Um novo estudo publicado no International Journal of Geriatric Psychiatry estimou o número de pessoas com demência em todo o Brasil. O trabalho é resultado de um consenso Delphi liderado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com a participação de especialistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e de outras 11 instituições de ensino superior, que representam todas as regiões brasileiras.
A pesquisa identificou que, em 2019, quase 2,5 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais viviam com demência, o que representa cerca de 8,5% da população idosa no país. "Este é um ponto de partida para entendermos com mais clareza a verdadeira dimensão da demência no Brasil. Precisamos de mais pesquisas representativas para que possamos desenvolver estratégias eficazes de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento", afirma Márlon Juliano Romero Aliberti, professor colaborador da FMUSP e primeiro autor do artigo.
Por que fazer um consenso de especialistas?
“Estudo anterior nosso, de abrangência nacional, usando dados de uma amostra representativa da população brasileira acima de 60 anos identificou uma prevalência de 5,8% nesta faixa etária, enquanto que estudos originais populacionais feitos em cidades do Estado de São Paulo na última década mostram prevalência muito mais altas de 12 a 17%. Diante dessa discrepância e no contexto do relatório nacional achamos importante a realização de um consenso de especialistas de todo os Brasil, que resultou em uma prevalência intermediária de 8,5%”, afirma Cleusa Ferri, coordenadora do estudo e docente do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Psiquiatria da Unifesp.
Além dos dados publicados no artigo científico, o estudo integrou o Relatório Nacional sobre a Demência: Epidemiologia, (re)conhecimento e projeções futuras, divulgado pelo Ministério da Saúde em parceria com a Unifesp. O documento reúne projeções de prevalência e fornece diretrizes para aprimorar políticas públicas, incluindo o desenvolvimento de um fluxograma de identificação da demência na Atenção Primária à Saúde (APS). “Mapear a realidade da demência no Brasil é essencial para orientar políticas públicas eficazes e sustentáveis”, destaca a coordenadora do relatório, Cleusa Ferri.
Com o envelhecimento acelerado da população brasileira, as perspectivas são preocupantes: o número de casos da condição deve aumentar 3,6 vezes até 2060, atingindo quase 9 milhões de pessoas. As estimativas consideram dados das cinco regiões do país.
Características regionais
Em um país de dimensões continentais e marcado por desigualdades sociais, os resultados apontam diferenças significativas entre as regiões. Enquanto para o Sul o consenso de especialistas apresentou a menor estimativa de prevalência (7,3%), para o Norte (8,9%) e o Nordeste (10,1%) esses índices são mais altos.
O quadro é influenciado por diversos fatores, como diferenças no envelhecimento populacional e nível de escolaridade. As taxas mais altas em algumas regiões podem estar relacionadas a desigualdades educacionais.“Precisamos olhar para além dos números e entender que fatores como escolaridade, acesso à saúde e condições de vida influenciam no risco de desenvolver demência. O relatório busca justamente apoiar a construção de um sistema de cuidado mais equitativo e preparado para essa realidade”, reforça Cleusa Ferri.
Caminho para novos estudos
“Esse cenário reforça a importância de estudos sobre demência que representem a diversidade geográfica e socioeconômica do Brasil. Diferentemente das pesquisas anteriores, concentradas majoritariamente na região Sudeste e baseadas em dados coletados em uma única cidade, nosso estudo abrange todo o país. As pesquisas anteriores foram essenciais e abriram o caminho para maior discussão sobre o tema. No entanto, os novos dados evidenciam a necessidade de maior investimento nessa área, para que possamos contar com estimativas mais abrangentes e representativas da realidade nacional”, explica Márlon Aliberti.
“Importante notar que consenso não é evidência e estas estimativas são provisórias, havendo a necessidade de estudos populacionais originais que representem o país e que sejam repetidos ao longo do tempo para mantermos o monitoramento da prevalência da demência e outros indicadores epidemiológicos”, alerta Cleusa Ferri. Realizada pelo método Delphi, a pesquisa contou com a participação de 15 especialistas em demência de todas as regiões do país. O material servirá como base para a formulação de políticas públicas voltadas à demência, diante do acelerado processo de envelhecimento da população no Brasil.