Pesquisadores do Brasil e do Reino Unido usaram uma escala com parâmetros psicométricos bem estabelecidos para estudar a sensibilidade de cães a recompensas (tendência a alta energia/vitalidade versus depressão) e a aversivos (tendência a medo/ansiedade versus coragem/calma), desenvolvida no Reino Unido, e a adaptaram para ser usada no Brasil. Até então, muitas pessoas assumiam que bastava traduzir uma escala desenvolvida em outro país e usá-la, mas esse estudo mostra que é necessário ir além.
O novo estudo publicado na Scientific Reports, uma revista científica do grupo Nature, mostrou como devemos adaptar instrumentos (questionários) que usamos para avaliar o temperamento de cães de acordo com a cultura onde o instrumento será usado.
A professora Carine Savalli, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), primeira autora do artigo ressalta: “Somente a adaptação cultural e a validação estatística podem garantir que o instrumento usado é, de fato, apropriado”. Por exemplo, uma questão usada na versão em inglês pergunta sobre o comportamento do cão no jardim; essa questão, no entanto, não se mostrou importante na versão brasileira, provavelmente, porque a vida de cães em casas com jardins é menos comum no Brasil que no Reino Unido.
Com os devidos ajustes, os pesquisadores estabeleceram uma versão adaptada do instrumento, apropriada para ser utilizada no Brasil. A professora Carine enfatiza ainda que o estudo apresenta implicações teóricas e práticas: “O Brasil tem uma população enorme de cães; há mais cães do que crianças nos lares brasileiros, de acordo com estatísticas oficiais. Uma parcela considerável dessa população é de cães sem raça definida, muitos já viveram nas ruas. Esse perfil particular requer estudos específicos para compreendermos as tendências comportamentais dos cães no nosso país”.
A partir do instrumento validado, os pesquisadores observaram que, no Brasil, cães de mulheres, cães castrados e os que vivem sem a companhia de outro cão são mais medrosos; eles também encontraram que cães mais velhos apresentam menor energia e um risco potencial maior de desenvolver depressão. No entanto, a tendência a ser mais entusiasmado e cheio de energia é mais relatada em cães que vivem dentro de casa (o que é regra no Reino Unido, mas menos comum no Brasil). Um resultado que chamou a atenção dos pesquisadores é que cães sem raça definida são, ao mesmo tempo, mais medrosos, mas também mais cheios de energia e entusiasmados do que os cães de raça.
Comentando o estudo, o professor Daniel Mills, da Universidade de Lincoln, que desenvolveu o instrumento original em inglês e é coautor desse novo estudo, disse: “Se quisermos entender o mundo emocional de animais como os cães, é importante termos instrumentos que possam ser usados em diferentes culturas. Estamos no momento de ver mais claramente quais os fatores que afetam o temperamento dos cães e o que há de semelhanças e diferenças entre diferentes países e culturas, que aspectos são únicos em cada caso. Infelizmente, a popularidade dos instrumentos não está vinculada à sua validade, e muitas pessoas somente traduzem os instrumentos de uma língua para outra e assumem que as versões estão medindo as mesmas coisas, com o mesmo grau de acurácia. Esta pesquisa define um novo padrão de avaliação, que garante dados com qualidade para estudarmos o temperamento dos cães”.