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Pesquisadores apostam em nanotecnologia verde

Combinação de óxido nítrico e prata sintetizada biologicamente tem aplicação em várias áreas da Biomedicina e farmacêutica e pode render nova patente à Unifesp

Ilustração que combina imagens de chá ver com cristais de prata

Certamente o leitor desta revista, ao abri-la, busca aprender e se informar sobre a produção científica da universidade. Para ocorrer a apreensão do conteúdo, entra em cena o processo de fabricação da memória. O registro da informação ocorre por meio das sinapses cerebrais, eficazes somente se o cérebro possuir quantidades satisfatórias de uma molécula gasosa simples conhecida com o óxido nítrico (NO), importante neurotransmissor que atua no aprendizado e está envolvido em vários processos fisiológicos dos mamíferos. A relevância desse gás destaca a descoberta de pesquisadores da Unifesp, que notaram promissoras aplicações farmacêuticas e biomédicas ao associá-lo a nanopartículas de prata (NP). A nova combinação pode render mais uma patente à universidade.

A nova tecnologia combina NPs, obtidas por síntese biológica, e moléculas S-nitrosotióis doadoras de óxido nítrico. “O composto, que denominamos Veículo Carregador de NO, pode ser acrescentado à composição de pomadas, géis, adesivos, cosméticos e outros produtos tópicos voltados ao combate de bactérias e outros microrganismos nocivos à saúde”, comemora o coinventor Marconi Santos, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia da Sustentabilidade da Unifesp, que enumera usos alternativos, tais como revestimentos antimicrobianos de materiais médicos e tecidos.

Santos integra a equipe responsável pelo projeto junto à professora Amedea Barozzi Seabra, do Departamento de Ciências Exatas e da Terra do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) – Campus Diadema. Outros sete pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidad de La Frontera (UFRO), no Chile, também participam. Portanto, as três instituições são titulares da nova fórmula, cujo pedido de patente foi depositado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) em junho de 2015.

Foto dos dois pesquisadores, eles estão de jaleco, em um laboratório

Os pesquisadores Marconi Santos e Amedea Seabra no Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Unifesp

Amedea, que possui bastante experiência em depósito de pedidos de patentes no Brasil e no exterior, aposta nos futuros medicamentos e cosméticos por dois motivos: o ineditismo da junção do óxido nítrico a nanopartículas de prata e o próprio método de aquisição do metal, conhecido como síntese biológica (ou nanotecnologia verde).

O processo, de alto rendimento e baixo custo, dispõe de bactérias, fungos ou plantas para sintetizar as NPs sem impacto ao meio ambiente, diferentemente dos tradicionais métodos químicos à base de reagentes e solventes tóxicos aos seres humanos – a exemplo do borohidreto de sódio. Nesse caso, a prata foi obtida com a redução de íons de prata provenientes do nitrato de prata (AgNO3), mediada por um polifenol denominado catequina – presente nas folhas da Camellia sinensis (utilizada na produção do famoso chá verde).

Além de agente redutor, a catequina atua como protetora e estabilizante da prata devido à sua forte ação antioxidante. Dessa forma, surgem os átomos de prata organizados em nanoestruturas de tamanhos máximos entre 10 e 40 nanômetros. Amedea detalha: “A estabilização do metal, proporcionada pela síntese biológica, evita a formação de aglomerados maiores, viabilizando sua incorporação a substratos como cremes e géis”.

Reserva de NO

O óxido nítrico também possui ações antimicrobianas. No entanto, é uma molécula altamente instável, cujo tempo de meia vida é menor que 10 segundos, e facilmente desativável no meio celular de diversas espécies. O desafio posto aos cientistas era, portanto, desenvolver agentes capazes de liberar o NO de maneira controlada em sistemas vivos, onde esse gás pudesse desempenhar seus efeitos terapêuticos.

Para tanto, era fundamental a funcionalização das NPs com agrupamentos S-nitrosotióis (-SNO), moléculas que atuam como carregadores e liberadores do óxido nítrico. Na pesquisa, isso ocorreu por meio da nitrosação, processo que agrega uma molécula de NO a um grupo tiol (SH), previamente depositado na superfície de cada nanopartícula após aplicação de ácido mercaptosucínico (MSA) – que possui diversos grupos tióis em sua estrutura.

Finalidades biomédicas

Após a aplicação do medicamento contendo essas nanopartículas, o Veículo Carregador passa a liberar NO; à medida que se desprende, o gás reage rapidamente com o superóxido (O2•-), produto da respiração de bactérias, formando o peroxinitrito (OONO-), uma espécie altamente oxidativa/nitrosativa. Esses reagentes de nitrogênio e de oxigênio podem interagir com proteínas, DNA e enzimas metabólicas do micróbio, destruindo funções celulares vitais. “Essas modificações químicas são consideradas um dos principais mecanismos microbicidas do NO”, complementa Amedea. 

Além disso, as nanopartículas metálicas voltadas a aplicações biomédicas são vantajosas, pois têm uma capacidade de penetração profunda em tecidos epiteliais alvos, o que as torna particularmente úteis em casos de queimaduras graves, conforme explica a pesquisadora. “Nesses casos, pode ocorrer a colonização das áreas afetadas por Pseudomonas aeruginosa (presente em efluentes de origem hospitalar) e outras bactérias, que formam biofilmes, dificultando a aplicação de antibióticos. Como a prata está funcionalizada com NO, é esperada uma ação antibacteriana sinergística dos dois, demandando uma dose menor de medicamento para destruir os microrganismos”.
Com a patente em mãos, a Unifesp, juntamente com as duas outras universidades, detém os direitos de comercialização da nova tecnologia. “O invento pode ser licenciado para indústrias interessadas em sua produção e, futuramente, por meio de acordos de transferência de tecnologia, as três instituições poderão receber royalties pela comercialização do produto patenteado”, finaliza a pesquisadora.

Gráficos - Nitrosação Representação esquemática da formação de grupos S-nitrosotióis (-SNO) na superfície das nanopartículas de prata, por meio da reação de nitrosação entre os grupos tióis presentes na superfície delas. Uma das espécies nitrosantes é o ácido nitroso (HNO2), formado a partir de nitrito de sódio (NaNO2) em meio ácido. Comparativo de matérias-primas para sintetização de prata Quantidade de NO liberado a partir da quebra da ligação S-NO de nanopartículas de prata (AgNP), funcionalizadas com grupamentos S-nitrosotióis, sintetizadas a partir do fungo, catequina e extrato de Galega officinalis. Essa faixa de quantidade de NO liberado a partir dos grupamentos S-nitrosotióis apresenta potencial terapêutico.Nanopartícula de prata sintetizada com catequina e funcionalizada com o grupo tiol

Ilustrações com as fases: Colonizadores primários. Colonizadores secundários. Biofilme multiespécie maduro. Nanopartículas de prata, revestidas de catequina, com Veículo Carregador de NO. Destruição da parede celular das bactérias por nanopartículas de prata

Óxido nítrico: um poderoso microbicida

Biofilmes bacterianos são complexas comunidades de bactérias que resistem à ação de antibióticos e à resposta do sistema imunológico. Constituída por uma única ou múltiplas espécies bacterianas, essa população microbiana, em estágio avançado, se organiza em uma arquitetura tridimensional complexa demais para ser atacada por antibióticos comuns – que não a atravessam. Com isso, podem causar infecções difíceis de serem controladas.

Após um trauma, a área afetada passa por uma série de modificações orgânicas que alteram os mecanismos de defesa. A perda da integridade da pele e o desequilíbrio na regulação do pH cutâneo facilitam a colonização da ferida por microrganismos oportunistas.

 

Artigos científicos:

SEABRA, Amedea B.; JUSTO, Giselle Z.; HADDAD, Paula S. State of the art, challenges and perspectives in the design of nitric oxide-releasing polymeric nanomaterials for biomedical applications. Biotechnology Advances, v. 33, n. 6, p. 1370-1379, 1 nov. 2015. Disponível em: < http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S073497501500018X >. Acesso em: 28 jan. 2016.

DURÁN, Nelson; DURÁN, Marcela; JESUS, Marcelo B.; SEABRA, Amedea B.; FÁVARO, Wagner J.; NAKAZATO, Gerson. Silver nanoparticles: a new view on mechanistic aspects on antimicrobial activity. Nanomedicine:Nanotechnology, Biology, and Medicine, 24 dez. 2015. Disponível em: < http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1549963415006000 >. Acesso em: 28 jan. 2016.

GEORGI, J. L.; AMADEU, T. P.; SEABRA, A. B.; OLIVEIRA, M. G.; COSTA, A. M. A. Topical S-nitrosoglutathione-releasing hydrogel improves healing of rat ischaemic wounds. Journal of Tissue Engineering and Regenerative Medicine, v. 5, n. 8, p. 612-619, ago. 2011. Disponível em: < http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/term.353/full >. Acesso em: 28 jan. 2016.

DURÁN, Nelson; SILVEIRA, Camila P.; DURÁN, Marcela; MARTINEZ, Diego S. T. Silver nanoparticle protein corona and toxicity: a mini-review. Journal of Nanobiotechnology, v. 13, p. 55, 2015. Disponível em: < http://jnanobiotechnology.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12951-015-0114-4 >. Acesso em: 28 jan. 2016.

GADE, Aniket; GAIKWAD, Swapnil; DURAN, Nelson; RAI, Mahendra. Green Synthesis of silver nanoparticles by Phoma glomerata. Micron, v. 59, p. 52-59, abr. 2014. Disponível em: < http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S096843281300200X >. Acesso em: 28 jan. 2016.