Hoje, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 207 milhões de pessoas vivem no Brasil. Dessas, 50,65% são mulheres. Apesar da igualdade de sexo na população praticamente existir em termos percentuais, esse valor não se reflete nas relações sociais de gênero, sobretudo no mundo corporativo. Diante desse cenário, Elizabeth Queijo, pesquisadora em Letras da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos, discute as tensões em torno das relações sociais de sexo no universo corporativo, tendo em vista os anúncios em revistas de negócios.
“Muito se diz sobre as transformações em relação à condição feminina, mas, estudos revelam que, apesar de hoje serem mais escolarizadas e maioria nas universidades, as mulheres ainda ganham menos que os homens, encontram mais resistência para se inserirem no mercado de trabalho, ocupam postos menos privilegiados e estão concentradas em carreiras ditas femininas”, pontua.
Motivações pessoais, além do interesse acadêmico, despertaram o interesse de Elizabeth. “A ideia surgiu a partir da experiência em um ambiente corporativo ainda refratário a algumas transformações, fosse pela persistente diferença salarial ou pelos cargos de liderança, que se restringiam ao Marketing ou aos Recursos Humanos, considerados como áreas de apoio ao negócio. Não posso deixar de mencionar as piadas sobre a contratação ou a promoção de uma funcionária, adjetivos como ‘mandona’ ou ‘mulher-macho’ às gestoras, exigências estéticas e manifestações de assédio sexual. A vivência profissional desse espaço como mulher apontava para um cenário complexo e cheio de detalhes”.
A análise foi feita a partir de duas publicações brasileiras de grande circulação voltados ao universo corporativo, entre o período de abril de 2013 a abril de 2015. O material coletado totaliza 75 edições de ambas as publicações com 3.570 anúncios em suas páginas.
A dissimetria entre homens e mulheres pode ser exemplificada por uma publicidade de um banco. O enunciado apresenta seis personagens (duas mulheres e quatro homens), sugerindo que cada um deles represente diferentes ambientes de trabalho e profissões. Dois deles são nitidamente cozinheiros, mas, pelas roupas, conclui-se que a mulher é auxiliar e o homem é chef. Os demais rapazes estão caracterizados em espaços mais valorizados socialmente (escritório, escola de idiomas e veterinária), enquanto a segunda mulher remete a um salão de beleza.
Há discrepâncias até dentro do próprio gênero feminino. Alguns anúncios expõem a imagem de diferentes modelos, mas todas jovens, loiras, de olhos azuis e magras, sobretudo os de uma mesma marca de roupas. “A distinção pode ser percebida visualmente na totalidade das propagandas veiculadas no período observado, isto é, trata-se majoritariamente de enunciados com mulheres não-negras”, comenta a pesquisadora. Entretanto, as ideias de comunidade, famílias de baixa renda ou pessoas que buscam o empreendedorismo apontam quase sempre para um recorte de raça/etnia, ou seja, mulheres negras. “Parece pertinente dizer que determinados traços físicos, bem como atribuições que sugerem classe social mais baixa limitam ainda mais a possibilidade de representações de avanço atrelados ao tipo de imagens de mulher que fogem do modelo legitimado pela sociedade”.
Dentre os valores atribuídos às mulheres, os principais pontos abordados são: a vinculação com a feminilidade e sensualidade, a busca do ser bela (corpo perfeito e vestimenta impecável), a representação da mulher sob o olhar do homem, a nudez implícita, as atribuições para o gênero e o desconhecimento em tarefas impostas como masculinas. “Nota-se a presença de imagens femininas quantitativa e qualitativamente menos expressivas e, mesmo que relacionadas ao ambiente de trabalho, são homogêneas e utilizam da beleza e do erotismo. As valorações, como os conceitos teóricos de separação e hierarquização do trabalho, estão cristalizadas e organizam a estrutura da cadeia discursiva, não admitindo qualquer mudança e fundindo-se como fenômenos da vida de forma implícita”, pontua.
Os enunciados publicitários integram, portanto, os discursos da sociedade e funcionam como vetores de transformação nas relações sociais de sexo quando mobilizam avanço em relação às mulheres e o mundo do trabalho – como a representação daquelas que buscam ser empreendedoras –, mas, por outro lado, tentam ainda estabilizar valores cristalizados e conservadores – o modelo de mulher que consegue conciliar profissão e lar, por exemplo. “É preciso reconhecer que as diferenças ainda se sustentam para que possamos superar essas dissimetrias. Declarar que as mulheres avançam não faz sentido se avanços não fossem considerados necessários. A igualdade social não se confunde com o não reconhecimento de diferença entre homens e mulheres, ao contrário, a busca por uma igualdade exige o reconhecimento dessas diferenças. Os resultados são um tanto pessimistas, mas uma ‘aposta’ teórica da pesquisa no campo discursivo é a ideia do devir como algo transformador”, finaliza.
Pesquisadora analisa as tensões em torno das relações sociais de sexo no universo corporativo
Estudo da EFLCH/Unifesp observa os avanços e as assimetrias habitadas no conteúdo de propagadas de publicações brasileiras
Por Juliana Narimatsu
Publicado em 08 March 2017 13:47 | Última modificação em 22 April 2024 17:07