Agradecemos a Zysman Neiman, pesquisador e professor associado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que efetuou a revisão técnica deste artigo. O docente foi um dos redatores do tema transversal voltado ao Meio Ambiente, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental do MEC (1998), e atualmente preside o Conselho Curador do Instituto Physis - Cultura & Ambiente e a Sociedade Brasileira de Ecoturismo (SBEcotur), uma entidade científica. É autor de diversos livros nas áreas de Ecologia, Educação e Meio Ambiente, além de editor-chefe da Revista Brasileira de Ecoturismo (Qualis B1) e da Revista Brasileira de Educação Ambiental (Qualis B2).
É fato aceito pela maioria da comunidade científica – embora contestado por uma parcela de seus membros – que as mudanças climáticas são produzidas pela atividade humana, gerando graves consequências para o meio ambiente como: perda da biodiversidade, acidificação de oceanos, colapso de ecossistemas, extinção de espécies, derretimento de geleiras e mantos de gelo das regiões polares (com a consequente elevação dos níveis do mar e avanço sobre ilhas e zonas litorâneas), surgimento cada vez mais frequente de pandemias e repetição de eventos extremos como secas prolongadas, chuvas torrenciais e tufões. De acordo com Yuval Noah Harari, autor do livro 21 Lições para o Século XXI, “se continuarmos no curso atual, isso [degradação de habitats e extinção de animais, plantas e ecossistemas] não apenas causará a aniquilação de um grande percentual de todas as formas de vida como poderá também solapar os fundamentos da civilização humana”.
As pandemias estariam ligadas às mudanças climáticas e, principalmente, à perda do habitat natural de animais silvestres, devido ao desmatamento; esses animais, então, aproximar-se-iam de assentamentos humanos, transmitindo doenças. A escritora e repórter Eliane Brum, em seu artigo O Futuro Pós-Coronavírus Já Está em Disputa, publicado em abril de 2020 no jornal El País, aponta que a chegada da covid-19 pode ser considerada o maior desafio do século XXI. A gripe espanhola, em 1918, que guarda certas semelhanças com a atual pandemia, matou de 17 a 50 milhões de pessoas no mundo. A peste bubônica, na década de 1340, matou aproximadamente um terço da população da Europa (os dados não são precisos), embora essa epidemia sempre ressurgisse em surtos em diferentes locais e épocas.
Há pensadores que compreendem a crise climática como geradora desses eventos e há ainda, infelizmente, os que seguem às voltas com dilemas do século XX, nos quais o dogma do crescimento é construído sobre a possibilidade de explorar infinitamente os recursos de um planeta com recursos finitos. Em 2018, o Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontou que a temperatura média global na superfície terrestre subiu 1oC desde a era pré-industrial e que haverá um aumento de 1,5oC até 2030 se não forem adotadas medidas consentâneas com o desenvolvimento sustentável, tais como aproveitamento de novas fontes de energia, alteração radical nos padrões de consumo e transformação dos sistemas produtivos.
Entre os inúmeros trabalhos sobre o tema, citamos o estudo de pesquisadores das Universidades de Berna (Suíça) e Múrcia (Espanha), publicado na revista Nature, que reconstruiu as condições climáticas dos dois últimos milênios, concluindo que o aquecimento global, a partir do século XX, foi o maior no período analisado. Os registros climáticos foram obtidos a partir de dados instrumentais e, indiretamente, pela análise de anéis de árvores, corais e sedimentos de lagos. Os achados do estudo indicaram que o aumento das temperaturas médias ocorreu simultaneamente em mais de 98% do globo terrestre e que as taxas de aquecimento excederam claramente a variabilidade natural.
Os céticos argumentam, entretanto, que o clima da Terra é cíclico, alternando períodos de resfriamento e aquecimento, razão pela qual não se pode atribuir a causa deste último ao aumento do efeito estufa pela ação humana. Mesmo que se admita a existência dessa alternância cíclica, é fato razoavelmente comprovado pelos dados já obtidos por cientistas em todo o mundo que as ações humanas têm acelerado o processo de aquecimento. Como o fenômeno das mudanças climáticas não está, ainda, totalmente esclarecido, é mais sábio obedecer ao princípio da precaução, optando pela conservação de recursos naturais e pela adoção de práticas sustentáveis.
Diante das questões expostas anteriormente, é possível concluir que a negação da realidade passa pela rejeição dos métodos científicos empregados, até o momento, para chegar às conclusões aceitas globalmente – ao menos, no que tange às mudanças climáticas. Essa negação pode ser intencional e caracteriza um método de manutenção do poder que pode ter vários efeitos sobre os cidadãos, sendo o principal deles, nos tempos atuais, o de ocupar o noticiário e sequestrar o debate com falsos dilemas, como o do “isolamento ou não isolamento,” ou da “saúde versus economia”, no caso das pandemias. Pode denotar, também, falta de confiança na ciência, decorrente da falta de entendimento sobre como opera o método científico.
Independente do motivo que o faz manifestar-se, o problema maior da negação da realidade é que ela produz novas realidades, muitas vezes danosas à sociedade. A pandemia do coronavírus veio e escancarou esse fato, do qual ninguém poderá mais fugir. Cabe à ciência trazer novas respostas aos dilemas do século XXI, sob o risco de não sobrevivermos enquanto espécie, caso ela fracasse nessa tarefa. Por isso, o desafio que se impõe aos jovens cientistas é imenso, e o fortalecimento da confiança na ciência dependerá do diálogo e das estratégias de aproximação que pesquisadores e instituições se propuserem a realizar com a sociedade,
Aos estudantes de graduação que se engajarem nos projetos de Iniciação Científica, por exemplo, compete aceitar a tarefa de difundir o conhecimento científico, superando as barreiras que separam a academia do cidadão comum. Nesse sentido, a divulgação e a popularização da ciência deveriam constar dos objetivos prioritários desses programas institucionais, que já preveem a exposição de pôsteres e a apresentação pública de trabalhos. Além de constituir um instrumento para a prestação de contas à sociedade sobre os recursos públicos canalizados para determinado projeto, a divulgação científica – conforme ressalta o professor Ennio Candotti – promove a circulação de ideias e resultados alcançados em uma pesquisa, permitindo avaliar seus impactos sociais e culturais.
Descartes (à dir.) criou o sistema de coordenadas cartesianas, enunciou as leis de reflexão e refração da luz e, como filósofo, instituiu o método racional, cujas regras permitiriam estender a certeza matemática a todas as áreas do saber. Galileu estudou a queda dos corpos e o movimento uniformemente acelerado; aperfeiçoou o telescópio refrator e fez importantes observações astronômicas. Acusado de heresia pelo Santo Ofício, abjurou a doutrina do heliocentrismo, que defendia.
Arte: Ana Carolina Fagundes , com imagens: ESO/Igor Chekalin (estrelas) e Wikimedia Commons (Tales de Mileto, Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Principia philosophia, manuscrito Timeo, Cosmographia
Principais sistemas explicativos desde a Antiguidade
Efetuando um breve retrospecto sobre as principais teorias e sistemas explicativos sobre o cosmo que vigoraram desde a Antiguidade, devem-se mencionar inicialmente os filósofos pré-socráticos (séculos VI e V a.C.), que, mediante especulações filosóficas, desenvolveram um conhecimento racional sobre o universo, sem recorrer a explicações derivadas da mitologia. Entre os temas sobre os quais discorreram, figuram: o conhecimento verdadeiro (oriundo da razão) em oposição ao conhecimento captado pelos sentidos; a constituição do mundo material pelos elementos originários (physis); a mutabilidade das coisas e a unidade do ser; e o paradoxo do movimento, analisado por meio de argumentos lógicos. Nomeamos alguns desses filósofos: Tales de Mileto (c. 625 a.C. - [?]), Pitágoras de Samos (séc. VI a.C.), Parmênides (c. 540 - c. 450 a. C.), Heráclito de Éfeso (544 - 480 a. C.) e Demócrito (460 - 370 a. C.).
No século IV a.C., Aristóteles (384-322 a.C.) produz uma obra de alcance universal, que até hoje continua a ser referência nas áreas de lógica, ética, política e retórica. Para esse filósofo, a ciência deve apresentar coerência interna, reportar-se à realidade e articular de modo lógico as verdades enunciadas. Pode-se chegar a uma conclusão verdadeira por meio do silogismo, que é o modelo de raciocínio que relaciona duas premissas – a maior e a menor –, sendo ambas também verdadeiras. Nesse caso, temos a dedução (ou o método dedutivo), que é própria da demonstração matemática. O conhecimento empírico também fornece base à formulação de conceitos científicos, de caráter geral. Por meio da indução (ou do método indutivo), chega-se à generalização na forma de um conceito, partindo-se da observação de casos singulares que se repetem.
A física aristotélica – de natureza qualitativa e integrada às concepções metafísicas desse filósofo – foi superada pelas descobertas de Nicolau Copérnico (1473 - 1543), astrônomo polonês, que propôs o heliocentrismo. Esta doutrina alterou a concepção vigente sobre a estrutura do universo, refutando também o geocentrismo de Ptolomeu (século II d.C.), que vigorou por 14 séculos.
Durante a Idade Média, prevalece o teocentrismo, atribuindo-se autoridade científica aos textos bíblicos. Nesse período, filósofos cristãos buscaram conciliar em seus escritos a razão e a fé, corporificadas nas teorias de Platão e Aristóteles e nas verdades contidas nas escrituras sagradas.
No século XVII, o surgimento de novas teorias científicas e processos investigativos propiciaram um avanço extraordinário da ciência. Os filósofos que então produziram os conteúdos mais relevantes na área da metodologia científica foram Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650). O primeiro, adepto do empirismo, sistematizou os procedimentos que deveriam levar à construção do conhecimento científico, instituindo o método indutivo para a enunciação de leis científicas. O segundo, matemático e cientista, formulou o método racional-dedutivo, baseado no modelo matemático, por meio do qual seria possível estabelecer um sistema de conhecimentos seguramente verdadeiros.
Nessa época, uma das figuras de maior preeminência foi Galileu Galilei (1564-1642), professor de matemática e autor de estudos pioneiros na área de física e astronomia. Defendeu a teoria heliocêntrica de Copérnico e formulou os princípios do método matemático-experimental, que se baseava em experimentos e medição dos fenômenos observados. Enunciou leis físicas, expressas matematicamente, invalidando a física qualitativa de Aristóteles.
Arte: Ana Carolina Fagundes , com imagens: ESO/Igor Chekalin (estrelas), Freepik (cientista, painel solar), Jan Alexander/Pixabay (setas), Alex Reipert (planta), WikiImages/Pixabay (planeta terra)
Contestação à ciência
O esforço para construir o conhecimento racional sobre a realidade material exigiu o emprego de técnicas e procedimentos cada vez mais rigorosos que demarcaram os limites entre o que era ou não considerado científico. A ciência, que serviu de base à tecnologia, avançou, possibilitando o enorme progresso em todos os setores da atividade humana, mas seus benefícios não foram distribuídos igualitariamente (avalie-se, por exemplo, a atenção insuficiente dedicada ao estudo das doenças tropicais). Nesse contexto, cabe refletir sobre a finalidade do saber produzido e os princípios éticos que o orientam. O filósofo e historiador Michel Foucault (1926 – 1984) faz uma conexão entre conhecimento e poder, intelecto e vontade. Para o autor, não só o conhecimento gera poder, mas o poder produz conhecimento, de modo que o cientista não atua externamente ao seu momento histórico e não ocupa um lugar privilegiado de total liberdade, pois o conhecimento por ele produzido se torna poder para a esfera política dominante.
Secundariamente, questiona-se até mesmo a crença na infalibilidade do método experimental, erigido em dogma pelo cientificismo. Essa doutrina filosófica, vinculada ao positivismo, postula a superioridade da ciência sobre todas as outras formas de conhecimento, embora não tenha aceitação irrestrita entre os cientistas. Mais recentemente, as ciências humanas retomam essa discussão e transformaram os próprios “saberes tradicionais” em objeto de pesquisa, numa busca de valorização de outras lógicas empíricas (ou não) na busca de conhecimento.
A questão do método parece também impulsionar a onda atual de contestação à ciência, que é disseminada pelas redes sociais. Segundo Tatiana Roque e Fernanda Bruno, docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aponta-se uma crise nos modos de aferição da verdade que fundamentam o método científico, pois há desconfiança em relação à competência de especialistas, que selecionam determinadas evidências em detrimento de outras, também relevantes. Obviamente, pode-se arguir – no caso – que o método é neutro, embora sua adequada aplicação dependa da intencionalidade do pesquisador e de seu compromisso em especificar as condições nas quais as hipóteses foram testadas. Há também limites impostos à ciência, os quais dependem de fatores contingentes como recursos financeiros, pressões externas e interesse objetivo do profissional no desenvolvimento da pesquisa.
A contestação aos argumentos científicos, substituídos por crenças e valores individuais, aparece também em outras questões polêmicas, que analisaremos a seguir. O relatório da organização britânica
Wellcome Trust, publicado em 2019, analisou os níveis de compreensão, interesse e confiança na ciência em uma amostra de 140 mil indivíduos pertencentes a mais de uma centena de países. No Brasil, por exemplo, as convicções religiosas têm primazia para 75% dos entrevistados, quando há um confronto entre ciência e religião. Nos Estados Unidos, esse percentual corresponde a 60%.
O mesmo relatório aponta que a desconfiança em relação à eficácia das vacinas é maior nos países desenvolvidos. Esse fato é comprovado pelo aumento de 400% no número de casos de sarampo na Europa, os quais – segundo a Organização Mundial da Saúde – saltaram de 5.273 para 21.315 entre 2016 e 2017. Na França, um terço da população demonstra ceticismo em relação à segurança dos imunobiológicos, atitude que é em parte explicável considerando-se que, em 1998, houve a publicação de um artigo do cirurgião Andrew Wakefield na revista Lancet, o qual relacionou a tríplice viral a casos de autismo (essa relação foi negada em estudos posteriores, tendo sido também verificada a manipulação de dados por parte de Wakefield). No Brasil e em países com baixos índices de desenvolvimento social – como Bangladesh e Ruanda – , a ampla maioria da população reconhece os resultados benéficos das vacinas.
Imagem: Pixabay
Pesquisas no mundo todo buscam explicar se (e como) ação humana interfere no clima
Ação humana como principal fator associado às mudanças climáticas é consensual, e posicionamentos contrários carecem de evidências consistentes
A climatologia está no centro de um dos debates mais polarizados da atualidade, que se apresenta como confronto entre os defensores do aquecimento global antropogênico e aqueles que rejeitam sua existência. A instituição-chave para a elucidação desse tema é o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, mais conhecido pela sigla IPCC (de sua denominação em inglês: Intergovernmental Panel on Climate Change), uma organização político-científica criada em 1988 no âmbito das Nações Unidas (ONU) por iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Seu propósito é o de sintetizar e divulgar o conhecimento produzido por cientistas do mundo todo sobre as mudanças climáticas que afetam o planeta – especificamente, o aquecimento global –, apontando seus efeitos e riscos para a humanidade e o meio ambiente e sugerindo maneiras de combater suas causas.
Principais fatos da evolução da ciência climática ligada aos gases de efeito estufa (até a década de 1960)
- Na década de 1820, Jean-Baptiste Joseph Fourier (1766-1830), físico e matemático francês, observou que a energia do sol (“calor luminoso”) atravessava a atmosfera e aquecia a superfície terrestre, ao passo que o “calor não luminoso” (radiação infravermelha) não retornava facilmente para o espaço.
- Por volta de 1860, John Tyndall (1820-1893), físico irlandês, supôs que as mudanças climáticas estariam ligadas às variações na composição da atmosfera. Seus experimentos mostraram que o vapor d’água e o dióxido de carbono tinham a propriedade de reter o calor.
- Na década de 1890, o químico sueco Svante Arrhenius (1859-1927) verificou que se intensificara a concentração de dióxido de carbono em razão das emissões naturais – oriundas, por exemplo, da atividade vulcânica – e da queima de carvão pelas fábricas. Essa condição produzia certo grau de aquecimento. Segundo os cálculos de Arrhenius, haveria um aquecimento médio de 5ºC a 6ºC na temperatura se a quantidade de dióxido de carbono fosse duplicada.
- Em 1938, Guy Callender (1898-1964), engenheiro inglês, afirmou que as concentrações médias de CO2 haviam crescido 10% em cem anos, desde o século XIX. Comparando esses dados com os registros de temperatura disponíveis, observou uma tendência de aquecimento. Previu que, nos séculos seguintes, as temperaturas manter-se-iam em níveis mais altos. As conclusões de Callender foram criticadas em relação à seleção dos dados e porque seus cálculos deixaram de considerar variáveis importantes.
- A partir de 1945, o estudo dos processos atmosféricos foi aprimorado por meio de equipamentos que incorporavam novas tecnologias.
- Na década de 1950, o surgimento de computadores possibilitou a elaboração de um volume enorme de cálculos, que incluíam a absorção da radiação infravermelha pelas camadas da atmosfera. Nessa época já se sabia que os oceanos podiam absorver parte considerável do dióxido de carbono, mas – conforme atestavam vários especialistas – essa capacidade era insuficiente em razão das emissões desse gás, que aumentavam a taxas cada vez mais rápidas.
- No final da década de 1950, iniciou-se o monitoramento dos níveis de CO2 por meio de estações de medição instaladas em vários pontos do planeta.
- Em 1967, Syukuro Manabe, em parceria com Richard Wetherald, desenvolveu o primeiro modelo computacional que simulava o clima global. Com essa ferramenta, foi possível verificar que o movimento do calor por convecção impedia o aumento máximo da temperatura na camada de ar próxima à superfície terrestre.
Tercio Ambrizzi, docente do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas e vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), ambos da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), foi um dos revisores dos dois últimos relatórios da organização (2007 e 2013-2014)
Ambrizzi acredita que cientistas do mundo todo superaram a discussão anteriormente mencionada. Para ele, hoje não se questiona mais (de modo geral) se a atmosfera está aquecendo ou se somos nós que contribuímos para a ocorrência desse fenômeno. O que se tenta prever é quanto esse aquecimento influenciará nossa atmosfera e a frequência dos eventos que se seguirão a esse impacto (secas, chuvas em excesso ou ventanias) – já que os eventos extremos são uma reação atmosférica ao aumento da temperatura.
“Avaliando a progressão populacional desde o início do século XIX, percebemos que o avanço da expectativa de vida foi sistemático a partir do século passado. Vários fatores contribuíram para isso, mas principalmente a ciência médica. Diminuímos a mortalidade de jovens e adultos com o desenvolvimento de medicamentos e vacinas.
Desse modo, o usufruto do planeta foi-se tornando mais agressivo, pois, se há um número maior de pessoas, demandam-se mais alimentos, mais medicamentos, mais consumo de água e uso do solo. Soma-se a isso o consumo de energia gerada a partir de combustíveis fósseis. As emissões de gases poluentes também aumentaram, aumentando, por conseguinte, a temperatura global.
Essa conclusão não é nova: no século XIX, uma experiência do cientista sueco Svante Arrhenius calculou que a temperatura da Terra aumentaria 5°C com o dobro de CO2 na atmosfera. A hipótese sobre a mudança do clima veio muito tempo depois, após a 2ª Guerra Mundial. Melhoramos nosso conhecimento, por exemplo, sobre os sistemas atmosféricos na medida em que surgiram os satélites comerciais na década de 1970.
Naquele momento, começávamos a ter condições de comparar as novas informações com dados do passado para tirar conclusões mais específicas. Foram colocados, lado a lado, os primeiros números registrados pelo homem (1850), informações obtidas em testemunhos de gelo (amostras capazes de revelar informações climáticas de até 800 mil anos atrás) e medições atuais. Concluiu-se que, no passado (há mais de 15 mil anos), houve ligeiros aumentos de temperatura em função da maior quantidade de gás carbônico emitido na atmosfera, mas a variabilidade do CO2 nessa camada se manteve uniforme.”
Luiz Carlos Molion, meteorologista brasileiro e docente aposentado da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)
Molion não discorda de que há períodos de aquecimento do planeta, mas questiona o fato de que o fenômeno seja causado pelo homem. Para ele, os modelos aplicados pelo IPCC possuem fragilidades no seu rigor científico. Sua visão sobre as oscilações na temperatura da Terra baseia-se na hipótese de Svensmark, formatada por Henrik Svensmark, físico e professor no instituto dinamarquês responsável pela pesquisa em ciência e tecnologia do espaço (Denmark’s National Space Institute – DTU Space), localizado próximo a Copenhague. A hipótese é que, quando o vento solar está fraco, mais raios cósmicos penetram na atmosfera, o que aumenta a formação de nuvens de baixa altitude, que refletem uma parte da radiação solar de volta para o espaço, esfriando o planeta. Svensmark detalhou seu trabalho no livro The Chilling Stars (2007).
“Acredito que o aquecimento observado entre 1916 e 1946 foi natural e ocorreu, muito provavelmente, em decorrência do aumento da atividade solar. O astro tem um ciclo de aproximadamente cem anos e, a partir de 1920, sua atividade se intensificou.
A redução de 5% na cobertura total de nuvens do planeta é capaz de levar a um aumento de 4 W/m2 no fluxo de radiação absorvida pela superfície terrestre. Esse valor resultaria em um aumento de 1,4°C na temperatura média global. Observa-se que a temperatura aumentou em 0,38°C até 2000 e se estabilizou após esse período com a estabilização da cobertura de nuvens.
Além disso, é sabido que os eventos El Niño injetam grandes quantidades de calor na atmosfera, tanto na forma de calor sensível como na de calor latente, afetando a temperatura e o clima global. O fenômeno do ano de 1997 elevou a temperatura média global em 0,74°C.
Concluo que fica claro, também, que a redução de cobertura de nuvens e a alta frequência de eventos El Niño, observada no período de 1983-2000, foram as causas físicas naturais do aquecimentoglobal que decorreu no mesmo período.
A dinâmica movida pela atividade solar e pelos oceanos terrestres é a maior controladora do clima do planeta Terra. Os oceanos, evaporando mais ou menos, regulam a cobertura de nuvens. E, quando se perturba o sistema, surgem outros processos que restabelecem o equilíbrio.”
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Iniciação Científica: desenhando o futuro
Edição 13 • Outubro 2020