A diminuição da exposição das pessoas aos raios de sol pode causar deficiência da vitamina D, com prejuízo à saúde e, consequentemente, ao bem-estar. A principal fonte de vitamina D para os seres humanos é a própria pele, onde ocorre a primeira reação química para a produção desse nutriente, sob a ação dos raios ultravioleta, emitidos pelo sol. Com o aumento das pesquisas sobre a vitamina D, principalmente na última década, foi confirmada sua importância para a manutenção da saúde óssea da população, bem como para o tratamento da osteoporose. A hipovitaminose D e a osteoporose são prevalentes em idosos – para os quais a capacidade de produção cutânea desse tipo de vitamina pode estar reduzida. Verificar o status de vitamina D nesses pacientes é importante para a otimização do tratamento da osteoporose.
Buscando ampliar o conhecimento sobre essa questão, a endocrinologista Marília Brasilio Rodrigues Camargo desenvolveu a tese de doutorado Fatores Determinantes do Status de Vitamina D em Pacientes de um Ambulatório Especializado em Osteoporose e sua Interferência sobre a Absorção Intestinal de Cálcio. O trabalho, orientado por Marise Lazaretti Castro, professora adjunta de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo, teve como foco os pacientes do ambulatório de osteoporose, que é vinculado à mencionada instituição de ensino.
A pesquisa foi motivada por necessidades sentidas na prática clínica, conforme explica Marília: “Na ocasião do estudo, não tínhamos disponível a dosagem de vitamina D no sangue. Por essa razão, fazíamos uma avaliação clínica por meio de exames que nos davam alguma ideia sobre a adequação ou não das quantidades do nutriente identificadas em nossos pacientes.” Para reduzir o risco de fraturas osteoporóticas e melhorar a saúde óssea, é necessário que os pacientes com osteoporose apresentem uma concentração entre 30 e 40 ng/mL [nanogramas por mililitro] de vitamina D (25-hidroxivitamina D) no sangue. Esses valores são aceitos pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia como “os valores ideais almejados de vitamina D”, que parecem ser alcançados – segundo a pesquisadora – com a administração de doses diárias de 1.000 a 2.000 unidades de colecalciferol (vitamina D3). No Brasil, infelizmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) não disponibiliza gratuitamente esse produto farmacêutico aos pacientes.
Metodologia
A pesquisadora Marília Brasilio Rodrigues Camargo junto à máquina usada para efetuar a densitometria óssea, instalada no ambulatório de osteoporose da Unifesp
Participaram da pesquisa 363 voluntários (homens e mulheres), atendidos no Ambulatório de Doenças Osteometabólicas da disciplina de Endocrinologia da EPM. Na primeira fase, foram realizados exames para determinar os pacientes que mantinham níveis adequados de vitamina D e os que apresentavam deficiência desse nutriente. Os componentes da amostra foram também submetidos a exame de densitometria óssea e responderam a questionários para a avaliação de hábitos alimentares e de vida, tipos de pele, grau de exposição solar, existência de doenças concomitantes, uso de suplementação oral de vitamina D (colecalciferol) e capacidade funcional. A densitometria óssea é um exame seguro e não invasivo que permite medir a densidade mineral óssea em regiões específicas do corpo, como fêmur, coluna lombar e antebraço. Utiliza a técnica conhecida por DXA ou absorciometria por emissão dupla de raios X, constituindo o melhor recurso disponível para diagnosticar a osteoporose, mediante o emprego de fonte de raios X.
Na segunda fase da pesquisa, buscou-se avaliar a influência do status de vitamina D na absorção intestinal de cálcio. Em razão da dificuldade do experimento e de seu alto custo, apenas um grupo de mulheres, cujo histórico médico atendia a determinadas condições, foi convidado a participar dele. Assim, para o atendimento das condições previstas, as mulheres não deveriam apresentar distúrbios como hipercalcemia, calculose renal, diarreia crônica, doenças hepáticas crônicas, doenças gastrointestinais e insuficiência renal crônica. Além disso, não poderiam fazer uso de corticosteroides e anticonvulsivantes.
Inicialmente as voluntárias foram divididas em dois subgrupos – um com deficiência e outro com suficiência de vitamina D. O método escolhido para a avaliação do cálcio absorvido pelo intestino foi o teste de sobrecarga oral de estrôncio, que verifica essa absorção de forma indireta e utiliza o estrôncio como marcador substituto do cálcio. O procedimento inicia-se com a coleta de amostra de sangue das pacientes em jejum. Administra-se, então, por via oral, uma pequena quantidade de estrôncio (dose padronizada) a cada uma delas. Seguem-se novas coletas de amostras de sangue aos 30, 60, 120 e 240 minutos após a administração da dose oral mencionada. Posteriormente, mensuram-se as concentrações de estrôncio nas amostras coletadas e calcula-se a quantidade desse elemento que foi absorvida pelas pacientes.
Admitia-se a hipótese de que as pacientes com deficiência de vitamina D, ou seja, com concentrações de 25-hidroxivitamina D no sangue menores ou iguais a 20 ng/mL, apresentariam menor absorção intestinal de cálcio. Após a conclusão dos estudos, a hipótese inicial de Marília foi refutada, não sendo observadas diferenças entre os dois subgrupos de pacientes (deficientes e suficientes em vitamina D). Esses resultados sugerem que as concentrações de 25-hidroxivitamina D no sangue não refletem necessariamente a quantidade de cálcio que é absorvida no intestino. O metabólito – ou seja, o produto do metabolismo – ativo da vitamina D (1,25-di-hidroxivitamina) é apontado como o regulador/facilitador da absorção de cálcio através da mucosa intestinal. No estudo desenvolvido por Marília, todas as pacientes apresentaram concentrações normais de 1,25-di-hidroxivitamina D no sangue. “Esta pode ter sido uma das razões para a falta de diferenciação entre os dois subgrupos com relação à absorção intestinal de cálcio. Talvez o fato de não termos muitas pacientes com 25-hidroxivitamina D abaixo de 10 ng/mL e que apresentavam concentrações normais de 1,25-di-hidroxivitamina D, fez com que não conseguíssemos encontrar diferenças na população estudada. Outro fato, que deve ser mencionado, é que as pessoas incluídas no estudo estavam sob acompanhamento médico especializado no tratamento da osteoporose e recebiam orientações dietéticas para manter um consumo adequado de cálcio. Isto também pode ter influenciado os resultados da pesquisa.”
Para garantir o benefício dos raios solares na produção da vitamina D pelo organismo, a exposição da pele deve ocorrer diariamente, por um período variável entre 15 e 30 minutos, em horário anterior às 10h ou posterior às 16h
Vitamina D: nutriente milagroso?
Pesquisas realizadas na maioria dos países industrialmente desenvolvidos detectaram um grande aumento no número de pessoas com deficiência em vitamina D. Os Estados Unidos, por exemplo, comprovaram – por meio de um estudo com 3.000 voluntários – que 90% desses indivíduos apresentavam taxas insuficientes desse nutriente no organismo.
O aumento das pesquisas sobre os benefícios da vitamina D no combate a diferentes doenças, por vezes graves, tem contribuído para que especialistas a chamem de “nutriente milagroso”. Um estudo recente realizado por cientistas da Universidade da Califórnia e da Escola Médica da Universidade Creighton revelou que há uma relação entre a dosagem de vitamina D nos níveis sanguíneos circulantes e a prevenção de doenças. No entanto, há muita controvérsia na literatura médica sobre esse tema.
Apesar de não haver ainda comprovação científica sobre os benefícios da suplementação de vitamina D no organismo, muitos especialistas avaliam que, para a prevenção de doenças como o câncer, o diabetes tipo 1 e a esclerose múltipla, é recomendável que um adulto ingira concetrações bem maiores dessa vitamina do que a dosagem de 400 a 800 unidades/dia preconizadas . No entanto, o excesso de suplementação sem orientação médica pode provocar a calcificação de vários tecidos, sendo o rim o órgão mais afetado.
Artigos relacionados:
CAMARGO, Marília Brasilio Rodrigues; KUNII, Ilda Sizue; HAYASHI, Lilian Fukusima; MUSZKAT, Patrícia; ANELLI, Catherine Gusman; MARIN-MIO, Rosângela Villa; MARTINI, Lígia Araújo; FRANÇA, Natasha; LAZARETTI-CASTRO, Marise. Modifiable factors of vitamin D status among a Brazilian osteoporotic population attended a public outpatient clinic. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, São Paulo, v. 58, n. 5, p. 572-582, 2014. Disponível em: <dx.doi.org/10.1590/0004-2730000003393>. Acesso em: 26 mar. 2015.
CAMARGO, Marília Brasilio Rodrigues; VILAÇA, Tatiane; HAYASHI, Lilian Fukusima; ROCHA, Olguita G. Ferreira; LAZARETTI-CASTRO, Marise. 25-Hydroxyvitamin D level does not reflect intestinal calcium absorption: an assay using strontium as a surrogate marker. Journal of Bone and Mineral Metabolism, [s.l.], 24 maio 2014. Publicação on-line. Disponível em: <dx.doi.org/10.1007/s00774-014-0592-8>. Acesso em: 26 mar. 2015.
VILAÇA, Tatiane; CAMARGO, Marília Brasilio Rodrigues; ROCHA, Olguita G. Ferreira; LAZARETTI-CASTRO, Marise. Vitamin D supplementation and strontium ranelate absorption in postmenopausal women with low bone mass. European Journal of Endocrinology, [s.l.], v. 170, n. 4, p. 469-475, abr. 2014. Disponível em: <dx.doi.org/10.1530/EJE-13-0899>. Acesso em: 26 mar. 2015.