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Agora elas podem brincar!

O programa de extensão Mao3D, com foco na reabilitação infantil, já atendeu 13 crianças no país, número que pode crescer nos próximos anos a partir de parcerias

Fotografia de uma impressora 3D

João Vítor, oito anos, morador do interior de Rondônia. Raquel, sete anos, moradora de Manaus (AM). Ele, em razão de uma infecção, perdeu parte dos membros superiores e inferiores. Ela nasceu com malformação no braço em consequência de uma síndrome genética rara. O encontro das histórias de superação e transformação de João e Raquel se dá na Unifesp, precisamente no Laboratório de Órteses e Próteses 3D do Grupo de Pesquisa Biomecânica e Forense do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT/Unifesp) - Campus São José dos Campos. Nesse laboratório funciona o Mao3D de Protetização e Reabilitação de Amputados, programa de extensão que, com ciência e tecnologia, promove uma ação de relevante impacto social, tornando realidade o sonho de uma vida mais inclusiva.

Idealizado em 2015 por Maria Elizete Kunkel, professora de Engenharia Biomédica, que desde então coordena o programa, o Mao3D nasceu com foco na reabilitação de crianças. Seu modelo foi inspirado no trabalho desenvolvido pela ONG norte-americana E-Nable, que fabrica e disponibiliza próteses de mão feitas por impressão 3D, recuperando pacientes por todo o mundo. “Decidimos focar o público infantil justamente para amenizar o vácuo deixado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nesse tipo de atendimento”, ressalta Kunkel. No Brasil, o sistema de saúde pública geralmente não fornece próteses de membro superior para essa faixa etária, sob a alegação de que, além de caras, são utilizadas por pouco tempo, uma vez que as crianças crescem rapidamente.

As peças são fabricadas de acordo com o tipo de amputação e fixadas ao braço com velcro, sem componentes eletrônicos, o que torna a produção barata e simples. A prótese é feita em uma impressora 3D de baixo custo, utilizando-se aproximadamente 300 gramas de um filamento plástico. De acordo com Kunkel, a movimentação da prótese obedece ao movimento do punho ou do cotovelo, em um processo semelhante à ação dos tendões da mão. Assim, ao dobrar o punho ou o cotovelo, a criança consegue flexionar os dedos pelos fios.

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Marco para o Mao3D

Das 15 próteses desenvolvidas pela equipe nos quatro anos de atividade, 13 destinaram-se a atender a um anseio infantil, como o de João Vítor, que sonhava em brincar com bola, e o de Raquel, que desejava participar das aulas de educação física com seus colegas de escola. Essas histórias representam um marco para o programa Mao3D: após a produção das peças, a equipe aperfeiçoou procedimentos e iniciou uma nova fase, com a utilização da telemedicina para a aquisição dos parâmetros da criança, o que permite – portanto – efetuar o atendimento remoto.

“Para isso, desenvolvemos um protocolo que nos possibilita realizar a entrevista inicial, as medições necessárias por meio de fotografias e projeções de imagem com o uso de um programa de computador e a consulta psicológica, até culminar na entrega da prótese e na reabilitação”, explica a coordenadora. A evolução do atendimento fez com que o programa se expandisse para outras regiões do país. Atualmente, o grupo desenvolve duas peças destinadas a crianças de Minas Gerais.

Equipe apaixonada e comprometida

Atualmente, o Mao3D atende um paciente por mês. O ciclo completo, que engloba a escolha do paciente, medições iniciais, produção e entrega da prótese, eventuais ajustes na peça, acompanhamento psicológico e reabilitação, demora cerca de quatro semanas. Para realizar todo esse complexo processo de readaptação individual, Kunkel conta com parceiros, como a psicóloga Sandra Rodrigues e uma equipe formada por 25 alunos, apaixonados e comprometidos com o projeto.

Israel Toledo Gonçalves, 45 anos, é um dos estudantes do programa de mestrado profissional interdisciplinar em Inovação Tecnológica do ICT/Unifesp e integrante do Mao3D há quatro anos. “Cheguei aqui movido pela curiosidade em saber como era abordada a questão da tecnologia assistiva que utiliza a impressão 3D e como esta era empregada na reabilitação de pessoas. Sigo totalmente envolvido no projeto e em sua valiosa missão de integrar conhecimento, ciência e tecnologia para fazer o bem. É incrível experimentar essa capacidade de transformação que o programa viabiliza. Com tecnologia e expertise, atendemos pessoas sem condições financeiras e, por meio da reabilitação, conseguimos inseri-la na sociedade. Isso não tem preço”, destaca Gonçalves.

Outra estudante do mesmo programa de mestrado que integra a equipe e faz coro a Gonçalves é Tainara dos Santos Bina, 24 anos. “Trata-se de um projeto extremamente significativo, com forte impacto na sociedade. Afinal, para a maioria de nós, lavar o rosto, escovar os dentes e pentear o cabelo são tarefas rotineiras que fazemos automaticamente. Porém, para quem não tem uma das mãos, são tarefas inviáveis. Com a nossa contribuição, tais ações tornam-se parcialmente possíveis, o que faz toda a diferença na vida dessas pessoas.”

A empolgação e o brilho nos olhos dos mais velhos também motivam os recém-chegados à universidade. Rodrigo Costa Ribeiro, 20 anos, cursa o segundo ano do bacharelado em Ciência e Tecnologia e pretende seguir a área de Engenharia Biomédica. “Minha grande motivação ao fazer parte desse grupo está relacionada não apenas ao desejo de ser cientista, que me acompanha desde a infância, mas também à intenção de dar uma contribuição social. Acredito ser fundamental que a universidade confira a seus projetos de extensão um caráter social. É uma forma de devolver à sociedade todo o conhecimento gerado aqui dentro. É exatamente o que acontece no caso do Mao3D.”

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Integrantes da equipe do Mao3D / Fotografia: Alex Reipert

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Raquel, orgulhosa com as novas possibilidades, depois de receber a prótese / Fotografia: Mao3D

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João Vitor, acompanhado por parte da equipe do Mao3D: (da esquerda para a direita) Israel Toledo Gonçalves, André Mendes e a professora Maria Elizete Kunkel, idealizadora do Mao3D / Fotografia: Mao3D

Programa em crescimento

Enquanto trabalha para ampliar a produção e o acesso às próteses, agregando voluntários e parceiros à equipe, o programa Mao3D serve de modelo a outros tipos de tecnologia assistiva. Já estão em fase de produção próteses de orelha e de nariz feitas de silicone, além de peças removíveis para o quadril, que podem substituir o gesso no tratamento de displasia.

“Essa expansão é o resultado natural da dedicação com que a equipe atende cada criança, desenvolvendo a prótese de acordo com as respectivas necessidades e desejos”, celebra Kunkel.

Hoje, o Mao3D é referência na atividade – cada vez mais sofisticada – que executa. Constantemente é procurado por entidades internacionais, como as da Índia, Indonésia, Angola e África, interessadas em compreender a complexidade envolvida em todo o processo descrito, desde o atendimento inicial, feito a distância, até a adaptação da criança a uma vida repleta de novas possibilidades.

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Prótese, simples e eficiente, produzida pelo Mao3D / Fotografia: Alex Reipert

 

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EntreTeses edição 13

Unifesp 25 anos de inserção na sociedade
Edição 12 • novembro 2019