Dois estudos realizados pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e conduzidos pelos psiquiatras Jair Mari, Elson Asevedo e Denisse Jaen-Varas revelam que, entre os anos de 2006 e 2015, as taxas de suicídio em adolescentes no Brasil aumentaram 24%. Indicadores socioeconômicos, particularmente desigualdade social e desemprego, foram considerados determinantes sociais relevantes nesse tema. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é responsável por 800 mil mortes anualmente. Na faixa etária de 15 a 29 anos, é a segunda principal causa de morte.
Os levantamentos, publicados na revista científica Brazilian Journal of Psychiatry e na Current Opinion in Psychiatry, foram realizados em seis grandes cidades brasileiras (Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo). Cada metrópole deveria ter dados completos sobre as taxas de suicídio de adolescentes, Produto Interno Bruto (PIB), desigualdade social (medida pelo índice de Gini) e desemprego entre janeiro de 2006 e dezembro de 2015. Adolescentes de 10 a 19 anos de cada cidade foram incluídos na análise. As idades foram estratificadas de acordo com os limites cronológicos da adolescência da OMS: 10 a 14 para adolescentes jovens e 15 a 19 para adolescentes mais velhos.
De acordo com as pesquisas, níveis mais altos de desemprego foram associados a maiores taxas de suicídio. “Sentimentos de desesperança e inutilidade, que frequentemente ocorrem em quadros depressivos, são frequentemente vistos como mecanismos psicológicos desencadeantes do comportamento suicida. Esses mesmos sentimentos parecem muito prevalentes na geração de jovens desalentados, sem propósitos claros, que nem trabalham nem estudam”, analisa o psiquiatra Elson Asevedo.
Desalentados são os que desistiram de procurar trabalho e, por isso, saíram das estatísticas do desemprego. O Brasil tem 4,6 milhões de desalentados e 3 milhões sem emprego há mais de dois anos, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela também que 23% (dois em cada dez) dos jovens brasileiros não trabalham e nem estudam (os chamados jovens "nem-nem").
Segundo o professor Jair Mari, do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp), o jovem enfrenta um mercado de trabalho com baixas ofertas e um momento de mudanças tecnológicas que exigem cada vez mais qualificação diferenciada em escolas despreparadas. “Nos extratos de baixa renda esses problemas se acentuam, o que pode induzir jovens a buscar alternativas como o tráfico de drogas e a prostituição infantil”, acredita Mari. “A desigualdade social, os altos índices de violência e a expansão do mercado de drogas são fatores que se interpenetram e, a partir deles, surgem casos de risco ao suicídio”, complementa o pesquisador.
A OMS determinou a redução das taxas de suicídio em 10% até 2020 como um imperativo global. “Um possível antídoto para essa experiência de não pertencimento, desesperança e inutilidade vivida pela geração 'nem-nem' é o desenvolvimento de um sentido para a existência, que idealmente transcenda valores puramente individuais. Esse sentido pode estar relacionado a valores familiares, culturais, filosóficos, religiosos e pode representar um fator de proteção para prevenir o suicídio, mesmo em pessoas expostas a fatores de risco”, conclui Asevedo.