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Empreender para integrar

Projeto desenvolvido no Campus Diadema agrega valor, eficácia e segurança sanitária a produtos vendidos por pequenos comerciantes locais

Imagem de uma mão segurando uma tapioca

Em 2015, um grupo de seis pesquisadores do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema, pertencentes às áreas de Ciência e de Engenharia de Alimentos, decidiu enviar seu projeto de pesquisa ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), visando atender a um edital que oferecia apoio financeiro a projetos de pesquisa que possuíssem como objeto a incubação de empreendimentos econômicos solidários (EES). Mal sabiam que esse trabalho se tornaria algo tão importante na vida de muitos vendedores de comida de rua em Diadema, onde o setor de comércio e serviços possui grande representatividade econômica. 

O projeto, posteriormente intitulado Melhoria da Qualidade de Alimentos Comercializados por Empreendimentos Solidários: Os Casos da Associação de Tapioqueiros e da Associação de Churrasqueiros de Diadema, previa a intervenção da universidade no comércio de churrasquinhos e tapiocas naquela cidade, de forma a aprimorar e agregar valor aos produtos comercializados. Contando com o apoio da Casa da Economia Solidária, programa ligado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho do município e incubadora de diversos empreendimentos, os pesquisadores atuaram por mais de dois anos conscientes da importância social, econômica, sanitária e nutricional do setor de alimentos de rua para os vendedores locais.

Classius Ferreira da Silva, professor adjunto do Departamento de Ciências Exatas e da Terra do ICAQF/Unifesp e coordenador do projeto, explica que toda a pesquisa foi norteada por quatro frentes de ação: avaliar a percepção dos consumidores, certificar que os alimentos atendiam aos pré-requisitos básicos de segurança microbiológica, reforçar as boas práticas de manipulação de alimentos e capacitar os vendedores para a correta manipulação de comida de rua e para o desenvolvimento de alimentos funcionais. Ao lado de Anna Cecília Venturini, Cristiana Maria Pedroso Yoshida, Fabiana Perrechil Bonsanto, Patrícia Santos Lopes e Rogério Scabim Morano, docentes no ICAQF/Unifesp, o pesquisador contou com a participação de 150 empreendedores oriundos das duas associações.

Silva relata que o projeto enfrentou diversos desafios ao longo de sua execução. Ele destaca a resistência dos vendedores ao serem convidados para conhecer os resultados das análises microbiológica e de percepção dos consumidores, embora as coletas tenham sido feitas anonimamente. Outro ponto que avaliou como problemático foi a dificuldade de comunicação com os empreendedores, o que contribuiu para que apenas 30 deles concluíssem a capacitação. “Foi complicado reunir todos ao longo das quatro semanas de curso, uma logística que se revelou desgastante para eles por causa do deslocamento”. 

Entretanto, o pesquisador avalia que o aproveitamento foi grande entre os que chegaram até o final do curso. “Eles sentiram-se incluídos e a entrega de certificados mostrou essa comoção. Muitos desconheciam a universidade e, durante a capacitação, perguntavam se a Unifesp era pública, há quanto tempo estávamos na cidade”, conta. A capacitação, com aulas que abordaram temas como qualidade de serviços, marketing, microbiologia de alimentos, higiene e alimentos funcionais, forneceu aos empreendedores a oportunidade de serem confrontados com informações que enriqueceriam sua atuação, aprendendo com estudantes da universidade a preparar desde espetinhos de carne moída (kafta) enriquecidos com fibra até tapiocas preparadas com chia, linhaça, aveia e beterraba. 

Análises microbiológicas

A avaliação microbiológica foi efetuada após coletas aleatórias e anônimas em diversos pontos de venda de churrasco e tapioca na cidade de Diadema. Apesar de pequena, Diadema possui bairros que mais parecem pequenas cidades, com regiões onde o comércio fervilha, como os bairros Eldorado, Serraria e Piraporinha. Porém, ainda que a Associação de Tapioqueiros de Diadema conte com 30 associados e a Associação de Churrasqueiros com 120, os pesquisadores encontraram um número bem menor de vendedores pelas ruas. “Quando abordamos os churrasqueiros por telefone, por exemplo, parte deles afirmou não atuar mais na atividade. Pareceu-me muito mais uma opção de trabalho temporária”, afirma Silva. 

Já a avaliação sobre percepção de consumidores contou com 603 respondentes, que compartilharam suas percepções acerca da tapioca e do churrasquinho de rua. Para tanto, foram desenvolvidos dois questionários, um para cada alimento, com 21 afirmações cada um a respeito de percepção de qualidade dos fatores: produto, praça, atendimento e preço, além de algumas perguntas para caracterização da amostra obtida. Ademais, foram realizadas visitas anônimas a 20 pontos de venda para mensuração qualitativa de três aspectos: limpeza e organização da área próxima do carrinho, limpeza geral do carrinho e aparência quanto à limpeza. Nessa etapa, os pesquisadores recolheram de forma anônima alimentos para análise microbiológica com base na presença (ou ausência) das bactérias Staphylococcus aureus, Escherichia coli e Salmonella ss.

Clientes satisfeitos 

A partir do trabalho, os pesquisadores chegaram a várias conclusões importantes. A principal constatação foi que os clientes estão relativamente satisfeitos com o atendimento e os preços praticados. A qualidade e a limpeza dos pontos de venda são aspectos que merecem atenção redobrada, já que os respondentes revelaram associar a imagem do carrinho à ideia de alimento saudável e livre de contaminação. Assim sendo, os comerciantes de comida de rua deveriam focar seus esforços no asseio pessoal, no bom atendimento e em maneiras de passar ao consumidor a imagem de que seus produtos são saudáveis.

De forma geral, os consumidores de tapioca fizeram uma boa avaliação do produto, do ponto de venda, do atendimento e do preço. A análise sensorial das amostras coletadas em seis diferentes pontos de venda deixou evidente o quanto a textura e o sabor estão relacionados com a impressão global do alimento. A cor foi o principal aspecto a afetar a percepção de aparência das tapiocas, atributo mais importante para os clientes do que textura e sabor. Os pesquisadores concluíram que as vendas do produto apontam para a expansão, uma vez que mais de um quarto dos respondentes consome pouco o produto.

Já as médias obtidas junto aos consumidores de churrasquinho foram menores que as obtidas com os de tapioca. O que fez com que churrasqueiros perdessem pontos perante os consumidores na análise sensorial, embora no quesito oferta tenham superado as expectativas, foi a falta de padronização dos espetinhos. Além disso, os respondentes desassociaram churrasquinho da ideia de alimentação saudável, sinalizando ser necessário aprimorar procedimentos de limpeza nos pontos de venda. Foi detectada uma oportunidade maior de expansão nas vendas desse aperitivo em relação às tapiocas – mais da metade dos avaliados consomem churrasco de rua regularmente.

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Classius Ferreira da Silva, professor adjunto do Departamento de Ciências Exatas e da Terra do ICAQF/Unifesp e coordenador do projeto

 

Aprimoramento com foco na coletividade

Embora sejam comerciantes e o que seja mais comum nesse meio seja a busca de diferenciais que fidelizem o consumidor, os tapioqueiros e churrasqueiros fazem parte de uma associação, com carrinhos padronizados, e se algo "pegar mal" com o cliente, como uma contaminação alimentar, a imagem da classe toda será prejudicada. Por isso, o grupo de pesquisa reforçou com os vendedores, ao longo das quatro semanas de capacitação, a consciência de coletividade. “Os dados microbiológicos não foram alarmantes, porém muitos nos procuraram para efetuar avaliações individuais, refletindo essa preocupação”, afirma Silva. 

Os participantes do programa de iniciação científica envolvidos no projeto, sob supervisão dos docentes, efetuaram diversos experimentos no Laboratório de Tecnologia de Alimentos do ICAQF/Unifesp, junto com os vendedores, para a produção de tapiocas enriquecidas com diversos tipos de grãos, espetinhos de Kafta com a adição de aveia, além do amaciamento de carne. Essa etapa envolvera testes preliminares para definir as melhores formulações, testes sensoriais de aceitação junto aos consumidores e preço dos ingredientes. Foram escolhidos semente de linhaça, farinha de linhaça, semente de chia, farinha de chia, farelo de aveia e beterraba, todos adquiridos no comércio local.

Adicionalmente, no caso dos churrasqueiros, optou-se também pelo estudo de técnicas de amaciamento da carne tendo em vista a padronização e a redução dos custos. “Essa etapa despertou bastante a curiosidade deles. Muitos achavam que aquele bife suculento servido em restaurantes razoáveis da cidade tratava-se de filé mignon, quando na verdade trata-se de acém amaciado. E na busca de qualidade semelhante, havia churrasqueiros que vendiam espetinhos de carnes nobres (filé mignon, contrafilé, alcatra). Nossa intenção era mostrar a eles que é possível adquirir carnes mais populares, amaciá-las e alcançar uma ótima aceitação, padronização e qualidade”, relata. No caso dos tapioqueiros, foi proposta a inclusão de chia na massa. “Fica gostoso, mas ainda existe o medo de oferecer um ingrediente diferente e sofrer rejeição pela clientela”. 

As informações de cunho sanitário tiveram um grande impacto para ambas as classes. “Realizar esse tipo de treinamento com pessoas leigas na área de manipulação de alimentos é desafiador, demandando aulas práticas, com observação no microscópio. E contar com a estrutura do campus da universidade para oferecer esse conhecimento, com seus laboratórios e o anfiteatro, foi fundamental para fornecer a eles a oportunidade de praticar o que aprenderam ao longo do curso”, finaliza.


Resultado: Dentre as tapiocas funcionais, a tapioca adicionada com sementes de chia foi a que apresentou melhor aceitação, com maior intenção para “possivelmente compraria”. Dessa forma, é possível afirmar que a chia, como ingrediente funcional da tapioca, apresenta maior aceitação pelos provadores.

Ingrediente funcional Concentração
Sementes de chia 10%
Farinha de chia 5%
Sementes de chia + farinha de chia 5%
Sementes de linhaça 5%
Farinha de linhaça 5%
Sementes de linhaça + farinha de linhaça 5%


 

Resultado: Os espetinhos de kafta funcional (com 6% de aveia e 0,3% de cúrcuma) e controle (sem aveia e sem cúrcuma) não apresentaram diferenças significativas com relação à aceitação a aparência, aroma, cor, sabor, textura e impressão global.

Formulação da kafta funcional
(com 6% de aveia e 0,3% de cúrcuma)
e controle (sem aveia e sem cúrcuma).
Ingrediente Padrão Funcional
Carne moída 100 g 100 g
Aveia (flocos finos) - 6,0 g
Cúrcuma - 0,3 g
Sal 1,3 g 1,3 g
Óleo 2,5 g 2,5 g
Alho/Cebola 5,0 g 5,0 g
Pimenta do reino 0,1 g 0,1 g

EntreTeses edição 13

Unifesp 25 de qualidade em pesquisa
Edição 11 • junho 2019