Um estudo realizado por pesquisadores do Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas (LiNC), ligado ao Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp), uniu imagens de ressonância magnética a um método de aprendizagem automática para investigar se os padrões das estruturas cerebrais de pacientes com primeiro episódio psicótico (FEP, sigla em inglês) – estágio inicial da esquizofrenia – seriam semelhantes aos de pacientes com esquizofrenia crônica (SCZ) ou de pessoas saudáveis (grupo controle).
Os métodos de aprendizagem automática, como a chamada Análise Linear Discriminante de Incerteza Máxima (MLDA, sigla em inglês), usada nesse estudo, são capazes de fazer uma análise multivariada de dados de neuroimagem, possibilitando examinar informações, mesmo as mais sutis, de forma integrada para a detecção de diferenças neuroanatômicas nas doenças mentais. Estas análises foram conduzidas sob supervisão de João Sato, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), que é especialista em Estatística e análise de imagens cerebrais e pesquisador do LiNC.
Os resultados mostraram diferenças que permitiram discriminar entre indivíduos com esquizofrenia crônica quando comparados aos indivíduos saudáveis, principalmente no sistema límbico – estruturas cerebrais relacionadas aos comportamentos instintivos, emocionais, sexuais, de aprendizagem, memórias, entre outras – e nos circuitos envolvidos em comportamentos direcionados por objetivos – habilidade de avaliação de recompensas e análise entre valor e risco, por exemplo.
Apesar de bem sutis, essas alterações parecem ser detectadas já em indivíduos com histórico de primeiro episódio psicótico”, afirma Rodrigo Affonseca Bressan, docente no Departamento de Psiquiatria da EPM/Unifesp, um dos criadores do LiNC e um dos autores do estudo. “No entanto, ainda é necessário outros estudos, com uma amostra maior de indivíduos com FEP para elucidar algumas limitações encontradas nesse trabalho”. Bressan também explica que a carga de medicação de pacientes com esquizofrenia crônica foi correlacionada negativamente com o escore do MLDA.
De acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, sigla em inglês), principal agência federal estadunidense de pesquisa sobre transtornos mentais, muitas podem ser as causas para o desenvolvimento da esquizofrenia, entre elas, a genética (nem sempre determinante), o meio ambiente (pobreza, estresse, exposição a vírus ou problemas nutricionais antes do nascimento) e as interrupções nas estruturas, função ou química cerebrais.
(Imagens: Alex Reipert/DCI-Unifesp)
Acioly Lacerda ao lado de Rodrigo Affonseca Bressan, ambos professores da Unifesp e criadores do LiNC
Metodologia
Na pesquisa, os especialistas avaliaram 82 indivíduos saudáveis (grupo controle), 143 com esquizofrenia crônica (SCZ) e 32 com histórico de primeiro episódio psicótico (FEP), com idades entre 16 e 40 anos. Os critérios de exclusão adotados foram: história de doenças neurológicas, abuso de substâncias psicoativas ou lesão cerebral.
Bressan explica que, primeiro, foi avaliado o desempenho do MLDA na discriminação da esquizofrenia crônica a partir dos indivíduos saudáveis, fornecendo, dessa forma, uma pontuação baseada em um modelo para as alterações cerebrais. Em seguida, os pesquisadores compararam os padrões volumétricos, por meio de exames de ressonância magnética, dos indivíduos FEP com os padrões do grupo SCZ e dos controles.
Imagens no diagnóstico precoce da depressão
Outro trabalho desenvolvido no LiNC e que foi tema da tese de doutorado do psiquiatra Pedro Mario Pan, orientada por Rodrigo Bressan, encontrou marcadores preditores do desenvolvimento de depressão em jovens e crianças.
O estudo, que utilizou exames de ressonância magnética do cérebro de 745 crianças e jovens, com idades entre nove e 16 anos, identificou alterações da conectividade no circuito cerebral de recompensa que foram associadas a casos de depressão. Os resultados foram publicados no American Journal of Psychiatry, periódico oficial da Associação Americana de Psiquiatria.
Além do exame de imagem, também foram realizadas análises psicológica e psiquiátrica nessa amostra, efetuando-se – três anos depois – a reavaliação de 90% deles (675) com a mesma metodologia.
Pan explica que foi encontrada uma conectividade de característica diferente, aumentada ou mais ativada, no cérebro daqueles que desenvolveram depressão três anos depois, contabilizando-se 53 indivíduos nessas condições.
De acordo com o pesquisador, as alterações foram observadas na região do cérebro responsável por integrar e processar informações cotidianas sobre recompensa e motivação, chamada estriado ventral, a qual teve um papel significativo nos quadros de depressão antes do início dos sintomas.
A tese de doutorado de Pan integra o Projeto Conexão - Mentes do Futuro, o maior estudo de coorte na Psiquiatria da Infância e Adolescência já conduzido no Brasil, cuja finalidade é avaliar fatores de risco e de resiliência para o surgimento de problemas emocionais e de comportamento em crianças e jovens, elaborando estratégias de prevenção para os transtornos mentais.
Dessa forma, desde abril de 2018, pesquisadores do projeto estão fazendo a terceira avaliação destes jovens depois de 6 anos de seguimento. Durante esse período será analisado um conjunto de variáveis individuais e familiares – entre elas, medidas de psicopatologia geral e familiar, variáveis sociodemográficas, variáveis de risco, tais como trauma precoce e hábitos de vida. Estão avaliando também marcadores biológicos, incluindo genética (DNA e RNA), neuroimagem estrutural e funcional .
Com essas análises os pesquisadores pretendem indicar fatores de risco modificáveis e possibilidades de intervenção preventiva, inclusive individual, determinando estruturas e vias de funcionamento cerebrais que são importantes para a fisiopatologia da depressão e de todos os transtornos mentais na adolescência. Isso será crucial para o desenvolvimento de métodos diagnósticos – como, por exemplo, a ressonância magnética funcional – e métodos terapêuticos, que incluem a identificação de regiões para estimulação cerebral transcraniana.
Iniciado em 2009, o Projeto Conexão é coordenado por Rodrigo Bressan, que também é vinculado ao Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD), que conta com as verbas repassadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Envolve várias universidades brasileiras, dentre as quais se destaca a parceria tripartite formada pela Unifesp, Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Mal do Século
De acordo com o Ministério da Saúde (MS), a depressão é um dos problemas de saúde mental mais comuns em todo o mundo e já é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o Mal do Século e uma das principais causas de incapacitação. Estima-se que uma em cada cinco pessoas no mundo apresenta o problema em algum momento da vida. Estudos apontam alterações químicas no cérebro de pessoas com depressão, principalmente relacionadas à serotonina, à noradrenalina e à dopamina, que são neurotransmissores.
Na depressão, a parte emocional do indivíduo é afetada por uma tristeza profunda e desinteresse generalizado, sem causa aparente. Ainda segundo o MS, a literatura científica aponta que a depressão também provoca alterações fisiológicas no organismo, que podem desencadear outras doenças oportunistas e, em casos mais graves, as cardiovasculares.
Sobre o LiNC
Em menos de 15 anos de existência, as pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Interdisciplinar de Neurociências Clínicas (LiNC) já renderam mais de 250 publicações em revistas indexadas de renome, importantes verbas para pesquisa, vários cursos e participações em diversos congressos nacionais e internacionais, além de formar uma grande quantidade de mestres, doutores e pós-doutores.
O LiNC foi criado pelos pesquisadores e atuais professores da Unifesp, Rodrigo Affonseca Bressan, PhD pelo King’s College Londres (Inglaterra) na área de Neuroimagem Molecular, e Acioly Lacerda, pós-doutor em Neuroimagem Estrutural pela Universidade de Pittsburgh (EUA), com apoio do Programa de Apoio a Projetos Institucionais com a Participação de Recém-Doutores (Prodoc), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). De forma inovadora, o laboratório tinha como filosofia a integração de pesquisadores especialistas em várias metodologias em neurociências, incluindo psicopatologia, psicofarmacologia, neuropsicologia, neuroimagem e genética, para investigar marcadores biológicos de transtornos neuropsiquiátricos. Em 2006, o LiNC foi agraciado com um espaço de 150m2 no Edifício de Pesquisas II do Campus São Paulo da Unifesp, o que foi um enorme impulso para a produção do grupo. O espírito de colaboração sempre esteve no coração do laboratório, estabelecendo trabalhos em conjunto com pesquisadores brasileiros dentro e fora da Unifesp e uma extensa colaboração com pesquisadores estadunidenses e europeus.
O LiNC foi formado por pós-doutorandos que posteriormente se tornaram docentes da Unifesp, incluindo Bressan, Lacerda, Andrea Jackowski, coordenadora do LiNC – especialista em neuroimagem, Sintia Belangero, vice-coordenadora do LiNC – geneticista, e Ary Gadelha – especialista na integração de diferentes métodos em neurociência. Desde o início, o LiNC foi formado por docentes de diferentes departamentos, vários deles ligados ao programa de pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da EPM/Unifesp.
Principais sintomas da esquizofrenia
Delírios - A pessoa passa a acreditar que a realidade se apresenta de uma maneira diferente, suas ideias e pensamentos apresentam conteúdos que para ela são verdade, mas que não estão realmente acontecendo. Por exemplo, ela pode acreditar que está sendo perseguida, que está sendo filmada e, como consequência, que tem poderes especiais ou uma missão muito importante no mundo. Estas crenças são uma convicção para a pessoa e não se desfazem com nenhuma argumentação.
Alucinações - Os cinco sentidos também ficam afetados. A pessoa passa a ter percepções sem que haja um estímulo externo. Por exemplo, ouvir vozes que comentam o seu comportamento ou dão ordens, sem haver ninguém falando. Também pode sentir odores e sabores diferentes em alimentos saudáveis, ter visões de objetos que não existem ou outras sensações táteis, como formigamento.
Alterações do Pensamento - Os pensamentos podem ficar confusos. A pessoa pode ter a sensação que seus pensamentos podem ser lidos por outras pessoas, roubados ou controlados. Pode acreditar também que pensamentos estranhos foram colocados em sua cabeça. Esta confusão dos pensamentos se expressa na forma como se comunica, aparentando dizer coisas sem sentido.
Perda da Vontade e Déficits Cognitivos - A pessoa passa a ter uma perda da vontade para realizar suas atividades. Em parte por não sentir prazer em realizá-las e em parte por dificuldades novas, como, por exemplo, relativas à memória ou devido à dificuldade para realizar tarefas corriqueiras de forma organizada.
Alteração do Afeto - Há uma dificuldade em expressar os sentimentos e emoções, passando a impressão de que perdeu estas capacidades. Na realidade a pessoa continua tendo seus sentimentos e emoções e fica angustiada por não conseguir demonstrá-las. É como se as pessoas estivessem alheias ao que se passa à sua volta e a vida fosse um filme monótono em branco e preto.
Fonte: Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre)
Principais sintomas da depressão
- humor depressivo ou irritabilidade, ansiedade e angústia;
- desânimo, cansaço fácil, necessidade de maior esforço para fazer as coisas;
- diminuição ou incapacidade de sentir alegria e prazer em atividades anteriormente consideradas agradáveis;
- desinteresse, falta de motivação e apatia;
- falta de vontade e indecisão;
- sentimentos de medo, insegurança, desesperança, desespero, desamparo e vazio;
- pessimismo, ideias frequentes e desproporcionais de culpa, baixa autoestima, sensação de falta de sentido na vida, inutilidade, ruína, fracasso, doença ou morte. A pessoa pode desejar morrer, planejar uma forma de morrer ou até mesmo tentar suicídio;
- interpretação distorcida e negativa da realidade: tudo é visto sob a ótica depressiva, um tom “cinzento” para si, os outros e seu mundo;
- dificuldade de concentração, raciocínio mais lento e esquecimento;
- diminuição do desempenho sexual e da libido;
- perda ou aumento do apetite e do peso;
- insônia, despertar matinal precoce ou, menos frequentemente, aumento do sono;
- dores e outros sintomas físicos não justificados por problemas médicos, como dores de barriga, má digestão, azia, diarréia, constipação, flatulência, tensão na nuca e nos ombros, dor de cabeça ou no corpo, sensação de corpo pesado ou de pressão no peito, entre outros.
Fonte: Ministério da Saúde
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PAN, Pedro Mario; SATO, João R.; SALUM, Giovanni A.; ROHDE, Luis A.; GADELHA, Ary; ZUGMAN, Andre; MARI, Jair; JACKOWSKI, Andrea; PICON, Felipe; MIGUEL, Eurípedes C.; PINE, Daniel S.; LEIBENLUFT, Ellen; BRESSAN, Rodrigo A.; STRINGARIS, Argyris. Ventral striatum functional connectivity as a predictor of adolescent depressive disorder in a longitudinal community-based sample. The American Journal of Psychiatry, v. 174, n. 11, p. 1112-1119, 1 nov. 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.1176/appi.ajp.2017.17040430 >. Acesso em: 10 abr. 2019.
MOURA, Adriana Miyazaki de; PINAYA, Walter Hugo Lopez; GADELHA, Ary; ZUGMAN, André; NOTO, Cristiano; CORDEIRO, Quirino; BELANGERO, Sintia Iole; JACKOWSKI, Andrea P.; BRESSAN, Rodrigo A.; SATO, João Ricardo. Investigating brain structural patterns in first episode psychosis and schizophrenia using MRI and a machine learning approach. Psychiatry Research: Neuroimaging, v. 275, p. 14-20, 30 maio 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.pscychresns.2018.03.003 >. Acesso em: 10 abr. 2019.
Unifesp 25 de qualidade em pesquisa
Edição 11 • junho 2019