Nos manuais convencionais de Economia, o sistema econômico é retratado pelo modelo do fluxo circular da renda, que busca explicar como a divisão do trabalho e a especialização solucionam o problema da busca de bem-estar na sociedade capitalista. Nele, cada indivíduo é transformado em um agente econômico que se relaciona com o resto para formar uma economia de mercado. As empresas vendem às famílias os bens e serviços que estas precisam e as famílias disponibilizam os seus fatores de produção (trabalho, terra, capital) em troca de uma remuneração (salários, aluguéis, juros...). E essa dinâmica de trocas livres explicaria o funcionamento do sistema lubrificado pelo dinheiro, monitorado pelo sistema de preços. Isso é explicado com detalhes em todos os cursos de Introdução à Economia. Mas, uma leitura mais crítica desse modelo tradicional é que ele entende a economia como se fosse fechada em si mesma e o fluxo da natureza não é levado em consideração em tal análise. Ela é, para todos os modos, infinita e inesgotável.
A natureza tem se revelado muito mais complexa que o minimalista modelo tradicional. Mais do que mera troca entre os agentes mencionados, um processo de produção consiste em utilizar os ecossistemas naturais transformando insumos, capital e trabalho em bens e serviços. Todos os produtos têm origem na natureza, não podem ser consumidos indiscriminadamente e seus resíduos podem deixar sequelas sérias. A crise ambiental atual, com a emissão descontrolada de resíduos de todos os tipos (o CO2 é um deles), bem como a utilização exagerada dos recursos que culmina em desperdícios, é um aspecto que apenas mais recentemente passou a ganhar alguma importância nas análises econômicas. Outro problema que a crítica econômica heterodoxa aponta nesse fluxo circular é que as trocas feitas (entre salários e os bens produzidos, que depois deverão ser comprados pelos próprios salários) podem não condizer com os valores envolvidos e conduzir a grandes desigualdades em termos de renda. E o sistema monetário atual retrataria tal situação.
A abordagem da “Economia baseada em Recursos” é, em primeira instância, uma crítica a tal concepção economicista que explica e justifica o capitalismo. A visão dos documentários da série “Zeitgeist” destaca que essa visão míope do sistema econômico é o que conduz ao consumismo exagerado, ao desperdício de recursos, e isso é manifesto na busca desesperada pelo “progresso”, medido em termos de crescimento econômico (quanto vai crescer o PIB neste ano? eis uma pergunta recorrente). A se continuar nessa toada, o sistema conduzirá a uma hecatombe planetária e, para evitar tal situação, defendem o fim da economia monetária. Propõem uma sociedade futurista, na qual não existem dívida, escassez, pobreza ou guerra. Uma sociedade na qual os bens e serviços seriam obtidos sem a mediação do dinheiro.
Para a visão da “Economia baseada em Recursos”, seria preciso uma ruptura com o modelo atualmente vigente e passar a uma nova concepção na qual não seria necessária a utilização de moeda e, tão importante quanto, os processos e esforços para a obtenção das condições de vida passariam a ser otimizados com o uso da inteligência e da tecnologia para que os problemas econômicos possam ser resolvidos (o que produzir? como? para quem?).
A crítica é interessante e alguns poderiam, a princípio, considerá-la “socialista utópica”. Uma exemplificação de como seria essa sociedade é dada pelo outro expoente da corrente, o inventor norte-americano Jacques Fresco, que idealizou modelos de cidades com “Economia baseada em Recursos”, nos quais não seria necessário perder tempo com empregos remunerados, bancos ou políticos. No seu modelo, que chamou de “Projeto Vênus”, tudo seria gerido em função da capacidade da terra, através da aplicação da tecnologia e da ciência. Os recursos naturais, negligenciados pela teoria econômica convencional, seriam assim geridos de forma global, com base em sistemas avançados de cibernética, eliminando a escassez e baseada em energias renováveis. Mas as coisas começam a mudar de figura quando sustenta que as decisões para chegar a tanto seriam tomadas não por políticos, mas com base na aplicação do método científico, mediante análise dos recursos disponíveis da Terra. Os políticos não seriam necessários, bem como a democracia ou a opinião do povo (como eles poderiam opinar sobre questões a respeito dos quais não possuem a menor noção?). Tudo seria tecnicamente resolvido. Neste ponto, o que poderia ser uma bela ideia de uma sociedade utópica se converte numa distopia totalitária, com a ciência e a tecnologia no comando.
Antes de nos situarmos no cenário pós-apocalíptico, precisamos principalmente conceber a transição do momento atual para o futuro (e que ele não configure as projeções que se apontam, dado seu caráter insustentável); ou seja, pensar em melhorar as condições atuais, descobrir reais valores e aproveitar o vasto repertório de conhecimento obtido nos últimos séculos para fundamentar uma sociedade sustentável e mais democrática.
*Economista e professor adjunto da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (Eppen/Unifesp) - Campus Osasco
As opiniões expressas no artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)