Os pesquisadores João Paulo dos Santos Fernandes, docente do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) – Campus Diadema, André Gustavo Tempone Cardoso, do Instituto Adolfo Lutz, e João Henrique Ghilardi Lago, docente do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (CCNH/UFABC), decidiram se unir frente a uma necessidade latente: a obtenção de protótipos para o desenvolvimento de fármacos para doenças pouco amparadas pelo sistema público de saúde. Por meio de uma parceria, os pesquisadores descobriram que um metabólito secundário da planta Piper malacophyllum, originária da Mata Atlântica, apresentou atividade contra os parasitas Trypanosoma cruzi e Leishmania infantum, causadores das doenças de Chagas e leishmaniose, respectivamente.
A doença de Chagas e a leishmaniose são patologias que afetam a saúde pública e, sobretudo, países pobres e de regiões tropicais e subtropicais. Segundo o Ministério da Saúde, existem entre dois e três milhões de indivíduos infectados pelo Trypanosoma cruzi no Brasil. Nos últimos anos, a ocorrência de doença de Chagas aguda tem sido verificada em diferentes estados, majoritariamente na região da Amazônia Legal, em especial em decorrência da transmissão oral do parasita. Segundo Fernandes, “o tratamento que existe hoje é antigo e pouco eficaz. O que dificulta as taxas de cura e torna a doença pior”.
O panorama da leishmaniose não é muito diferente. A leishmaniose visceral (VL) é a sua forma mais grave e fatal. É a segunda doença parasitária que mais mata no mundo, perdendo o posto apenas para a malária. Configura-se como uma das mais perigosas doenças tropicais negligenciadas.
Para combater a doença de Chagas, há apenas um fármaco no Brasil, o benznidazol, utilizado há quase 50 anos, que é muito tóxico e demanda um longo período de tratamento. O grande problema de medicamentos altamente tóxicos é que o paciente interrompe o uso em decorrência dos efeitos colaterais. Em um recente estudo, foi demonstrado que esse único fármaco, apesar de reduzir os parasitas no organismo humano, não evita os problemas cardíacos relacionados à doença.
No caso da leishmaniose, os tratamentos disponíveis são bastante restritos e são designados conforme a espécie do parasita. Basicamente, a terapêutica envolve sais de antimônio, anfotericina B e a miltefosina. O primeiro fármaco é o mais antigo, descoberto pelo pesquisador brasileiro Gaspar Viana, em 1912, e possui alto grau de toxicidade. O segundo é um fármaco amplamente conhecido como antifúngico. O terceiro é usado no tratamento do câncer, sendo de aplicação oral e bem tolerado; seu uso apresentou bom desenvolvimento na leishmaniose visceral na Índia, contudo no Brasil não apresentou o desempenho esperado.
Diante desse problema, Lago, que há mais de quinze anos trabalha com espécies vegetais oriundas da Mata Atlântica do Estado de São Paulo, realizou uma triagem de plantas a partir da qual se descobriu que a Piper malacophyllum apresentava potencial para o tratamento dessas doenças. Por meio de diversos processos químicos, foi possível isolar, das folhas desta espécie, duas formas isoméricas (A e B) do gibilimbol, as quais mostraram atividade antiparasitária in vitro, de acordo com os resultados obtidos pelo grupo de Tempone. A equipe de Fernandes seguiu, então, para a próxima etapa: criar versões sintéticas a partir do modelo das moléculas orgânicas extraídas e enviadas por Lago. Esses testes foram realizados no Laboratório de Insumos Naturais e Sintéticos (Lins), do campus no qual atua.
Marina Varela, orientanda de Fernandes no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas do ICAQF/Unifesp, explica: “No nosso laboratório realizamos a etapa da síntese orgânica dos compostos. Nesse projeto a gente tinha um protótipo natural, o gibilimbol, e a partir de sua estrutura propusemos modificações moleculares para poder estudá-lo melhor, entender seu funcionamento e então propor outras moléculas, mais eficazes e menos tóxicas”.
Os compostos A e B são isômeros – apresentam a mesma forma molecular, apesar de serem diferentes – e a partir desses experimentos foi possível verificar que o gibilimbol B foi mais eficiente devido ao fato de que sua dupla ligação está mais próxima do anel aromático. Após essa conclusão foram preparados diversos modelos sintéticos análogos, que foram potencializados e eram menos tóxicos que os compostos oriundos da fonte natural.
A terceira etapa do processo foi desenvolvida por Tempone. Desde seu mestrado, em 1997, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), na USP, o pesquisador trabalha com fármacos para leishmaniose. Tempone realiza os estudos de atividade antiparasitária dos compostos enviados pelos outros pesquisadores, avalia então o potencial destes compostos para exterminar o parasita sem afetar as células hospedeiras (de mamíferos). Depois, se o composto for de interesse e passar pelos critérios para um novo candidato, são efetuados estudos mais aprofundados de mecanismo de ação, assim como estudos em modelo animal, essenciais para que se tenha a certeza de que o composto vai seguir em frente.
O grande mérito do estudo é enfatizar a importância da cooperatividade no processo de descoberta de medicamentos que possam ser úteis para solucionar questões de saúde pública em setores onde a indústria farmacêutica não está interessada.
João Paulo dos Santos Fernandes e sua orientanda Marina Varela
Piper malacophyllum
Artigo relacionado:
VARELA, Marina T.; DIAS, Roberto Z.; MARTINS, Ligia F.; FERREIRA, Daiane D.; TEMPONE, Andre G.; UENO, Anderson K.; LAGO, João Henrique G.; FERNANDES, João Paulo S. Gibbilimbol analogues as antiparasitic agents—synthesis and biological activity against Trypanosoma cruzi and Leishmania (L.) infantum. Bioorganic & Medicinal Chemistry Letters, v. 26, n. 4, p. 1180–1183, 15 fev. 2016. Disponível em: < http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960894X16300403 >. Acesso em: 06 abr. 2017.