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Deserto alimentar faz soar alarme no Brasil

Comida ultraprocessada, desperdício, desigualdade econômica e modelo de produção e consumo estimulado pelo agronegócio criam um quadro de crise que afeta negativamente os indivíduos

Hildizânia Machado, mãe da pequena Francesca, com 11 meses, não perde a feira livre que acontece aos sábados a algumas quadras de sua residência, no bairro paulistano da Vila Mariana. Ela visita o mercado de seu bairro de duas a três vezes por semana e a zona cerealista de São Paulo pelo menos uma vez por mês, sempre em busca dos alimentos mais frescos para prepará-los em casa. Maria Helena, moradora do município de Santos e responsável pela alimentação da família de três filhos e cinco netos, toma o ônibus um sábado por mês em direção a um mercado atacadista para adquirir frutas e hortaliças; para voltar com as compras, paga pelo serviço de van. Aproveita as promoções de alimentos frescos no supermercado mais próximo e, durante a semana, complementa a dispensa, principalmente, com produtos ultraprocessados.

Comparando os dois casos, é possível deduzir a dificuldade de encontrar alimentos frescos a preços acessíveis e qualidade adequada em regiões periféricas de cidades brasileiras. O problema vem sendo cada vez mais documentado e caracteriza a expansão dos desertos alimentares no país, áreas em que é difícil o acesso a alimentos saudáveis, como frutas e verduras. Sua ocorrência está associada à desigualdade social e segregação espacial: nas áreas de nível socioeconômico mais baixo, verifica-se que a menor disponibilidade de frutas e hortaliças e grande oferta de itens ultraprocessados tem alterado significativamente os padrões alimentares dos moradores.

Esse processo foi observado por Paula Andrea Martins, docente do Instituto de Saúde e Sociedade (ISS/Unifesp) – Campus Baixada Santista, que examinou a associação entre o ambiente alimentar local e o consumo de alimentos ultraprocessados por mães de todas as idades e crianças de 0 a 10 anos, valendo-se da seleção aleatória de famílias provenientes de 36 setores censitários da cidade de Santos, município do litoral paulista com população total de 420 mil habitantes (IBGE, 2010). Nos Estados Unidos, um determinado local é considerado deserto alimentar caso agrupe 500 pessoas que precisem se deslocar mais de 1,5 km para ter acesso a estabelecimentos de comida saudável e nutritiva, como hortifrútis e supermercados. Já o pântano alimentar refere-se a uma área de 4 km², onde 90% dos comércios oferecem comida barata e calórica, como redes de fast-food, lojas de conveniência e pequenos mercados conhecidos por vender produtos de menor qualidade. O Brasil não possui uma definição de parâmetros para caracterização dos dois conceitos, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

Sua constatação principal foi que o fenômeno já dá sinais naquela cidade, onde estabelecimentos comerciais facilitadores da alimentação saudável são mais encontrados em regiões de maior poder aquisitivo. “Essa diferença teve impacto no consumo alimentar das crianças. Aquelas que moravam em áreas onde o acesso a produtos ultraprocessados era maior que o acesso a frutas e hortaliças tinham um consumo maior desses produtos na alimentação”, explica a pesquisadora.

 

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Oferta abundante de alimentos ultraprocessados nos mercados  a preços mais acessíveis que a alimentação in natura preocupam especialistas (imagem: Valquíria Carnaúba)

alimentos

Alimentos minimamente processados são encontrados em açougues e peixarias (imagem: Alex Reipert)

Índices alarmantes

Martins e os demais colaboradores encontraram associações significativas entre o consumo de alimentos e seu grau de processamento. Publicações anteriores, com resultados da mesma pesquisa, já haviam observado índices alarmantes de sobrepeso e obesidade nas crianças e que o consumo de itens minimamente processados liga-se a três aspectos: uso frequente de mercados especializados para comprar frutas e vegetais, hábito de caminhar durante as compras e o acesso a produtos frescos no bairro dos participantes (conforme tabela abaixo).

Já os consumidores mais propensos a adquirir ultraprocessados dificilmente encontraram pontos de venda de produtos in natura e relataram utilizar táxis para deslocamento até os estabelecimentos comerciais.

No estudo mais recente, diferentes modelos mostraram a associação de três variáveis utilizadas para caracterizar o ambiente alimentar: a proporção de comércios classificados como tendo predominantemente produtos ultraprocessados para venda na região de moradia das crianças, o número de produtos ultraprocessados vendidos nesses comércios e a proporção de ultraprocessados em relação ao total de alimentos.

A constatação dos pesquisadores foi que esses alimentos são encontrados em abundância e de forma predominante em diferentes tipos de comércio: 60,6% deles ofertam predominantemente produtos prontos para consumo (RCP) ao consumidor. Além disso, o maior consumo de RCP foi fortemente associado à maior densidade de lojas focadas no comércio de itens prontos para o consumo.

Embora os tipos mais comuns de lojas de alimentos em Santos sejam mercados de agricultores, barracas de comida fresca, confeitarias, lojas de conveniência, padarias e supermercados, foram avaliados também estabelecimentos como açougues, aviários e peixarias. As lojas de alimentos que tiveram a maior proporção de RCP foram padarias, mercearias, supermercados, confeitarias, lojas de conveniência e barracas de comida de rua. Por outro lado, os grandes responsáveis pela oferta de alimentos não processados ou minimamente processados (UF-MPF) foram mercados de produtores, barracas de alimentos frescos, açougues, aviários e peixarias, com uma maior proporção desses itens em suas prateleiras em relação aos RCPs. (conforme tabela abaixo). O resultado mais importante consiste na associação entre a disponibilidade de produtos ultraprocessados e seu consumo por crianças menores de 10 anos, avaliada por meio de modelos de análise de regressão multinível. Variáveis, como uma proporção maior de lojas focadas no comércio de alimentos industrializados (10%) e média de itens industrializados vendidos em cada estabelecimento (10%), diminuíram em aproximadamente 1,7% as chances de consumo de produtos naturais ou minimamente processados pelas crianças pesquisadas.

“Os resultados da pesquisa apontam para uma questão importante na discussão recente sobre o impacto do ambiente alimentar, pois ainda não sabemos bem em que medida o aumento da oferta de frutas e hortaliças em lojas varejistas afetam o perfil de consumo. Embora o processamento seja importante para garantir a segurança e a qualidade alimentar, sua grande oferta tem dominado o abastecimento de países desenvolvidos e em desenvolvimento, influenciando negativamente a disponibilidade de produtos frescos em lojas locais. O Censo IBGE (2010) confirma essa tendência, mostrando que os padrões de consumo das famílias são cada vez mais caracterizados pela compra frequente de alimentos pré-embalados e pré-preparados, bem como alimentos altamente processados", pondera a pesquisadora.

Alguns estudos mostram que a desigualdade socioeconômica é o fator mais determinante no consumo alimentar, considerando que as estratégias de marketing são hoje particularmente voltadas à população mais pobre e configuram uma barreira para alimentação saudável. “A questão dos desertos alimentares é mais complexa do que a simples existência de equipamentos de varejo. Algumas intervenções para promover acesso a alimentos saudáveis utilizadas em países desenvolvidos têm proposto a alocação de supermercados em áreas de desertos alimentares e essa pode não ser uma boa solução, uma vez que a presença desses estabelecimentos pode favorecer ainda mais o consumo de ultraprocessados”, discorre.

Com base nessas informações, Martins conclui que o alto consumo de industrializados deve ser tratado como um problema de saúde pública. Seu alerta confirma a crescente importância do tema, que vai ao encontro da questão da segurança alimentar. Um estudo, publicado em 2016 pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), revelou que a produção mundial de alimentos é suficiente para suprir a demanda das 7,3 bilhões de pessoas que habitam a Terra.

Apesar disso, aproximadamente uma em cada nove dessas pessoas ainda vive a realidade da fome. Entretanto, a população com acesso à comida está sujeita a uma alimentação pobre em nutrientes devido à preferência pelos ultraprocessados. O custo dessa opção (ou da falta dela) é alto: estima-se que o baixo consumo de frutas e verduras cause cerca de 2,7 milhões de mortes a cada ano e está entre os 10 maiores fatores de risco que contribuem para a mortalidade, segundo o World Health Report 2002. O anúncio foi feito no Rio de Janeiro, durante a reunião anual do Fórum Global da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre Prevenção e Controle de Doenças Não Transmissíveis.

 

Entreteses tabela

 

 

ESTABELECIMENTO
[ TOTAL 672 ]

PRODUTOS PARA CONSUMO

PRODUTOS MINIMAMENTE PROCESSADOS

Categoria de loja de alimento

% do total

% do total

% do total

Açougue, avicultura e pesca

10,7

30,6

69,4

Loja de massas frescas

1,5

90

10

Pequena loja de serviço completo, delicatessen

9,2

75,8

24,2

Padaria

17,6

100

0

Carrinho de comida de rua

0,7

100

0

Mercearia, supermercado

16,2

93,6

6,4

Loja de conveniência

4,9

100

0

Loja de produção

1,3

11,1

88,9

Mercado de agricultores, barraca de comida fresca

28,3

3,2

96,8

Loja de doces

9,5

100

0

 

Novos sistemas alimentares

Para Martins, ainda que a disponibilidade de alimentos saudáveis seja significativa em um contexto de fornecimento e preço ideais, as decisões dos consumidores estão frequentemente condicionadas à influência da propaganda e até à forma como os alimentos são comercializados, uma consequência de nosso modelo produtivo (da produção à distribuição). “O debate sobre a promoção de hábitos alimentares saudáveis deve passar obrigatoriamente pela questão da regulação da mídia, particularmente da propaganda direcionada às crianças e de um sistema de rotulagem que proteja os interesses dos consumidores.

Porém, a discussão sobre o acesso a alimentos saudáveis não pode estar desconectada da necessidade de rever o modelo atual, centrado no agronegócio e monocultura, no uso intensivo de fertilizantes químicos e pesticidas. Existe extensa documentação sobre as consequências que esse modelo produz sobre o meio ambiente, a saúde e o agravamento da desigualdade social. Mas temos também muitas evidências sobre modelos baseados na agricultura familiar, agroecologia e agricultura urbana e periurbana que podem sustentar mudanças estruturais importantes”, discorre Martins.

Porém, a discussão sobre o acesso a alimentos saudáveis não pode estar desconectada da necessidade de rever o modelo atual, centrado no agronegócio e monocultura, no uso intensivo de fertilizantes químicos e pesticidas. Existe extensa documentação sobre as consequências que esse modelo produz sobre o meio ambiente, a saúde e o agravamento da desigualdade social. Mas temos também muitas evidências sobre modelos baseados na agricultura familiar, agroecologia e agricultura urbana e periurbana que podem sustentar mudanças estruturais importantes”, discorre Martins.

Outra questão que a pesquisadora coloca é o peso das decisões políticas que desencadeiam problemas de abastecimento. “A implementação de subsídios agrícolas, por exemplo, pode favorecer o aumento da produção de monoculturas, como o milho e a soja, diminuindo muito o custo de matrizes utilizadas pela indústria alimentícia na produção de alimentos ultraprocessados. Esses, por sua vez, acabam chegando ao consumidor a um preço final falsamente barato em comparação ao de alimentos frescos, pois os baixos preços de muitos desses produtos não incluem as externalidades negativas, como os custos ambientais da sua produção ou os custos para a saúde de seu consumo habitual.

feira

A agricultura familiar responde a 70% dos alimentos consumidos no Brasil e favorece a expansão das feiras livres (imagem: Valquíria Carnaúba)

Sacos de arroz

Alimentos como arroz, feijão, leite, especiarias e farinhas enquadram-se no grupo de alimentos minimamente processados (imagem: Valquíria Carnaúba)


MODELO DO AGRONEGÓCIO ESTIMULA ABANDONO DE HÁBITOS SAUDÁVEIS

No Brasil, o surgimento dos desertos alimentares é ainda mais complexo, pois está ligado às mudanças na produção e abastecimento de alimentos. De um lado, a expressiva agropecuária brasileira e o desperdício de alimentos destoam de um suposto cenário de escassez. De outro, publicidade, mudanças na cultura alimentar, ritmo de vida e até a “indústria do saudável” – alimentos falsamente naturais, como barras dietéticas – são fatores diretamente atrelados ao abandono de hábitos alimentares saudáveis.

Segundo a pesquisadora Paula Andrea Martins, as intervenções destinadas a promover a aquisição de alimentos menos processados, em ambientes como o de Santos, devem passar por mudanças na forma como estão organizados os sistemas alimentares atualmente, envolvendo questões como o modelo de produção, distribuição e transporte e comercialização dos alimentos.

O tema começa a receber maior atenção dos órgãos da administração pública federal, mas carece de dados atualizados para uma avaliação precisa sobre a desertificação alimentar no Brasil. Os levantamentos mais recentes que apresentam os dados do cenário alimentício brasileiro, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), datam de 10 anos, a exemplo da Pesquisa de Orçamentos Familiares e do Censo Agropecuário. Um obtém informações gerais sobre hábitos de consumo e despesas, gerando bases de dados e estudos sobre o perfil nutricional da população, o outro permite conhecer, entre outros pontos, o nível de produção da atividade agropecuária brasileira.

Entretanto, uma Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil, divulgada em 2011 pelo órgão, baseada na Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2009, fornece pistas sobre o fenômeno no país ao apontar que as zonas urbanas brasileiras consomem mais alimentos processados. Os dados mostram que a população na zona rural consome diariamente mais arroz (181,2 g contra 156,2 g), feijão (208,1 g contra 177,9 g), peixes frescos (53,5 g contra 17,5 g) e farinha de mandioca (19,1 g contra 4,7 g), manga (10,7 g contra 3,5 g), açaí (6,8 g contra 2,2 g) e batata-doce (4,3 g contra 2,1 g). Já na área urbana destacam-se refrigerantes (105 g contra 42,7 g), pão de sal (56,9 contra 33,4 g), cerveja (33,8 g contra 17,5 g) e sanduíches (13,5 g contra 2,2 g).

Mais recentemente, órgãos como o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) começam a se antecipar na discussão do assunto. Em 2017, o MDS realizou a primeira oficina de trabalho Desertos Alimentares no Brasil, com a finalidade de construir uma metodologia que permita mapear os desertos alimentares e oferecer informações que subsidiem a adoção de políticas públicas de promoção do direito à alimentação adequada e saudável e de prevenção ao sobrepeso e à obesidade.

Todas essas ações serão importantes para compreender e combater o fenômeno e como atinge o país. Além de ser considerado o terceiro maior exportador de produtos agrícolas do mundo, de acordo com a Organização Mundial do Comércio (2015), o Brasil assumiria a liderança das exportações mundiais do setor agrícola em 2024, segundo projeções da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A produção, no entanto, é voltada ao agronegócio mundial, com destaque para soja, milho, laranja, cana-de-açúcar, algodão, mandioca e café. Uma alimentação balanceada é composta por muito mais ingredientes, lacuna preenchida atualmente pela agricultura familiar.

A categoria, na qual se inserem os produtores rurais assentados, responde por 70% dos alimentos consumidos no Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), entram nesse montante itens como mandioca (87%), feijão (70%), carne suína (59%), leite (58%), carne de aves (50%) e milho (46%). Por isso, a percepção do órgão é que a oferta de alimentos à população é mais impactada onde há grande concentração de famílias assentadas.

"Há municípios que cresceram e se desenvolveram graças à reforma agrária. Podemos citar como exemplos os paulistas Promissão (834 famílias assentadas), Castilho (966 famílias assentadas) e Andradina (559 famílias assentadas). Tais cidades se inserem em regiões que se caracterizavam por pecuária extensiva e os assentamentos proporcionaram a diversificação da produção agropecuária. Em muitos casos, a reforma agrária possibilitou o ressurgimento das feiras livres, que é uma forma de venda direta ao consumidor, sem atravessadores e, portanto, a preços mais justos para ambas as partes", afirma a Assessoria de Imprensa do Incra.

A importância da proximidade entre centros produtores e consumidores é realçada pelo gargalo que os produtores rurais enfrentam hoje ao distribuir sua produção. Nos centros urbanos, por exemplo, os alimentos chegam principalmente pelas rodovias, etapa que impõe muitos desafios relativos à melhoria do escoamento da safra, processamento e transporte dos alimentos até o varejo.

A importância da proximidade entre centros produtores e consumidores é realçada pelo gargalo que os produtores rurais enfrentam hoje ao distribuir sua produção. Nos centros urbanos, por exemplo, os alimentos chegam principalmente pelas rodovias, etapa que impõe muitos desafios relativos à melhoria do escoamento da safra, processamento e transporte dos alimentos até o varejo.

Quando o produtor perpassa essa fase e os alimentos alcançam as regiões mais distantes, são os entrepostos comerciais que assumem o papel estratégico no escoamento de alimentos para a população. A Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), maior entreposto de frutas e verduras da América Latina, representa um importante elo na cadeia de abastecimento de produtos hortícolas, possibilitando que a produção do campo, proveniente de vários estados brasileiros e de outros países, chegue à mesa do consumidor final.

“O produtor/fornecedor entra pelas portarias com a nota fiscal destinada ao permissionário Entreposto Terminal São Paulo (ETSP), que vende seus produtos aos respectivos clientes, como supermercados e quitandas”, explica a Assessoria de Imprensa da companhia.

O espaço destinado à produção rural familiar e as vias de escoamento desses alimentos podem ter sido determinantes no contexto do avanço da desertificação alimentar. Não obstante, o fenômeno avança paralelamente à desaceleração da reforma agrária, que teve seu pico entre os anos de 1996 e 2006 (conforme gráfico abaixo fornecido pelo Incra). "A estrutura fundiária brasileira pouco se alterou ou mesmo manteve uma tendência concentracionista". O órgão alega que, nos últimos 10 anos os investimentos federais se concentraram no desenvolvimento dos assentamentos e aumento da produção, com destaque para os programas de compras institucionais que favorecem o escoamento, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

No entanto, considerando que a população brasileira aumentou em 23,7 milhões nos últimos 10 anos, passando de um total de 183,9 milhões para 207,6 milhões (IBGE 2017), é possível deduzir que para o abastecimento da mesa dos brasileiros se manter no mesmo ritmo, a produção do campo deveria acompanhar esse crescimento ou pelo aumento das áreas de produção familiar ou pelo avanço da reforma agrária.

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REDUÇÃO DO DESPERDÍCIO É UM GRANDE DESAFIO

Segundo a Embrapa, a escassez de alimentos pode ser atenuada com a adoção de medidas de combate ao desperdício de alimentos, à infraestrutura inadequada na etapa de produção e com medidas educativas para mudar o comportamento do consumidor brasileiro.

“Sabemos que as perdas começam ainda nas propriedades rurais por fatores diversos, desde o ataque de pragas até a questões comportamentais ou de mercado. Já na etapa de consumo, o brasileiro valoriza a abundância à mesa, gosta de fazer grandes compras mensais, e nem sempre planeja a compra ou está disposto a reaproveitar as sobras das refeições”, explica Gustavo Porpino, analista da Embrapa.

Ele ressalta que o Brasil ainda carece de um levantamento abrangente que determine com precisão o quanto se perde, mas traz dados como os da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) para a América Latina, que apontam um desperdício de alimentos na casa dos 28% em países latino-americanos, e os da Associação Brasileira de Supermercados, entidade que em 2016 contabilizou que o varejo nacional jogou fora o equivalente a R$7,1 bilhões em alimentos. Não obstante, afirma que o desperdício abrange tanto alimentos naturais, mais sujeitos ao descarte ainda na etapa de produção ou por deficiências no escoamento da safra, quanto industrializados, que tendem a ser mais descartados em razão do prazo de validade e do preparo em excesso. “Por vezes, determinada associação de produtores tem que atender aos padrões de qualidade de grandes redes varejistas e termina jogando fora parte da produção apenas por questões estéticas”.

Para reduzir o desperdício, tanto dos alimentos naturais quanto dos industrializados, Porpino afirma que a posição da Embrapa é de defesa de caminhos que visem à aproximação dos elos da cadeia, ao fortalecimento dos bancos de alimentos e da aprovação de leis de fomento às doações. “O varejo tem papel importante por estar posicionado entre o produtor e o consumidor. Pode influenciar toda a cadeia e sairá ganhando se o consumidor passar a desperdiçar menos. É errado afirmar que supermercados venderão menos se o consumidor reduzir o desperdício. O mais provável é a compra de alimentos se tornar mais diversificada em um cenário com menor desperdício”.

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imagem: Valquíria Carnaúba


PESQUISA CONSIDERA DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS

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Paula Andrea Martins, docente do Instituto de Saúde e Sociedade (ISS/Unifesp) – Campus Baixada Santista (imagem: Arquivo pessoal)

 

Para participar do estudo foram selecionadas mães de crianças entre um e dez anos de idade, excetuando-se mulheres com alguma condição de saúde que pudesse afetar seu estado nutricional (gravidez, diagnóstico de HIV positivo, neoplasia ou ter sido submetida à cirurgia bariátrica). "Utilizamos esses critérios pois o grupo materno-infantil constitui prioridade na investigação em saúde pública, devido aos possíveis efeitos intergeracionais da alimentação”, pontua a pesquisadora Paula Andrea Martins.

A amostra final consistiu em uma média de 16 entrevistas domiciliares por setor censitário (n = 538), com taxa de resposta de 70,3%, realizadas entre janeiro e dezembro de 2010. Para a abordagem, Paula utilizou o método de inquérito alimentar chamado Recordatório 24h, e um instrumento para avaliar o ambiente alimentar de cada família por meio de um inventário a disponibilidade, qualidade e preço de 31 grupos de produtos de alimentos, incluindo: grãos refinados, grãos integrais, cereais matinais, pães brancos, pães integrais, farinha, macarrão, alimentos prontos para consumo. A maioria das mães estudou além do ensino fundamental (82,7%) e a média de escolaridade para todos os setores censitários da cidade foi de 8,8 anos.

A pesquisadora considerou composição familiar, posse de bens, condições de moradia, condições de saneamento e nível de escolaridade da mãe. A condição socioeconômica da família foi definida de acordo com o Critério de Classificação Socioeconômica Brasileira, baseada na posse de bens (TV, rádio, carro, aspirador de pó, videogravador e/ou leitor de DVD, geladeira, congelador e máquina de lavar), utilização de serviços domésticos, características da casa (número de banheiros) e nível de escolaridade do chefe da família.

A maioria dos agregados familiares entrevistados eram das classes econômicas B e C, tinham pelo menos um veículo, e a maioria tinha mais de um residente por quarto. Grande parte das mulheres da amostra trabalhava fora de casa e concluíra o ensino médio.

Alimentos Consumidos: Alimentos Consumidos: "As participantes relataram consumo alimentar das crianças no dia anterior à pesquisa, em duas visitas realizadas com 15 a 90 dias de intervalo".

Ambiente Alimentar: “Avaliamos quase todos os comércios de alimentos da área urbana de Santos (exceto nos morros). Utilizamos um instrumento no qual registramos a disponibilidade, qualidade e preço de alimentos distribuídos em 31 grupos e classificados de acordo com o grau de processamento industrial dos alimentos. Registramos as coordenadas geográficas de todos os comércios avaliados com uso de um GPS e essa informação foi utilizada para avaliar o ambiente próximo ao domicílio dos participantes”.

Grau de processamento: "Os alimentos consumidos foram classificados em conformidade com o Guia Alimentar para a População Brasileira (2014). Antes de ser publicada no guia, utilizamos o trabalho do grupo que a produziu, coordenado por Carlos Augusto Monteiro, docente na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), que classificava os alimentos em três grupos: o primeiro formado por alimentos não processados ou minimamente processados, como frutas e verduras, mesmo que tenham sido lavadas ou cortadas. Os sucos naturais sem adição de açúcar também fazem parte desse grupo. O segundo foi composto por alimentos considerados ingredientes para preparações culinárias, como açúcar, óleos e massas cruas. O terceiro incluía alimentos prontos para o consumo, como preparações prontas congeladas, biscoitos e doces, macarrão instantâneo e carnes processadas, como nuggets, salsicha e embutidos”.

Análise dos dados: Análise dos dados: A quantidade de alimentos e bebidas consumidas pelas crianças foi classificada de acordo com o grau de processamento. Os comércios e os alimentos disponíveis foram classificados utilizando-se a mesma referência. Medimos a associação entre disponibilidade no ambiente alimentar de moradia e consumo alimentar das crianças com modelos de análise de regressão linear multinível, apropriados para esse desenho de estudo.


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VEDOVATO, G. M.; TRUDE, A. C. B.; KHARMATS, A. Y.; MARTINS, P. A. Degree of food processing of household acquisition patterns in a Brazilian urban area is related to food buying preferences and perceived food environment. Appetite, v. 87, p. 296-302. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25576022