"Help me, Obi-Wan Kenobi. You're my only hope”. A mensagem holográfica da princesa Leia, projetada de dentro do robô R2-D2, na garagem de Luke Skywalker, dava início a uma franquia de ficção científica de enorme sucesso até os dias de hoje, mas, para os mais atentos, foi também uma das primeiras e mais importantes experiências cinematográficas responsáveis pela popularização da Realidade Aumentada (RA). Quarenta anos após o lançamento, Paula Carolei, coordenadora e docente do curso de Design Educacional do Núcleo da Universidade Aberta do Brasil da Unifesp (UAB/Unifesp), vislumbra diversas possibilidades de aplicação da RA na educação.
No artigo Gamificação Aumentada - Explorando a Realidade Aumentada em Atividades Lúdicas de Aprendizagem, publicado em 2014 junto a Romero Tori, da Universidade de São Paulo (USP), Paula defende que a tecnologia possui enorme potencial, especialmente se aplicada on-line e na modalidade blended learning – quando o curso, apesar de ministrado à distância, inclui encontros presenciais. “A proposta de trabalhar com gamificação consiste em pensar em atividades educacionais que explorem as possibilidades físicas, sociais, emocionais e simbólicas desse ambiente híbrido”, explica.
A força que a RA demonstra fundamenta-se em experiências bem-sucedidas da década de 1960, época em que o pesquisador estadunidense Ivan Sutherland prestou duas contribuições à área: um artigo sobre a evolução da realidade virtual e seus reflexos no mundo real e a construção de um capacete de visão ótica direta rastreado para visualização de objetos 3D no ambiente real. Suas aplicações são variadas, passando pela medicina, indústria e marketing, mas, sem dúvida, a parte mais visível desse “iceberg” de possibilidades é a indústria de entretenimento.
As empresas desenvolvedoras de games e consoles foram certamente as que mais popularizaram a aplicação da tecnologia. Paula justifica o fenômeno. “A linguagem dos games emergiu e evoluiu como expressão de uma característica inata do ser humano, que é o prazer e a motivação pela experimentação, pela vivência, pela imaginação, pelo desejo de se transportar para outros tempos e espaços”. Por isso, a professora da Unifesp engrossa a lista de pesquisadores que entendem que tanto a RA como a linguagem dos games podem se unir para finalidades pedagógicas, potencializando a absorção de conteúdos.
Novos games abrem mais espaços de interação
O uso dos games na educação não é recente. Entretanto, segundo Paula e Tori, os jogos educacionais costumam ser menos vivenciais e acabam, por uma fixação de apresentação do conteúdo, preservando o paradigma da instrução. “Muitos desses games não passam de atividades reativas com algumas distrações estéticas”.
Era preciso inovar, e a aposta dos pesquisadores foi a Realidade Aumentada. Definida como a mistura de elementos do mundo real com conteúdos sintéticos interativos, gerados em tempo real a partir de dados digitais virtuais, a RA envolve elementos como espaços urbanos e narrativas, tornando o processo de aprendizagem uma constante sucessão mista de imersão e emersão. “As narrativas, apesar de ficcionais, provocam uma reflexão sobre a realidade e novas formas de exploração do corpo no espaço”, explica Paula.
Em geral usa-se RA em games pervasivos, ou seja, jogos que promovem o encontro entre ambientes físicos e mídias digitais. Dentro desse gênero, enquadram-se diversas camadas de informações possíveis, como instrução para uma tarefa, atividade ou desafio, sobreposição de dados para comparação, informação alternativa (criação de camada com o conteúdo em outra linguagem para pessoas com algum tipo de limitação ou mesmo preferências diversas de canal de acesso), além de explicação sobre obras estéticas dadas pelo próprio artista e narrativas factuais de personagens reais (bastante comum em museus, por exemplo). A pesquisadora arrisca em metodologias dedutivas, que estimulam a postura investigativa e fazem das camadas de informação pistas para um aprofundamento das questões contextuais que envolvem tanto a arte e o patrimônio histórico quanto a história dos conceitos científicos.
Paula Carolei cita um exemplo de uso tecnológico desse conceito: associar um marcador que pode ser tanto um QRcode como uma imagem a uma camada de informação em um formato de texto, imagem, vídeo, modelo 3D e URL, que pode ser acrescida de uma indicação de geolocalização, com a descrição do que deve ser feito na atividade ou com uma provocação para um desafio.
Sua conclusão é que a realidade aumentada pode criar diversas propostas de interação, ampliando tanto a imersão na história proposta como a diversão. “Apoiada por um bom roteiro, o uso de RA pode ampliar seu potencial representativo e criar apoio a ações investigativas que estimulem, além da descrição e da sensação, propostas que provoquem tanto empatia como alteridade, que despertem elementos imaginários, proporcionando encontros, trocas, criações colaborativas e problematização mais complexas e menos reativas e imediatas”, conclui a pesquisadora.
Atividade denominada Mistério da Criatividade, desenvolvida por Paula Carolei durante o 1° Festival de Invenção e Criatividade (FIC/2017), realizado na Universidade de São Paulo (USP). Ação envolveu o uso de recursos de RA, como QRCodes, em jogos de tabuleiro
Gamificação: uma estratégia pedagógica
Para Paula, quando se fala em gamificação na educação, trata-se de um tipo de estratégia pedagógica que utiliza os princípios e mecânicas dos games, que consistem muito mais na capacidade de fazer com que o jogador/aluno se envolva em uma atividade proposta do que na construção de um jogo por meio da linguagem de programação. Tal estratégia seria construída com ações interdisciplinares, que podem envolver áreas como Pedagogia, Psicologia, Design, Design de Games e Tecnologia da Informação, visando à melhor experiência.
Sua escolha pela adoção da linguagem dos jogos inspira-se em Seymour Papert, um dos fundadores do Media lab do MIT e que destaca três formas de relação com o conhecimento: experimentação, instrução e criação. “Experimentar é a forma de aprendizagem mais natural, autodirigida por quem aprende, mas tem limites espaciais e temporais. As instituições formais de ensino, com seus modelos instrucionais, foram criadas para ensinar, além da experiência individual, o que a humanidade consolidou como cultura e ciência, mas o risco da instrução é a perda de autonomia na busca do conhecimento, impedindo a chegada ao terceiro estágio: a criação”, discorre a pesquisadora.
Para Paula, a estratégia da gamificação permite que as tecnologias façam da etapa instrucional um prolongamento da experimentação. “É possível fazer com que materiais e estratégias pedagógicas instrucionais sejam planejados como projetos ou ambientes nos quais os alunos possam explorar, vivenciar, experimentar, problematizar, formular hipóteses e criar formas de resolver esses problemas e, assim, aprender de forma mais criativa e escolher com maior consciência os seus caminhos”.
O planejamento da ação didática como experiência com contexto e significado é a principal contribuição de duas áreas centrais em seu estudo: o Design de Games e o Design de Experiência. “O Design de Games pauta-se por modelos, experimentação e complexidade, ou seja, pela experiência. Já a experiência em si é abordada pelo Design de Experiência, subárea do Design cujo desafio maior é entender como o usuário interage com as interfaces”, delimita.
A centralidade de ambas as áreas reflete a preocupação com as particularidades de cada indivíduo. "Mais importante que aplicar o conceito na educação é estabelecer coerência entre o que é demandado do jogador (jogabilidade) com a competência que quero estimular nele. Se pretendo desenvolver a liderança, não posso usar uma atividade reativa como quiz. Simular uma tomada de decisão, em um contexto amplo seria mais apropriado", finaliza.
Paula Carolei, coordenadora do curso de Design Educacional (UAB/Unifesp)
A aplicação de RA é ampla: passa pelo uso de marcadores fiduciais e gera a possibilidade de mostrar capas de livros em uma estante sem a necessidade de retirá-los de suas posições
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