Uma pesquisa da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) - Campus São Paulo, realizada durante o período de pandemia da covid-19, apontou que o isolamento social agravou a situação de insegurança alimentar de comunidades em situação de vulnerabilidade social, além de refletir na saúde mental dessas pessoas. Essa foi a indicação de um estudo realizado pelos departamentos de Medicina Preventiva, representado pelas docentes Elke Stedefeldt e Luciana Tomita, e de Fisiologia, do qual pertence a professora Maria do Carmo Pinho Franco, coordenadoras do estudo.
Intitulado Insegurança alimentar em comunidades vulneráveis durante a pandemia covid-19: diagnóstico, análise, monitoramento e recomendações, o trabalho, que contou com o apoio do Observatório de Olho na Quebrada, da comunidade Nova Heliópolis, consistiu no envio de um questionário on-line, validado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que visava identificar aspectos relacionados à insegurança alimentar, como o receio de a comida acabar durante a pandemia, se tiveram de reduzir a quantidade de refeições, entre outros. As pesquisadoras receberam 770 respostas entre os dias 30/4 a 5/5 de 2020. Os resultados indicaram que 98% das famílias apresentaram algum nível de insegurança alimentar, 89% das famílias são chefiadas por mulheres, com idade média de aproximadamente 33 anos e que moram em casas com média de quatro pessoas e renda per capita de R$ 381,64.
Luciana Tomita observa que o isolamento e a consequente queda da renda agravou esse quadro, fazendo com que as famílias recorressem cada vez mais aos alimentos ultraprocessados, encontrados com mais facilidade nos pontos de venda. "O impacto do isolamento na renda foi notado logo na primeira semana. Se o acesso à alimentação saudável já era difícil antes, imagine agora?". O fechamento das escolas também contribuiu para que a alimentação não ocorresse da forma adequada. "Muitas das crianças tinham a alimentação escolar como uma das principais refeições diárias", aponta Elke Stedefeldt.
Reflexos na saúde mental
Junto com o questionário de identificação da segurança alimentar, foi enviado outro, que tinha por objetivo avaliar a saúde mental dos entrevistados e mapear a situação frente à pandemia. "Percebemos um impacto muito grande. Essa população, que já passava por dificuldades antes do isolamento, perdeu um pouco da alegria", comentou Maria do Carmo Pinho Franco.
Continuidade dos trabalhos
Os dados coletados pelas pesquisadoras apontam também a necessidade de uma ação contínua na questão alimentar, em parceria com as instituições locais. Alguns projetos que já são desenvolvidos nas comunidades do Heliópolis e na Vila São José junto ao Programa Comunitário da Reconciliação, coordenados, respectivamente, pelas docentes Luciana Tomita e Elke Stedefeldt, promovem a interação de graduando e pós-graduandos da Unifesp com os moradores em ações de doação de frutas, verduras e legumes durante o período de pandemia coordenado pelo projeto de extensão Compostagem, horta e jardinagem, que doou mais de uma tonelada de verduras, legumes e frutas para as comunidades em situação de vulnerabilidade. Esses projetos ajudam a comunidade a ter melhor acesso à uma alimentação saudável e são desenvolvidos com apoio das lideranças comunitárias. A pesquisa conta com a participação dos pesquisadores Aluízio Marino, Catarina Vezetiv Manfrinato, Ester Cristina Eckel Cea, Luiz Alberto França Alves e Vitoria Ferreira Conde.
- 770 chefes de família responderam;
- 89% são mulheres;
- Idade aproximada de 32,86 anos;
- Moram em casas com 3,8 moradores;
- 36% têm ensino médio completo e 21% fundamental incompleto;
- Renda per capita de R$ 381,64;
- 38% atuam nos serviços gerais, 27% atividades técnicas/vendas, 22% do lar/desempregados;
- 23% recebem bolsa família;
- 216 dos chefes de família solicitaram auxílio emergencial de R$600,00 e apenas 32% foram contemplados;
- 94% das famílias têm crianças;
- 98% das famílias estão em situação de insegurança alimentar;
- 24% se preocuparam que os alimentos pudessem acabar antes de comprar ou receber; - 43% realizam duas refeições/dia;
- 66% reduziram a quantidade de refeições;
- 46% não estão realizando refeição saudável e variada;
- Itens apontados como necessários foram: leite (49%) e demais alimentos (45%);
- 24% solicitaram verduras, legumes e frutas;
- A maioria compra alimentos no bairro (72%), mensalmente (66%) no sacolão (54%), mercado ou quitanda (47%);
- 98% reportaram que os preços aumentaram.