As baladas fazem parte da vida dos jovens brasileiros e seguem como um dos principais meios de entretenimento para esse público. A música alta, as luzes e os diferentes ambientes para dançar são cenários comuns e atrativos, nos quais os baladeiros – quase sempre – consomem bebidas alcoólicas. No entanto, nem tudo é diversão, como alerta a pesquisa coordenada por Zila Sanchez, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM/ Unifesp) - Campus São Paulo.
Ao estudar a vida noturna na cidade de São Paulo e observar o consumo de álcool e outras drogas, o projeto Balada com Ciência identificou uma série de situações às quais os jovens estão sujeitos pelo uso excessivo dessas substâncias. “Balada com Ciência nos permitiu conhecer o perfil das pessoas que mais se expõem a riscos, o tipo de balada a que vão, quais os fatores ambientais dos estabelecimentos que favorecem a intoxicação alcoólica, que tipo de violência ocorre nesses locais e qual a sua frequência, entre outras informações que nos levem a pensar em ações de saúde pública para reduzir o risco da população”, afirma Sanchez, ressaltando que a iniciativa foi o primeiro estudo epidemiológico que identificou determinados padrões de comportamento inseguro.
Com o estado de consciência alterado pelo álcool, episódios de violência, agressões, acidentes de trânsito, abusos sexuais, overdose alcoólica, quedas, “apagões” de memória e sexo desprotegido, entre outras, tornam-se práticas comuns antes, durante e depois das baladas. A pesquisa chegou a essas conclusões após identificar, em primeiro lugar, a opção pelo binge drinking – consumo de grandes quantidades de álcool em curto espaço de tempo, normalmente definido a partir de cinco ou mais doses ingeridas por homens e a partir de quatro ou mais doses, por mulheres.
A coordenadora do projeto admite que há fatores culturais, comportamentais e psicológicos comuns na juventude, que fomentam o uso abusivo do álcool. “Há uma vontade de pertencer e de sentir a alteração da consciência. Importantes estudos internacionais, cujos resultados pautam as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), mostram que as melhores intervenções para reduzir a intoxicação alcoólica em jovens é o controle da venda de bebidas, e não ações isoladas de conscientização ou informacionais.”
A equipe de pesquisadores permaneceu à porta dos estabelecimentos, portando tablets e bafômetros para a coleta de dados (Imagem: Arquivo pessoal)
Zila Sanchez, professora do Departamento de Medicina Preventiva da EPM, coordenou a pesquisa (Imagem: Alex Reipert/DCI-Unifesp)
Metodologia
O estudo partiu de uma amostra probabilística de 31 baladas na cidade de São Paulo, consideradas todas as regiões e estilos musicais. Durante os meses de dezembro de 2012 e julho de 2013, uma equipe formada por seis pessoas uniformizadas permaneceu à porta dos estabelecimentos, portando tablets e bafômetros para a coleta de dados; na fila de entrada, sorteavam-se sistematicamente os sujeitos que seriam entrevistados.
O processo abrangeu três etapas. A primeira – após a seleção – consistiu em uma conversa de cinco a dez minutos, durante a qual foi realizado o teste do bafômetro e cada jovem recebeu uma pulseira de identificação. O questionário aplicado pelo pesquisador abordou dados sociodemográficos sobre o entrevistado, bem como informações sobre o tipo de bebida usualmente consumido e o padrão convencional de uso do álcool. A segunda etapa ocorreu à saída da balada, quando os mesmos jovens foram indagados sobre quanto de álcool haviam consumido e quanto fora gasto na obtenção das bebidas, além de repetirem o teste do bafômetro.
No dia seguinte à balada, como etapa final da pesquisa, os entrevistados receberam em seu e-mail um link para que respondessem a questões sobre o período pós-balada – ou seja, sobre como se sentiram, o que fizeram e o que aconteceu após o uso do álcool.
Acrescente-se, ainda, que, enquanto os entrevistadores atuavam do lado de fora, outros dois pesquisadores permaneciam no recinto interno da balada, realizando medidas ambientais que permitiram a identificação de potenciais riscos para os alcoolizados. A temperatura ambiente, o número de mesas, a iluminação e a pressão sonora, entre outros, foram alguns dos fatores avaliados.
Comportamentos de risco sob o efeito de álcool |
47% Mantiveram relações sexuais sob efeito de álcool |
38% Não se lembravam do que ocorreu à noite |
27%Dirigiram carro ou moto |
11% Envolveram-se em brigas |
9% Desmaiaram por conta do álcool |
8% Sofreram acidentes em decorrência da embriaguez |
3% Entraram em coma alcoólico |
Alternativas
Ao contrário do que alguns poderiam pensar, o objetivo do Balada com Ciência não foi criminalizar ou censurar o uso de álcool nas baladas. Após o projeto identificar os fatores colocados, a ideia foi criar um ambiente mais seguro para todos: para aqueles que optaram por consumir essa substância e para aqueles que poderiam ser atingidos por seu uso abusivo, como acontece em acidentes de trânsito, por exemplo.
Os pesquisadores do Balada com Ciência indicam algumas possíveis ações. “A principal seria a proibição do open bar e das promoções aberrantes de venda de bebidas nesses estabelecimentos, como a consumação mínima, ofertas do tipo ‘compre um e leve dois’ ou combos de 1 litro de vodca e seis latas de energéticos”, aponta Sanchez.
Mariana Guedes Ribeiro Santos, em sua dissertação de mestrado, elaborada no âmbito do programa de pós-graduação em Saúde Coletiva, sob a orientação de Sanchez, sugere dificultar o acesso e a disponibilidade do álcool por meio de restrições à venda de bebidas – principalmente para pessoas já alcoolizadas. “No Brasil não há esse tipo de regulamentação para a venda de bebida alcoólica a pessoas embriagadas. Programas de treinamento designados aos donos de estabelecimentos noturnos e funcionários deveriam ser implementados na tentativa de aumentar a conscientização sobre os riscos associados ao consumo excessivo de álcool na vida noturna.”
Para a autora, o país também carece de maior controle sobre as peças publicitárias que comercializam substâncias alcoólicas. “A exposição à propaganda de bebida alcoólica no Brasil tem forte influência no padrão de consumo de jovens, uma vez que tais peças estão em sua maioria associadas a mensagens positivas que remetem à diversão e ao entretenimento, e não há um controle efetivo do conteúdo. A proibição da propaganda e da venda para pessoas já intoxicadas seria uma forma de política pública eficaz para reduzir o dano do binge drinking”, reitera.
O perigo do “esquenta”
Uma das principais questões abordadas durante as entrevistas foi o famoso “esquenta”, que consiste no ato de ingerir bebidas alcoólicas antes de frequentar o ambiente das festas, estando diretamente associado ao binge drinking. A prática foi objeto de estudo na dissertação de mestrado de Mariana Guedes Ribeiro Santos.
Dos 2.422 baladeiros entrevistados, 44,3% declararam ser adeptos do “esquenta”, alegando que a motivação para a prática consistia na possibilidade de “chegar desinibido” às festas (39,0%) e de “economizar dinheiro” (31,7%). A justificativa de evitar gastos foi, porém, desmistificada pela pesquisa, segundo a qual esses praticantes, já sob influência do álcool, também costumavam adquirir bebidas durante o evento. De acordo com o estudo de Santos, a ingestão prévia de bebidas alcoólicas ocorreu principalmente na própria casa dos entrevistados (33,0%), na rua (30,7%) e em bares (26,5%), geralmente próximos às casas noturnas.
“Em países da Europa, grande parte dos problemas de crime e violência atribuídos ao álcool está relacionada ao padrão de consumo excessivo de bebida alcoólica pelos jovens no contexto da vida noturna, que inclui o “esquenta” pré-balada. Diversos estudos – em escala mundial – apontam o “esquenta” como um importante padrão de risco de consumo de álcool, uma vez que, na maioria das vezes, a intenção dos jovens é se embebedar”, enfatiza a pesquisadora, atualmente doutoranda da Liverpool John Moores University.
A dissertação de mestrado de Santos expôs dados alarmantes: 57% dos entrevistados, por exemplo, “pegaram carona” com alguém embriagado. Segundo o DataSUS, no Brasil, 37,3 mil pessoas morrem todos os anos no trânsito das cidades e rodovias do país. A combinação de álcool e direção, somada ao excesso de velocidade, é a principal razão dessas mortes. Ou seja, mais da metade dos baladeiros entrevistados esteve sujeita a algum acidente. O questionário mostrou que, do total de indivíduos, 27% dirigiu, de fato, carro ou moto, após sair embriagado da balada, e 8% envolveu-se em algum tipo de acidente.
Sob o efeito de álcool, 47% mantiveram relações sexuais. Desse contingente, 20% não utilizou preservativo, prática que deixa os jovens suscetíveis à transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). O projeto Balada com Ciência também evidenciou a possibilidade de violência sexual. Do número total de pessoas que se relacionaram sexualmente, 17% arrependeu-se e 5% não sabia se o sexo havia sido consensual. Houve ainda outras consequências. O envolvimento em brigas ocorreu com 11% dos baladeiros, 9% deles desmaiaram por conta do álcool, 38% não se recordavam do que havia acontecido na noite anterior e 3% entraram em coma alcoólico.
Artigos relacionados:
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Edição 11 • junho 2019