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Ciência em colapso

Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), membro da Academia Mundial de Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, analisa os impactos da crise orçamentária na ciência brasileira

Laboratórios fechados, pesquisas paralisadas, bolsas em atraso e cientistas desestimulados: 2017 carrega o título de pior orçamento da ciência nos últimos 12 anos. Dos R$ 5,8 bilhões previstos para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), apenas R$ 2,5 bilhões foram liberados para custeio e investimento na área. O corte do orçamento ameaça o protagonismo internacional do país e as conquistas já alcançadas pela ciência brasileira. É o que alerta Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC), doutor em física pela Universidade de Rochester (EUA). Enquanto países da União Europeia, por exemplo, estimam aumentar seu investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para 3% do seu Produto Interno Bruto (PIB) até 2020, o Brasil caminha na contramão. Em 2017, foram investidos apenas 1% do PIB e as estimativas para 2018 não são animadoras. A meta de investir 2% do PIB em P&D até 2019, estabelecida pelo documento Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia, lançado ano passado pelo governo federal, parece cada vez mais distante. 

Para Davidovich, é preciso corrigir o rumo das prioridades governamentais com urgência, para que o atraso não se torne irreversível. O físico, membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS) e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, recebeu diversos prêmios, entre eles a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (2000) e o Prêmio TWAS de Física em 2001. Em 2016, Davidovich deu início ao Projeto Ciência para o Brasil, com a finalidade de elaborar propostas para o fortalecimento de setores estratégicos para o desenvolvimento do país.


Entreteses - Qual a importância da ciência no desenvolvimento do país?

Luiz Davidovich - Vivemos em uma sociedade do conhecimento, na qual o protagonismo internacional e o bem-estar da população dependem da capacidade de inovação baseada no avanço científico. Basta ver que a expectativa de vida dos brasileiros aumentou de cerca de 34 anos, em 1900, para 75 anos, em 2015. A ciência nacional teve um papel fundamental nesse desenvolvimento, por meio da descoberta e da implementação de novas tecnologias para saneamento, vacinas, técnicas terapêuticas. Um exemplo recente foi a resposta imediata da ciência brasileira à epidemia de zika, elucidando sua relação com a microcefalia. Isso foi possível graças ao apoio recebido no passado, de agências como CNPq, Capes, Finep e as fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs). 

Mas o papel fundamental da ciência no desenvolvimento econômico e social do Brasil tem se revelado em muitas outras áreas. A descoberta de um processo de fixação de nitrogênio no solo, por meio do uso de bactérias, a partir das pesquisas realizadas por Johanna Döbereiner, em seu laboratório na UFRJ, não apenas multiplicou por quatro a produtividade da soja, mas representa para o país uma economia de R$ 15 bilhões por ano, que seriam gastos na importação de fertilizantes nitrogenados. O desenvolvimento da tecnologia aeronáutica incorporou aviões como item importante da pauta de exportação. A cooperação entre a Petrobrás e grupos de pesquisa em diversas instituições conquistou para essa empresa prêmios internacionais por sua tecnologia de extração de petróleo em águas profundas. O pré-sal, tido como uma aventura arriscada há poucos anos, produz atualmente quase 50% do petróleo brasileiro. 

Carros movidos a álcool foram criados pela ciência brasileira. O Brasil enriquece urânio no Centro Tecnológico da Marinha em Iperó – graças à ciência desenvolvida no país. Empresas como a Embraco e a WEG – respectivamente, entre as maiores fabricantes de compressores e de equipamentos elétricos do mundo – conquistaram seu protagonismo internacional em estreita colaboração com grupos de pesquisa nacionais. Também é importante o papel das ciências sociais ao desvendar a organização, a cultura, os hábitos dos mais diversos setores da sociedade brasileira e analisar os efeitos de políticas sociais.

O papel da C&T torna-se especialmente importante em épocas de crise econômica. O investimento nessas áreas promove um caminho para sair da crise de forma sustentável. Por isso mesmo, a União Europeia planeja alcançar, em 2020, 3% do PIB investido em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a China 2,5% do PIB. Os Estados Unidos investem 2,7%, Coreia do Sul e Israel mais que 4%. Em 2008, no auge da crise, o presidente da China anunciou que, apesar da redução da taxa de crescimento, o investimento em pesquisa básica aumentaria em 26%. Hoje, estão à frente dos Estados Unidos em tecnologias sofisticadas, como a comunicação quântica.

 

Luiz Davidovich

(imagem: Divulgação / ABC)

E. O Brasil passa pelo pior orçamento para C&T dos últimos 12 anos. Qual análise faz dessa conjuntura?

L.D. O orçamento de custeio e capital (isto é, os recursos para pesquisa, não incluindo salários e gastos administrativos) do Ministério de Ciência e Tecnologia, em 2010, corrigidos pela inflação até este ano, foi de R$ 10 bilhões. O orçamento de 2017, do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, é de R$ 3,2 bilhões, mas R$ 700 milhões vão para o setor de comunicações. Temos, assim, cerca de 25% do orçamento de 2010, situação agravada pelo colapso de diversas FAPs. Isso explica a grave crise atual; o CNPq não consegue pagar as bolsas, a Finep tem recursos extremamente reduzidos para inovação tecnológica e projetos de infraestrutura de instituições de ensino e pesquisa. Investimentos estão zerados em diversas FAPs, cientistas estão deixando o país, laboratórios estão parando por falta de recursos. A crise nos estados afeta universidades importantes, como a UERJ. 

A partir de 2014, cortes sucessivos levaram a essa crise. O maior deles, no entanto, ocorreu em 2017, um corte de 44% nos R$5,8 bilhões previstos para este ano, que ameaça o desenvolvimento científico e tecnológico do país e reduz o investimento em P&D para algo próximo de 1% do PIB. Esse percentual de corte atingiu todos os ministérios, exceto os de Educação e Saúde, que estão protegidos pela Constituição. Ao realizar um corte linear, o governo está de fato confessando sua incompetência em definir prioridades para o Brasil.

 

E. A fusão que deu origem ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações prejudicou a ciência e a pesquisa? 

L.D. A fusão foi apresentada pelo governo como uma vantagem para a área de C&T, pois a força do setor de comunicações ajudaria a trazer mais recursos para o ministério. A previsão não se confirmou. A verba para a ciência diminuiu. Além disso, a complexidade do novo ministério levou a uma reforma que afastou órgãos como CNPq e CNEN, reduzidos a seções dentro de uma estrutura hierárquica de secretarias e diretorias. Tudo indica, portanto, que houve uma inversão de prioridades.

 

E. Quais as consequências diretas desse desmonte?

L.D. Estamos perdendo terreno no cenário internacional. Vários laboratórios estão na iminência de fechar. O pior efeito, a meu ver, está no desestímulo dos jovens, os cientistas de amanhã.
Há poucos anos, o Brasil destacava-se na imprensa internacional como um país que estava resolvendo seus problemas sociais e que aumentava seu protagonismo, com sucessos científicos e tecnológicos reconhecidos mundialmente. Esse prestígio esfumou-se. É preciso corrigir o rumo, de modo a impedir que esse atraso seja irreversível.

 

E. Há alguma perspectiva para reverter a situação?

L.D. Entre 2003 e 2014, o Brasil passou de 1,39% a 2,46% da produção científica mundial, o número de doutores formados por ano mais que dobrou, de 7.710 para 16.729. O Brasil ocupa o 13º lugar em número de publicações, nos rankings internacionais. Pesquisadores brasileiros têm recebido reconhecimento internacional, destacando-se a Medalha Fields, o prêmio mais importante da matemática, outorgada a Artur Ávila, em 2014. Grandes projetos internacionais, nas áreas de partículas, Astronomia e clima, contam com a colaboração de cientistas brasileiros. Há, no entanto, muito a avançar. O Brasil ocupa um lugar modesto nos rankings de inovação: passou da 47ª posição, em 2011, para a 69ª, em 2017. Entre as economias da América Latina e Caribe, o Brasil aparece em sétimo lugar, atrás de Chile (46º), Costa Rica (53º), México (58º), Panamá (63º), Colômbia (65º) e Uruguai (67º). No Brasil, a participação de empresas no investimento em P&D é menor que 50%, incluídas as estatais, como a Petrobrás, enquanto em países como a Coreia do Sul e a China esse percentual aproxima-se de 80%. As universidades brasileiras têm, também, presença modesta em rankings internacionais.

É necessário aumentar continuamente a qualidade da produção científica, reestruturar as universidades de modo a privilegiar a criatividade e o enfrentamento das grandes questões científicas, envolver a comunidade científica em projetos mobilizadores que focalizem as vantagens competitivas do país, como a inovação em Biotecnologia baseada na rica biodiversidade nacional – estima-se que apenas 5% das espécies são conhecidas. Esse é um rico tesouro, que corresponde a 20% da biodiversidade mundial. Esse e outros projetos mobilizadores, como o domínio da tecnologia para o lançamento e a confecção de satélites, o incentivo a energias alternativas, o desenvolvimento de novas tecnologias para a agropecuária e inovações na área de saúde. Todos esses projetos tornam-se inviáveis com um investimento em P&D da ordem de 1% do PIB. 

É esse caminho que está agora ameaçado.

 

E. Muito se fala do modelo estadunidense de investimento para a área. Ele é adequado ao Brasil? 

L.D. Podemos tirar algumas lições do modelo estadunidense. Por exemplo, as grandes empresas encaram positivamente o financiamento, pelo governo, de pesquisa básica em universidades e institutos de pesquisa. A razão desse apoio é clara: as empresas preferem desenvolver pesquisa aplicada, com potencial de ganhos a curto prazo, usando para isso os resultados obtidos pela comunidade acadêmica. É uma divisão de trabalho interessante para essas empresas. 

A contribuição direta de empresas para as universidades estadunidenses é pequena: de longe a maior contribuição vem do governo. Mesmo no Massachusetts Institute of Technology (MIT), a pesquisa patrocinada diretamente pela indústria totalizou 19% de todos os recursos para a pesquisa, em 2016. Por outro lado, a contribuição de ex-alunos para instituições de ensino superior totalizou 10,85 bilhões de dólares em 2015. Como se vê, é um modelo que, no presente momento, é difícil de imitar. Nos Estados Unidos, assim como na Europa, vigora há muito tempo uma Lei Rouanet para a ciência: contribuições a instituições de ciência e tecnologia podem ser deduzidas do imposto de renda.

 

E. O Ciência Sem Fronteiras ganhou muito destaque, mas foi encerrado abruptamente. Quais as consequências para o Brasil?

L.D. O Ciência Sem Fronteiras pecou pelo excesso. Apesar dos exemplos de sucesso, envolvendo estudantes em instituições internacionais de ponta, um grande número de bolsistas foi enviado para instituições que não se destacam internacionalmente e que cobram taxas altíssimas de matrícula. Por outro lado, é penoso ver os estudantes retornarem para um país que enfrenta uma crise grave, limitando a possibilidade desses bolsistas contribuírem para o país. Mas a crise afeta a juventude nacional. É a qualidade do emprego que está em causa.


 Professor da Unifesp é empossado na Academia Brasileira de Ciências

Em março, Luiz Henrique Soares Gonçalves de Lima, professor e orientador no Programa de Pós-Graduação em Oftalmologia e Ciências Visuais da EPM/Unifesp, tomou posse como membro afiliado da regional São Paulo da Academia Brasileira de Ciências (ABC), para o período 2016-2020.

Lima foi selecionado para compor uma lista de jovens pesquisadores da ABC por sua atuação em pesquisas sobre degeneração macular e novas formas de liberação intraocular de fármacos.

Os integrantes da lista devem ter menos de 40 anos, trabalhos de relevância científica e serem radicados nas regionais Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. As indicações são feitas por membros titulares e levadas à votação por uma comissão de seleção.