta por dois caracteres: wei, que representa perigo; e ji, que significa oportunidade? Apesar das controvérsias acerca do real significado desses caracteres, é possível garantir que a afirmação é, de fato, verdadeira? Levando em conta que, segundo o Ministério da Economia, no ano de 2020, 3.359 milhões de empresas foram abertas e 1.044 milhão foram fechadas, representando um saldo positivo de 2.315 milhões de novos negócios abertos, pode-se dizer que sim.
Daniel Lima Andrade, educador físico e empresário do ramo de festas infantis, é um dos exemplos desses milhões que foram duramente afetados pela pandemia, mas que se reinventou, e mais de uma vez. Com média de 35 festas contratadas por mês, ele viu os contratos da empresa que conduz, em parceria com alguns amigos, sendo desfeitos a partir de março de 2020 e a sua renda reduzida a zero. Para piorar, sua esposa foi demitida da empresa na qual trabalhava há anos e as contas da casa foram bancadas, temporariamente, com o dinheiro do Fundo de Garantia recebido após a sua demissão.
Daniel Lima Andrade, empresário do ramo de festas infantis, durante atividade de recreação (Reprodução | alecriaeventos )
Nesse momento crítico teve início o seu processo de reinvenção. “Tivemos a ideia de fazer recreação on-line, que deu certo no começo, já que os pais tinham necessidade de manter as crianças entretidas em casa, mas isso durou pouco tempo”, explica Andrade. Com ajuda de outro amigo e antigo sócio, que cedeu um espaço no qual já trabalhava com a venda de alimentos congelados, montou uma empresa de venda de alimentos feitos à mão, tendo, inclusive, que aprender a trabalhar dentro de uma cozinha industrial. Quando recebeu os primeiros retornos das vendas, investiu em um novo projeto: venda de assados. “Montamos um ambiente bem legal, vendendo, inicialmente, apenas aos domingos, mas com bastante demanda. Abríamos de manhã e no início da tarde já tínhamos vendido tudo.” Quando o negócio estava começando a dar retorno, mais uma paulada do destino: o espaço compartilhado com o amigo precisou ser fechado, em razão da baixa demanda. “Fomos pegos de surpresa mais uma vez, mas tive que continuar lutando”, comentou.
Novamente, em parceria com outros amigos, precisou recomeçar. Em novembro de 2020, depois do ramo da recreação infantil e do alimentício, foi a vez de entrar para o financeiro. “Em dezembro fizemos um treinamento com um amigo e em janeiro conseguimos abrir uma empresa de crédito consignado. Em janeiro já consegui tirar um dinheiro e espero que em fevereiro também consiga”, projeta. Mesmo diante de tudo o que passou, o empresário mantém o otimismo. “A pandemia trouxe muita coisa ruim, mas sempre tem o lado bom, que é o que nos obriga a nos reinventarmos. Espero que essa vacina venha logo e, se Deus quiser, estaremos melhores em breve”, conclui.
A pandemia pode afetar o meio ambiente?
Quando a saída de casa era inevitável, a máscara e o álcool em gel se tornaram itens indispensáveis. As máscaras, no entanto, apesar de aliadas no combate à propagação do coronavírus, podem ser vilãs para o meio ambiente. De acordo com o Instituto Akatu, somente o descarte das máscaras de tecido representaria, por ano, mais de 12,7 bilhões de unidades, levando em conta que cada brasileiro(a) tenha cinco exemplares desse tipo e as lave 30 vezes antes da eliminação.
Outras questões ambientais, ainda que ofuscadas pelas discussões sobre saúde pública, fornecem recortes dos desafios a serem enfrentados após os países contornarem a pandemia. Como estamos mais tempo em casa, a circulação de veículos automotores nas ruas caiu, contribuindo para diminuir drasticamente a emissão de gases tóxicos, reduzindo, mesmo que de forma não planejada, o número de mortes causadas pela poluição do ar. Porém, estamos produzindo mais resíduos sólidos e orgânicos, e esse lixo não tem sido destinado corretamente.
(Fotografia: Alex Reipert)
A última edição do Panorama dos Resíduos Sólidos, publicado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), mostrou que a quantidade de resíduos sólidos urbanos aumentou em 10 milhões de toneladas entre 2010 e 2019, passando de 33 milhões de toneladas/ano para 43 milhões de toneladas. Porém, a quantidade de resíduos que segue para unidades inadequadas (lixões e aterros controlados) também cresceu na década, passando de 25 milhões de toneladas/ano para cerca de 29 milhões de toneladas/ano.
A pandemia trouxe outra face desse problema à tona. Com boa parte das empresas e estabelecimentos comerciais fechados, a vigilância em torno das pragas urbanas é dificultada. Já se admite que o Brasil enfrenta uma epidemia de escorpiões amarelos, ao passo que os casos de dengue não diminuem. Somente em 2020, o Ministério da Saúde contabilizou 979 mil casos suspeitos da doença, quase 80 mil notificações de chikungunya, mais de 7.000 de zika e 19 de febre amarela.
Nas próximas páginas, trazemos um recorte sobre os temas em que pesquisadores(as) da universidade têm trabalhado a fim de trazer soluções para a inovação social. São detalhes sobre o que a economia e o meio ambiente enfrentaram com o novo coronavírus, como diversos países lidaram com a questão e quais os caminhos possíveis identificados pela ciência.
Economia, relações internacionais e meio ambiente
Unifesp na linha de frente no combate à covid-19
Edição 14 • novembro 2021