O câncer de cabeça e pescoço é o segundo mais frequente entre homens no Brasil, atrás somente do câncer de próstata, segundo dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca). Apesar de relativamente comum, o diagnóstico costuma ocorrer já em estados avançados da doença, quando as chances de cura diminuem em 50% e os métodos de tratamento mais comuns, cirurgia e radioterapia, são bastante agressivos. Diante desse cenário, o doutorando em Biologia Molecular Dorival Mendes Rodrigues Junior, sob orientação de André Vettore, professor do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/ Unifesp) – Campus Diadema, está utilizando uma técnica para prever a eficácia, por meio de marcadores moleculares, do tratamento da quimioterapia e radioterapia antes mesmo de realizá-las, evitando desgastes desnecessários ao organismo.
Com parte do seu doutorado sanduíche, Rodrigues Junior estudou o processo de isolamento de vesículas extracelulares (VEs) do plasma, no Centro Nacional de Câncer de Cingapura (NCCS). No Brasil, Vettore orientou o projeto que analisou o conteúdo das vesículas extracelulares presentes no plasma de pacientes com carcinomas espinocelulares de cabeça e pescoço (CECP) – tipo mais comum de câncer de cabeça e pescoço. As amostras de plasma foram colhidas de pacientes submetidos à ressecção do tumor, sem qualquer tipo de tratamento prévio ou outras doenças associadas.
A indicação do melhor método de tratamento é dificultada pelo fato de os diagnósticos geralmente ocorrerem em fases mais avançadas do tumor e por se tratar de uma neoplasia que frequentemente apresenta recidivas tumorais, que é o retorno da atividade da doença. A abordagem mais eficaz no tratamento dos CECPs envolve o uso de radioterapia e cirurgia, entretanto, as sequelas podem ser severas: o tratamento de tumores de boca, por exemplo, pode causar problemas de fala e deglutição. Por isso, muitos esforços têm sido empregados no uso de abordagens que visam à preservação de órgãos, baseadas em quimioterapia associada à radioterapia. Todavia, cerca de 30% dos pacientes tratados com este procedimento não respondem a esta abordagem e são submetidos a complexas cirurgias de resgate. Ainda não há meios de segregar os pacientes sensíveis e que responderão à quimio-radioterapia daqueles resistentes que não se beneficiarão desta abordagem terapêutica.
O intuito desse estudo foi identificar potenciais marcadores presentes em VEs do plasma associados à efetividade do tratamento, e compreender a função biológica desempenhada pelas proteínas identificadas, por meio de ensaios com linhagens celulares de CECP sensíveis e resistentes a drogas quimioterápicas utilizadas no tratamento desse tipo de tumor. A inovação desse estudo foi utilizar as VEs para que a abundância de proteínas do plasma não ocultasse os marcadores interessantes e, assim, permitisse a identificação daqueles que pudessem ser úteis para a predição da resposta do organismo à terapia.
As 38 amostras de casos de CECP avançados utilizadas na pesquisa foram cedidas pelo Hospital do Câncer de Barretos, pois as mesmas faziam parte de um estudo clínico em andamento naquela instituição e, por isso, estavam bem caracterizadas clinicamente. Cerca de 93% dos pacientes eram do sexo masculino, sendo a maioria tabagista (96,7%). A maioria dos tumores acometeu a orofaringe (53,3%) e o Papiloma Vírus (HPV) foi detectado em apenas 3% dos casos.
Inicialmente, amostras do plasma de seis pacientes respondedores e de seis pacientes não respondedores à quimio-radioterapia foram analisadas por meio de ensaios de Antibody Array. Essa análise identificou cinco proteínas com níveis elevados de expressão (três nos pacientes que responderam ao tratamento e duas nos pacientes que não responderam) e foram as primeiras candidatas selecionadas para serem validadas na fase seguinte desse estudo que envolverá a avaliação do grupo total de pacientes.
Rodrigues Júnior explica que, além do nível de expressão observado nos ensaios, para a validação e continuidade do estudo, também tem sido considerado a possível função biológica do marcador no organismo. “Estudos sugerem que esse marcador parece regular a resposta à radioterapia como também modular a resistência celular a fármacos de drogas anticâncer”, afirma o pesquisador.
Álcool e Tabaco, os grandes vilões
A grande incidência do CECP está associada à maior expectativa de vida e ao consumo de álcool e tabaco. Segundo um estudo realizado pela área de oncologia clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), órgão ligado à Secretaria de Estado da Saúde, cerca de 95% dos pacientes portadores desse tipo de patologia são usuários de cigarro e de bebidas alcoólicas. O hábito de beber e fumar multiplica em até 20 vezes as chances de uma pessoa saudável desenvolver algum tipo de tumor de cabeça e pescoço, indica outro estudo divulgado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP).
Geralmente, o maior número de ocorrências verifica-se entre homens com idade acima de 50 anos. Mas, nos últimos anos, pessoas mais jovens estão sendo diagnosticadas com a doença e um dos principais agentes causadores é o Papiloma Vírus Humano, o HPV. Esse microrganismo está ocasionando infecções que facilitam a formação desses tumores. De acordo com estudos realizados pelo A. C. Camargo Cancer Center, há 10 anos o HPV representava 25% dos casos de câncer de amígdala, hoje em dia corresponde a 80% dos tumores.
Estudo Premiado
Os dados preliminares desse estudo renderam aos pesquisadores o Prêmio de Inovação do Grupo Fleury (PIF), em 2016, que reconhece os trabalhos científicos empreendedores e estimula parcerias.
O pesquisador premiado participou de uma vivência no Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento do Grupo Fleury por duas semanas e pôde compreender o potencial de entrada de sua produção no mercado. Ele comentou que na academia muitas vezes não é possível ter a dimensão do avanço de uma criação e expressou um desafio enfrentado por pesquisadores: “Como transformar a nossa descoberta em uma inovação de fato?”.
Em 2015, Vettore orientou um dos trabalhos vencedores desse mesmo prêmio, a tese de Ana Carolina de Carvalho, com o título Avaliação do Perfil de Expressão de MicroRNAs (miRNAs) como Marcador de Diagnóstico de Metástases Cervicais em Pacientes com Carcinoma Epidermoide de Cabeça e Pescoço, que trouxe novas possibilidades aos diagnósticos de metástases em linfonodos de pacientes que sofrem com esse câncer.
Julho Verde contra o câncer de cabeça e pescoço
Em 2014, uma sessão do congresso mundial da Federação Internacional das Sociedades Oncológicas de Cabeça e Pescoço escolheu 27 de julho como o Dia Mundial de combate à doença. A medida, acatada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP), reforça a estratégia prevista pela Portaria 874 de 16 de maio de 2013, do Ministério da Saúde, que instituiu a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
A Portaria considera a importância epidemiológica do câncer, coloca a doença como um problema de saúde pública e propõe reduzir a mortalidade e a incapacidade causadas pela patologia, por intermédio de ações de promoção à saúde e detecção precoce para diminuir a incidência da enfermidade.
Fique atento aos sintomas:
- Lesões na cavidade oral ou nos lábios que não cicatrizam por mais de 15 dias
- Manchas, placas vermelhas ou esbranquiçadas na língua, gengivas, céu da boca e bochechas
- Nódulos (caroços) no pescoço
- Rouquidão persistente
- Dificuldade na mastigação e na deglutição
- Dificuldade na fala
- Sensação de que há algo preso na garganta
Principais fatores de risco:
- HPV: Está associado a alguns tipos de cânceres de cabeça e pescoço, como o de orofaringe (amígdalas ou base da língua)
- Cigarro: Fumantes tem mais chances de desenvolver o problema
- Álcool: Mais de três unidades para homens e duas para mulheres por dia aumentam o risco da doença (cada unidade de álcool corresponde a cerca de meia lata de cerveja, um cálice de vinho ou meia dose de destilado)