Menos da metade (42,5%) das escolas de ensino fundamental e médio em funcionamento no município de São Paulo adota programas de prevenção ao uso de drogas e álcool, ao passo que 48% dos responsáveis por essas instituições classificam como “extremamente alta” ou “alta” a necessidade de implementá-los. A adesão insuficiente explica-se por vários fatores: falta de verba para a aquisição de material adequado, grade curricular totalmente preenchida e ausência de treinamento para os professores.
Essas são as principais conclusões do estudo realizado por Ana Paula Dias Pereira, em parceria com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e sob a orientação de Zila van der Meer Sanchez Dutenhefner, integrante desse órgão e professora do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) - Campus São Paulo. Em seu estudo – que resultou na dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em Saúde Coletiva – a autora analisou 263 escolas públicas e privadas, assim distribuídas: 42% pertencentes à rede estadual, 35% à municipal e 22% à particular.
“As escolas públicas não oferecem atividades desse tipo, pois não têm dinheiro para adquirir o material didático ou investir em cursos; as particulares não enfrentam tais problemas. Por outro lado, algumas escolas públicas localizadas em regiões onde existe tráfico de drogas não mantêm os programas de prevenção por medo de represálias por parte dos criminosos”, explica Ana Paula.
Um dos objetivos do Cebrid – que foi criado há mais de 30 anos e atualmente é vinculado ao Departamento de Medicina Preventiva – é auxiliar na formulação desses programas, avaliando os procedimentos adotados contra o uso de drogas (lícitas ou não) nas redes de ensino público e privado. Com base nas observações obtidas, os pesquisadores propõem práticas e métodos aperfeiçoados. Os projetos são realizados em parceria com diversos órgãos, mediante financiamentos provenientes do Ministério da Saúde, CNPq, Fapesp e United Nations Office for Drugs and Crime (UNODC). “Observamos o aumento de alguns padrões do consumo de drogas, mas nada muito bem estruturado vem sendo feito na área da prevenção. Nosso propósito é oferecer ao adolescente brasileiro programas de qualidade que efetivamente reduzam o consumo e os riscos associados”, diz Zila.
O trabalho elaborado por Ana Paula não se deteve na análise qualitativa dos programas adotados, pois o número de unidades de ensino estudadas era consideravelmente alto. A pesquisadora formulou, entretanto, uma reflexão crítica sobre o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), que é aplicado em 68% das instituições de ensino que participam da iniciativa e é prevalente nas redes estadual (66,7%) e municipal (77,8%). As escolas particulares também o utilizam (56%), embora – no caso – seja mais comum que a equipe da própria unidade desenvolva conteúdos sobre o tema (68%).
“Existem evidências em estudos internacionais que demonstram a ineficácia do Proerd. Os adolescentes sabem o que é uma droga, o que não é e conhecem os riscos. A dificuldade que têm hoje é dizer não”, afirma Ana Paula. Outro método criticado é o de realização de palestras com ex-usuários de drogas: como o palestrante ocupa uma posição de autoridade, com o vício superado, isto pode produzir a percepção de que é possível utilizar as drogas por um certo tempo e depois abandonar esse hábito, sem grandes consequências para a saúde e para a vida em geral.
O melhor modelo de programa de prevenção, de acordo com Ana Paula, é aquele que desenvolve habilidades para a vida, pois muitas vezes o jovem busca a bebida e as drogas para superar dificuldades de sociabilidade, como a timidez. O objetivo seria, portanto, aumentar os fatores de proteção e diminuir os fatores de risco. “A ideia é você desenvolver no adolescente a autonomia, entre outras habilidades, para que ele valorize tanto a independência quanto a qualidade de vida e perceba que, a longo prazo, o consumo de drogas não é a melhor opção. Um programa que é focado apenas em informação ou terrorismo sobre drogas acaba não atingindo os objetivos mais amplos de promoção da saúde”, pontua a orientadora Zila.
A equipe do Cebrid que avalia a distribuição e as características do programa de prevenção de drogas divulgará em breve os dados relativos à análise efetuada com base na amostra de mais de 1.300 escolas, localizadas nas cinco regiões brasileiras, ampliando assim as informações que já foram coletadas para a cidade de São Paulo.
As baladas e o esquenta
Outro grande projeto coordenado pela professora Zila e financiado pela Fapesp tem por objetivo compreender o contexto da utilização de drogas no ambiente noturno, principalmente em baladas. “Uma equipe de 20 pesquisadores foi alocada para a coleta de dados. Enquanto um grupo permanecia no exterior dos estabelecimentos, recrutando baladeiros para a pesquisa, o outro – atuando internamente – descrevia o ambiente físico e registrava a conduta social dos participantes”, informa Zila.
Mariana Guedes Ribeiro Santos, orientanda da professora Zila no programa de pós-graduação em Saúde Coletiva e uma das componentes da equipe, analisou a prática do esquenta, que consiste no ato de ingerir bebidas alcoólicas antes de frequentar o ambiente de festas. A pesquisa – objeto de sua dissertação de mestrado – foi realizada em 31 estabelecimentos noturnos da cidade de São Paulo, durante a entrada e a saída do público, por meio da técnica de coleta de dados, com o uso de bafômetro e a aplicação de questionário sobre comportamentos de risco e consumo de álcool e outras drogas.
Foram entrevistados 2.422 baladeiros, dos quais 44,3% eram adeptos do esquenta – para estes, os principais motivos para a mencionada prática era “chegar desinibido” (39,0%) e “economizar dinheiro” (31,7%). Esta última alegação foi, inclusive, desmistificada ao final da pesquisa: “O baladeiro diz que prefere o esquenta para economizar, mas descobrimos que ele é quem bebe mais na balada. Sai mais intoxicado e gasta mais”, explica Zila.
Os riscos associados a esse hábito são numerosos, pois o indivíduo fica sob a influência do álcool durante toda a noite, podendo assumir comportamentos violentos, comprometer a saúde nas relações sexuais e utilizar outras drogas. O esquenta aumenta ainda a chance de o indivíduo envolver-se em acidentes de carro, pois alguns dirigem embriagados após a saída da balada.
“A intoxicação por álcool nesses eventos está associada a diversos comportamentos de risco”, analisa Mariana. “Isso ocorre, também, pelo fato de que na legislação brasileira não há restrições à venda de bebidas alcoólicas para pessoas já alcoolizadas. Seria interessante desenvolver um trabalho diretamente nesses locais, apontando os efeitos, consequências e problemas associados ao abuso de álcool – como violência, direção imprudente e outras condutas de risco”, completa.
Os indivíduos que praticam o esquenta são majoritariamente jovens, brancos (72,1%), do sexo masculino (72,4%), na faixa etária de 18-25 anos (61%), com ensino médio completo (57%), que exercem atividade profissional (80%) e ainda vivem com a família de origem (65%). A ingestão prévia de bebidas alcoólicas ocorre principalmente na própria casa (33,0%), na rua (30,7%) e em bares (26,5%). As bebidas mais consumidas nessas ocasiões compreendem a cerveja (59,5%), vodca (32,7%) e energéticos (10,9%). “Alguns autores internacionais apontam que os hábitos no consumo de álcool estão modificando-se, especialmente entre a população feminina, cuja taxa de adesão ao esquenta tem aumentado”, aponta Mariana.
Qual seria a melhor solução para reduzir o abuso de álcool e diminuir os riscos dele decorrentes? Mariana aponta algumas possíveis soluções como a fiscalização rigorosa nos locais mais comuns de compra de álcool pelos jovens, como padarias, postos de gasolina, lojas de departamento, supermercados e afins. Outra alternativa seria restringir o acesso às bebidas para aqueles que já se encontram embriagados. Deve-se ponderar, por outro lado, que a maior taxação sobre as bebidas alcoólicas no ambiente interno das baladas poderia não surtir o efeito desejado, pois seu preço iria aumentar – e consequentemente o esquenta também aumentaria, visto que um dos principais motivos apontados para sua prática é a economia de gastos. A professora Zila argumenta, entretanto, que “estudos internacionais defendem a elevação da taxação do álcool em todos os estabelecimentos de venda, incluindo supermercados e lojas de rua, como a medida mais eficaz na redução da intoxicação alcoólica dos jovens”.
Relação entre consumo de álcool por estudantes do ensino médio e classe social
Um estudo realizado pelo Cebrid avaliou o consumo de drogas em escolas públicas e particulares do ensino fundamental e médio, estabelecidas nas capitais dos 26 Estados e no Distrito Federal. No âmbito desse levantamento, a professora Zila buscou descrever as características do consumo de bebida alcoólica entre estudantes do ensino médio, de acordo com a respectiva classe social. No caso, foram selecionadas escolas das cinco macrorregiões do país, registrando-se a participação de estudantes com idade variável entre 14 e 18 anos.
Ao contrário do que se observa nos países desenvolvidos e do que relata a literatura mundial, os estudantes brasileiros pertencentes às classes sociais mais altas são os que mais aderem ao binge drinking, que consiste em ingerir cinco ou mais doses seguidas. Verificou-se que essa prática é mais comum entre jovens do sexo masculino que cursam escolas particulares. O estudo descartou a hipótese de que no Brasil a pobreza é um fator de risco para o abuso de álcool entre os adolescentes. Ressalte-se que na Europa e nos Estados Unidos os levantamentos mostraram que o consumo de álcool é maior entre os estudantes mais pobres.
Outras conclusões indicaram que o impacto social e emocional de ter boas condições financeiras em um país desenvolvido pode ser diferente daquele de ser rico em uma economia emergente com alta desigualdade social. Além disso, o índice de desigualdade – de acordo com pesquisas recentes – também é um fator de risco para o uso de drogas.
Artigos relacionados:
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SANTOS, Mariana Guedes Ribeiro. O fenômeno de “esquenta” entre jovens: características e fatores associados ao beber pré-balada. 2014. 153 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.