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Truculência da PM coloca democracia em risco

Por ter sido criada à imagem e semelhança do exército, policiais militares não enxergam pessoas em manifestações de rua, mas sim alvos, o inimigo a ser derrotado

Fotografia mostra policiais, eles portam escudos e capacetes

Denunciada junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e à Organização das Nações Unidas (ONU), a Polícia Militar brasileira tem sido cada vez mais criticada por sua atuação. Balas de borracha, cassetetes, bombas de gás lacrimogênio e prisões arbitrárias. Essa tem sido a resposta da PM às manifestações populares que acontecem nas grandes cidades. 

A violência policial em protestos voltou a ser discutida principalmente após as Jornadas de Junho de 2013, como ficaram conhecidos os atos organizados pelo Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento das tarifas no transporte público. E também com a resposta da tropa à mobilização do movimento secundarista contra a reforma educacional do governo Geraldo Alckmin, em São Paulo, mais recentemente.

Bruno Konder Comparato, cientista político e professor de Ciências Sociais da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos, realizou uma pesquisa na área de Segurança Pública intitulada O Policiamento de Manifestações e a Qualidade da Democracia, que foi apresentada no 10º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). O estudo buscou analisar a atuação da polícia em manifestações e seus reflexos nas garantias constitucionais dos indivíduos. “O modo como é feito o policiamento de manifestações é um indício de como o Estado respeita os direitos dos cidadãos, de como os trata. Se a polícia não tolera o dissenso, joga bomba nas pessoas, atira. Como tratará essas mesmas pessoas no posto de saúde, nos hospitais e nas escolas?”, questiona.

Fotografia de Bruno Konder

Bruno Konder Comparato é professor no curso de Ciências Sociais na EFLCH/Unifesp e pesquisa temas como cidadania, direitos humanos e segurança pública

Segundo o professor, a polícia foi criada no século XIX na Europa, para controlar manifestações nos centros das cidades, com atuação e objetivos bem diferentes do exército. No Brasil, a PM foi criada durante a ditadura civil-militar (1964-1985), o que resultou em uma proximidade de atuação e lógica entre as duas forças.  “O policiamento não pode ser feito pelo Exército, porque ele é criado para destruir o que considera como inimigo. O problema da polícia quando se aproxima do Exército é exatamente esse. Ela não enxerga pessoas em manifestações, mas sim inimigos. Os manifestantes não são considerados cidadãos e sim criminosos”, critica o cientista político.

A pesquisa parte da premissa de que o direito de discordar é central para a democracia, um modo de governo que deveria resolver as diferenças por meio do diálogo e não da força. O professor explica que o policiamento precisa da confiança da população para ser eficiente, mas que, quando o policial se apresenta mascarado e fardado, muitas vezes sem identificação, passa a representar uma imagem sombria do Estado. O próprio comportamento das autoridades em relação às manifestações é um termômetro da violência. “É muito importante ver a sinalização das autoridades. Quando o governador [Geraldo Alckmin] liberou as catracas do metrô, fechou a avenida para os manifestantes, e enquanto isso, a televisão chamava para atos contra a presidenta, era garantindo que não haveria violência naquele ato. Isso, para o policial, é um sinal. Agora, quando o governo proíbe um protesto e a contragosto o autoriza, é um sinal para o policial que aqueles manifestantes ‘poderiam ou deveriam’ ser agredidos”.

Onde as balas não são de borracha

Os movimentos sociais erguem bandeiras pela desmilitarização da polícia, principalmente em resposta à atuação mais truculenta da PM na periferia, longe das principais ruas e avenidas do centro da cidade. Ali, o inimigo é, majoritariamente, a população pobre e negra. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2014 apresentou um total de 3.009 mortes decorrentes de intervenção policial, das quais 2.669 causadas por policiais durante o serviço. O restante ocorreu fora da jornada de trabalho. 

Estatísticas da Anistia Internacional, publicadas em 2015, confirmam essa realidade: 15,6% dos homicídios foram cometidos por policiais em 2014. De acordo com os dados, o Brasil é o país que tem o maior número geral de homicídios no mundo. O documento também aponta que policiais atiram em pessoas que já se renderam ou estão feridas, sem uma advertência que permitisse que o suspeito se entregasse. Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), apenas no primeiro semestre de 2016, policiais de folga, ou seja, sem farda, mataram 115 pessoas, o maior número dos últimos 11 anos. “A polícia entra de maneira muito mais truculenta na periferia”, complementa Comparato. A pesquisa reforça a necessidade de uma formação específica de grupos policiais destacados para acompanhar as manifestações urbanas. O pesquisador contempla a possibilidade de uma refundação das instituições policiais, como resultado de uma reflexão ampla, em conjunto com a sociedade.

Artigos relacionados:

COMPARATO, B. K. Os obstáculos institucionais à realização dos direitos humanos no Brasil: o exemplo das ouvidorias de polícia. In: FAR, Alessandra El; BARBOSA, Andréa; AMADEO, Javier. (Org.). Ciências sociais em diálogo - pensamento político e social, estado e ação coletiva. 1.ed. São Paulo: Fap Unifesp, 2014, v. 3, p. 309-336.

COMPARATO, B. K. Ouvidorias públicas como instrumentos para o fortalecimento da democracia participativa e para a valorização da cidadania. In: MENEZES, Ronald do Amaral; CARDOSO, Antonio Semeraro Rito. (Org.). Ouvidoria pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. 1.ed. Brasília: Ipea, 2016, v.1, p. 43-53.