O inferno é o outro, dizia Jean-Paul Sartre. O inferno, na perspectiva posta pelo filósofo e escritor francês, é construído pela recusa – não importam os motivos – em aceitar aquilo que diferencia os outros de nós: valores religiosos, culturais, étnicos, ideológicos, políticos e morais. A não aceitação dos outros, marca distintiva da intolerância, estimula e propaga o ódio e a prática da violência. O Brasil vive tempos infernais, se quisermos adotar a conceituação de Sartre.
Em 2014, o país bateu o recorde de quase 60 mil homicídios (mais de 42 mil por armas de fogo), o que representa uma alta de 21,9% em relação a 2004, segundo o Atlas da Violência 2016, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Ocupamos o nada honroso 10º lugar em taxas de homicídio por 100 mil habitantes, considerando-se os cem países analisados pelo documento.
Os números assumem uma característica ainda mais perversa, quando se considera que a imensa maioria das vítimas é formada por jovens negros que vivem em bairros periféricos das metrópoles – alguns estudos sugerem uma cifra superior a 70% do número de vítimas. Também a violência de gênero atinge proporções estarrecedoras: 13 mulheres são assassinadas todos os dias, segundo o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. Entre 2004 e 2014, cerca de 4,8 mil mulheres foram mortas por agressão.
Mas a violência não se manifesta “apenas” como atos de agressão física. Ela se expressa também na forma de bullying, ataques verbais e incitamento ao ódio nas redes sociais, órgãos de comunicação, salas de aula, ambiente de trabalho e até em áreas de lazer. Tudo isso, além do mais, tem implicações econômicas: os custos da violência, em todo o mundo, somam 7,16 trilhões de dólares (ou o equivalente a três vezes o PIB brasileiro). No Brasil, o custo é avaliado em 255 bilhões de dólares (11,5% do PIB), valor que corresponde à quinta posição no ranking dos que mais gastam com violência, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China, Rússia e Índia.
Como algo construído, e não natural, o “inferno” tem raízes históricas, sociais, culturais, políticas e ideológicas. Pode e deve, portanto, ser estudado, compreendido e superado com a ajuda da investigação e da reflexão científicas. É aqui que a Unifesp encontra sua inserção no debate e busca, por meio da pesquisa, oferecer sua contribuição à sociedade brasileira. Por essa razão, e com esse objetivo, adotamos a intolerância e a violência como temas centrais desta edição.