Com o intuito de analisar a resposta governamental aos desastres naturais causados pelas chuvas no Brasil, um grupo de pesquisadores(as) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) produziu um artigo intitulado How far have we come? Review of main public policies to reduce landslide impacts in Brazil. O estudo, que foi publicado recentemente no Journal of Mountain Science, oferece uma análise detalhada das políticas públicas implementadas para mitigar os impactos desses eventos no país.
Durante a temporada de chuvas no Brasil, deslizamentos de terra representam uma relevante ameaça, que resulta em perdas de vidas, danos à infraestrutura e prejuízos econômicos. Estima-se que mais de oito milhões de brasileiros(as) vivem em áreas de risco de desastres deflagrados por ameaças naturais, e os deslizamentos de terra estão entre os mais devastadores.
O artigo apresenta uma revisão cronológica das principais políticas e programas implementados em níveis nacional, estadual e municipal, com ênfase nas ações voltadas para mitigar desastres relacionados a ameaças naturais, como deslizamentos e inundações. Segundo o docente do Instituto das Cidades (IC/Unifesp) - Campus Zona Leste Tiago Martins, que é coautor do trabalho, a pesquisa baseou-se em dados oficiais, analisando a legislação em vigor e suas implementações ao longo do tempo.
A revisão identificou três fases distintas de atuação institucional no Brasil para a gestão de riscos e desastres: compreensão, coexistência e prevenção. Na fase inicial, as instituições concentraram esforços em compreender o impacto de eventos destrutivos, que afetaram sobretudo áreas urbanizadas. Com o avanço para a fase de coexistência, foram estabelecidas medidas de proteção e defesa civil, visando à convivência com cenários de risco e à redução de danos. A fase atual, focada na prevenção, incentiva a criação de redes de monitoramento e mapas de prevenção a nível nacional, por meio de força de lei.
"Avalio que o principal ponto do estudo foi identificar como essas três fases da ação institucional contribuíram para a evolução do enfrentamento dos desastres, principalmente associados aos deslizamentos, que são tão recorrentes em áreas urbanizadas do Brasil", ressalta o docente.
Apesar do avanço nas políticas públicas, o estudo aponta quatro elementos que dificultam a compreensão e a implementação eficaz das medidas de mitigação de riscos:
Variedade Geográfica e Climática do Brasil: O Brasil possui uma vasta extensão territorial com paisagens e climas diversificados, resultando em diferentes níveis e tipos de suscetibilidade a deslizamentos. O mapeamento de áreas de risco em escala nacional torna-se um desafio, especialmente considerando a complexidade e a diversidade do território brasileiro. Além disso, a falta de moradia adequada e as dificuldades econômicas levam a população de baixa renda a se instalar em áreas mais suscetíveis aos processos, como encostas e margens de rios.
Políticas reativas a desastres catastróficos: Um número significativo de políticas foi desenvolvido apenas após a ocorrência de desastres com graves consequências. Muitos municípios ainda não adotaram efetivamente instrumentos de redução de desastres em seus planos de uso e ocupação do solo. Isso limita a capacidade de avaliação da eficácia dessas políticas, dificultando a criação de medidas preventivas em nível local.
Falta de fontes de informação abrangentes e confiáveis: A inexistência de fontes de dados completas e confiáveis prejudica o monitoramento e a avaliação das políticas públicas. Sem um sistema eficaz de acompanhamento, a análise contínua e transparente das ações governamentais é comprometida, o que limita a implementação de medidas corretivas.
Mudanças climáticas e evolução das ocupações urbanas: Com as mudanças nos padrões de precipitação causadas pelo aquecimento global, é preciso reavaliar e adaptar as políticas existentes às novas características das ocupações urbanas. O agravamento de eventos extremos de chuva, combinado com a ocupação desordenada, aumenta a vulnerabilidade das áreas urbanas.
Importância do estudo para políticas de mitigação de desastres
O estudo conduzido por Tiago Martins é fundamental para a compreensão do estágio atual das políticas públicas voltadas para a mitigação de desastres naturais no Brasil. Ao identificar os avanços e desafios no enfrentamento de deslizamentos, a pesquisa oferece reflexões sobre como aprimorar a prevenção e a resposta a esses eventos, especialmente diante das mudanças climáticas e do crescimento desordenado das cidades.
O professor reforça que a necessidade de reexaminar e adaptar as políticas públicas às características em constante mudança das ocupações urbanas e aos impactos das mudanças climáticas é urgente. “Este estudo busca oferecer um diagnóstico realista da situação atual, destacando a importância de políticas mais efetivas e adaptativas", completa.
A análise cronológica das políticas revela a evolução da abordagem governamental e a transição de uma postura reativa para uma abordagem mais preventiva. No entanto, a frequência e gravidade dos deslizamentos em áreas urbanas indicam que ainda há um longo caminho a ser percorrido para garantir a segurança das populações vulneráveis.
Caminhos futuros
Para o avanço na gestão de riscos, o estudo sugere a necessidade de ampliar a capacidade de monitoramento e a implementação de políticas de prevenção de desastres de maneira mais abrangente e integrada. A identificação e a correção de lacunas na legislação, aliadas à promoção de maior cooperação entre os diferentes níveis de governo, podem contribuir para uma resposta mais eficaz a esses eventos.
A pesquisa de Tiago Martins destaca a importância de políticas públicas bem estruturadas e a necessidade de se considerar o contexto urbano e climático em constante evolução. A promoção de ações preventivas, juntamente com o desenvolvimento de estratégias de adaptação, pode ser um caminho efetivo para mitigar os impactos dos deslizamentos e outros desastres causados por ameaças naturais no Brasil.