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Ninguém aprende a nadar por manual

Antonio Saturnino Quando tinha seis anos, Rodrigo More criou uma história em quadrinhos com caravelas e navios, revelando sua paixão pelo mar desde muito cedo. Seu sonho de criança era um dia servir à Marinha, o que não aconteceu. Acabou estudando em colégio militar, em uma escola preparatória de cadetes. Não seguiu carreira e, alguns anos depois, estudou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). O curso da vida, aparentemente, o afastara da sua paixão pelo mar. Mas o Direito se encarregou de levá-lo para as águas. Hoje ele é membro do Grupo de Trabalho (GT) da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, integra a delegação brasileira na Organização das Nações Unidas (ONU), na discussão sobre a ampliação da plataforma continental brasileira, e leciona no Campus Baixada Santista da Unifesp, no Departamento de Ciências do Mar. “No meu mestrado e doutorado, desenvolvi teses sobre Direito Internacional Público, sempre abordando assuntos políticos estratégicos ligados a segurança e defesa. Isso me aproximou muito do sistema do mar, já que hoje o espaço brasileiro mais relevante, do ponto de vista estratégico, para as próximas décadas, é o espaço oceânico”, comenta. Nascido em 1973, em São Paulo, aos seis anos mudou-se com seus pais e os três irmãos mais novos para Marília. Lá o pai tinha uma empresa e proporcionava uma vida confortável à família. Porém, durante o Plano Bresser o negócio quebrou. “Às vezes não sabíamos como compraríamos comida. Houve muitos dias que nós tínhamos apenas feijão e farinha à mesa. Eu e meus irmãos estudávamos no melhor colégio da cidade, e havia o risco de termos que mudar de escola”. Religioso, ele se lembra de pessoas iluminadas que cruzaram seu caminho e o ajudaram naquele período. O colégio onde estudava propôs aos seus pais que pagassem quando tivessem condições. Ao todo foram quase quatro anos sem pagar. Depois, aos quinze anos, voltou a São Paulo, pois queria fazer um curso preparatório para a Marinha. Nesse período morou com a avó e um tio, que custeou os estudos. “Eu estudava como um louco, cerca de 12h por dia. Se eu fosse bolsista, passasse em primeiro lugar, eu devolveria 100% do investimento para o meu tio. Nós éramos pobres, era importante devolver o dinheiro. Consegui devolver uma parte e, dos 17 concursos que eu prestei, passei em 11, muito bem colocado em muitos deles”, lembra emocionado. Porém, no concurso que ele almejava acima de todos os demais, o da Marinha, ele não foi aprovado. No dia da prova teve o famoso “branco”. Eliminou algumas opções, e decidiu ingressar na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas. Ele descreve a experiência como fantástica, em razão do nível do ensino e dos valores que aprendeu, como honra, verdade, camaradagem e o espirito de corpo e de união. Hoje, olhando para trás, ele percepe que tudo na vida tem um propósito. “Eu fui o cadete que dançou com Vanessa, minha esposa, em sua festa de 15 anos. Se eu tivesse entrado na Marinha, não teria entrado no Exército, não dançaria a valsa com ela e não teria encontrado a mulher da minha vida”. Quando comunicou a seu pai que não seguiria carreira militar, o patriarca dos More tentou demovê-lo da ideia e perguntou o que ele faria ao sair do colégio. Ele falou a primeira coisa que lhe veio à mente: “Direito na USP”. A rotina intensa de estudos no colégio o ajudaram a estar bem preparado para o vestibular. Na universidade ele desenvolveu sua principal característica, tanto no âmbito pessoal quanto profissional: ser um mediador. “Foi um divisor de águas para mim. Saí de um ícone ligado à ditadura militar para uma instituição que podia ser considerada um símbolo da luta contra o regime. Eu era, e sou, um cara de centro. Nunca fui radical nem para um lado e nem para outro. Meu perfil é de intermediação. Se é preciso ser um pouco mais agressivo, eu sou um cara duro, mas com uma postura mais conciliadora”. Casado com a debutante com quem ele dançou quando tinha 18 anos, More tem um filho de dez anos, o Enzo, e sua esposa está esperando o segundo filho, que nascerá em janeiro. O nome já está escolhido, Matteo. “Dizem que é como se fosse tudo igual de novo. Tenho minhas dúvidas, pois somos pessoas diferentes após dez anos, estamos mais calejados. Talvez eu seja menos rígido na minha segunda experiência da paternidade”, comenta emocionado mais uma vez. Ele sabe, porém, que haverá uma grande diferença na criação do segundo filho: a escassez de tempo que poderá passar com ele, em razão das muitas viagens que realiza por causa do seu trabalho. Muito ligado à família, More diz que quando viaja, não vê a hora de voltar. Adora sua casa e ama estar junto da sua família. Quando fica fora por muito tempo, inclusive, leva seu travesseiro. “Adoro meu travesseiro. Não consigo sequer dormir em um hotel sem ele”. Em 2011, ele escreveu o artigo intitulado Quando os Cangurus Voarem. O título faz alusão ao episódio conhecido como “Guerra da Lagosta”, da década de 1960. À época, Brasil e França tiveram divergência diplomática, pois o governo brasileiro autorizou navios franceses a pescar em nosso território e eles começaram a capturar lagostas, o que incomodou muito os lagosteiros da região. A justificativa que eles deram foi que eles apenas capturavam quando elas saltavam, e que nesse momento ela virava peixe. O almirante Paulo Moreira retrucou: “Se lagosta quando salta vira peixe, quando o canguru pula, torna-se uma ave”. O texto de More aborda uma resolução feita para a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, que permitiu que fossem feitas pesquisas sobre petróleo em áreas ainda não recomendadas pela ONU, e o conhecimento científico é muito importante para defender a soberania territorial. “A lagosta é um crustáceo do meiobêntico. É um ser vivo do fundo marinho e não pode ser ‘pescado’. É um conhecimento importante para a proteção do seu recurso. Usei a brincadeira para dizer que a ciência é necessária para o conhecimento do mar e sua defesa jurídica. Conhecer o oceano é essencial para defender a sua soberania”, comenta. Ele conta a história: “Naquela época fui a uma palestra no Rio de Janeiro. Cheguei mais cedo e encontrei com o almirante Jair Alberto Ribas Marques, que é perito nosso na ONU. Me apresentei, e ele falou ‘Você é o rapaz do canguru. Minha assistente gosta muito dos seus artigos. Você precisa ir lá nos visitar. Estamos indo agora para a Dinamarca e na volta você vai nos visitar’. Lá o assessor do primeiro ministro e o advogado deles perguntaram onde estava o advogado da delegação brasileira, que ainda não existia. Ele, com muita perspicácia falou que havia ficado no Brasil. Saindo de lá ele foi para Nova York e me ligou, dizendo: “Dr. More a partir de agora você é nosso advogado de plataforma continental”. Foi tão bem aceito que passou a integrar o GT do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac) na Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, sendo depois designado para o GT responsável pela elaboração da proposta política (final) que seria apresentada à ONU. “Não poderia haver melhor oportunidade para mim. Costumo dizer que ninguém aprende a nadar por meio de manuais, precisa pular na água. Eles me jogaram na água, não poderia ter havido uma experiência melhor”. Por ser um membro do GT, em agosto desse ano foi convidado a compor a delegação que apresentou a Submissão Parcial Revista da Margem Sul ao plenário da Comissão de Limites da Plataforma Continental, na ONU. Sobre as pessoas importantes na sua carreira, ele menciona: “Conheci pessoas iluminadas, que foram e são extremamente importantes na minha vida. Araminta Mercadante, Vicente Marotta Rangel, Guido Soares e o Fernando Mourão. Serei sempre grato a eles, que me ajudaram muito no início da minha carreira. Minha família, que me apoiou em todos os momentos e, principalmente, meu tio Benê, que reconheço como meu segundo pai.Acho que a melhor forma de devolver o que eles investiram em mim é compartilhar o que aprendi e vivi”. Ele completa: “Eu queria estar no mar. Dei uma volta imensa, passando pelo Exército, para chegar onde eu queria. Mas cheguei bem acompanhando e feliz. Hoje eu leciono em Santos, estou dentro da praia e o mar é a minha vida. Se hoje eu sei nadar, não é porque fiquei lendo um manual, mas porque um dia me jogaram na água”.   Sumário do número 12