Noites maldormidas, cansaço e alimentação inadequada, provocados pela rotina estressante do trabalho em turnos, são ocorrências comuns na vida de muitos profissionais que podem acarretar sérios problemas de saúde. Trata-se de um problema grave o suficiente para contribuir para o surgimento da síndrome metabólica (SM), que é um conjunto de alterações no organismo que desenvolve doenças.
De acordo com Évelin Moreno, professora de Educação Física e doutora com tese defendida no Departamento de Enfermagem da Escola Paulista de Enfermagem (EPE/Unifesp) - no Campus São Paulo, a média de brasileiros diagnosticados com a síndrome chega a aproximadamente 30%. A linha de pesquisa da doutora está vinculada ao setor de Enfermagem, na área de Saúde do Trabalhador.
Em sua tese de doutorado, Évelin analisou a incidência da síndrome metabólica em trabalhadores de uma empresa automotiva que utiliza o sistema de turnos. “Estudos já demonstraram que aqueles que trabalham no período noturno estão condicionados ao diagnóstico positivo de síndrome metabólica, aumento de peso, maior estresse e redução da expectativa de vida. O diferencial dessa pesquisa foi encontrar a incidência de SM nos trabalhadores do turno da manhã”, esclarece a especialista. O sistema de turnos, utilizado por empresas brasileiras no setor de produção em diversas áreas, geralmente é dividido em três, sendo a primeira jornada das 6h às 14h, a segunda das 14h às 22h e a terceira das 22h às 6h.
O diagnóstico positivo da síndrome é associado ao aumento da ocorrência de diabetes e, principalmente, às doenças cardíacas que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), está em primeiro lugar entre as causas de mortalidade no mundo. Cinco fatores são utilizados para diagnosticar a síndrome metabólica: colesterol alto, pressão arterial diastólica acima do normal, assim como a pressão arterial sistólica, obesidade abdominal e o excesso de triglicerídeos no organismo.
“A síndrome metabólica é confirmada quando a pessoa apresenta três alterações dessas cinco variáveis. A má alimentação, quando somada à qualidade de sono ruim, à redução de horas dormidas e ao sedentarismo, podem explicar a ocorrência de SM nos trabalhadores do primeiro turno (manhã)”, comenta Évelin.
Para a pesquisadora Milva Maria Figueiredo de Martino, orientadora da tese, o sistema de trabalho em turnos faz com que o indivíduo ganhe peso, outro agravante da doença. “O sono irregular provocado por esse sistema de trabalho propicia o aumento da ingestão alimentar. Ao acordar muito cedo ou dormir muito tarde, o metabolismo sofre alterações”, afirma Milva. A explicação para o aumento de peso é a relação do metabolismo com o sono, que influencia a produção e liberação dos hormônios grelina e leptina.
Além de administrar a quantidade de gasto energético do corpo, a leptina é o hormônio cuja principal função é controlar o apetite ao promover a redução do consumo de alimentos. A grelina, conhecida como o hormônio da fome, induz o apetite e o aumento da secreção do hormônio do crescimento (GH). Dessa forma, o déficit de sono altera a produção desses hormônios e o corpo passa a ter uma maior ingestão alimentar, prejudicando a saúde. A qualidade das refeições no ambiente de trabalho também influencia no processo.
Durante o estudo, cerca de 93 trabalhadores foram entrevistados e realizaram testes, dos quais 25 (aproximadamente 30%) foram positivos para síndrome metabólica. Foi aplicado um questionário relacionado à qualidade e prevalência de queixas relativas ao sono, outro abordando as características sociodemográficas e insônia, além da classificação do cronótipo dos trabalhadores – ritmo corporal segundo a disposição inata da pessoa, separando-as entre diurnas e noturnas. Os exames médicos e laboratoriais foram essenciais para avaliar os fatores da doença.
A pesquisa apresentou que a maior incidência da síndrome ocorreu nos trabalhadores do primeiro turno (das 6h – 14h), contrapondo o imaginário de que só aqueles que trabalham no período noturno desenvolvem problemas de saúde. “Não coincidentemente o primeiro turno foi o que apresentou mais falhas na produção. Eles dormiam mal, se alimentavam mal e não faziam exercícios físicos. Decorrente disso, há a insatisfação com o emprego e as falhas na produção”, assegura Evelin, complementando que para enfrentar as 6h tais trabalhadores precisavam sair de suas casas entre 3h30min e 4h, o que gerou a qualidade de sono ruim e resultou no desenvolvimento da síndrome.
As medidas para enfrentar a síndrome metabólica são boa alimentação, exercício físico e sono restaurador. Por outro lado, os hábitos saudáveis são a melhor forma de prevenção, em conjunto com uma boa higiene de sono, ou seja, é indicado desligar a luz e evitar computadores, televisão e celulares antes de dormir, além de uma cama confortável.
“O principal objetivo da pesquisa é recomendar que as empresas que trabalham em turnos adotem uma política de prevenção à síndrome metabólica. O descuido com a saúde do trabalhador também afeta à produção”, diz Évelin, que reafirma a necessidade de cuidado com os trabalhadores de todos os turnos. “Projetos que estimulem bons hábitos alimentares e a prática do exercício físico são essenciais”, finaliza a pesquisadora.
Diagnóstico para a síndrome metabólica
O critério internacional para diagnosticar a síndrome metabólica é a confirmação de três entre os cinco fatores abaixo:
• Circunferência abdominal maior que 102cm nos homens e maior que 88cm nas mulheres;
• Hiperglicemia (de jejum) maior ou igual a 110 mg/dL;
• Hipertensão arterial (pressão sistólica maior ou igual a 130 mmHg e/ou pressão diastólica maior ou igual a 85 mmHg);
• HDL-colesterol baixo (para homens; menor que 40md/dL e mulheres; menor 50mg/dL);
• Hipertrigliceridemia maior ou igual a 150 mg/dL).
Tese:
MORENO, Évelin. Prevalência da síndrome metabólica em trabalhadores nos diferentes turnos de trabalho. 2014. 92 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2014.