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Pesquisa na Mata Atlântica abre perspectiva de novos medicamentos

Baccharis retusa DC., original da Serra da Mantiqueira, apresenta resultados positivos nas ações biológicas

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A Serra da Mantiqueira, localizada nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, é recoberta pela Mata Atlântica, um dos biomas com maior diversidade do planeta, lar de mais de 20 mil espécies de plantas, sendo 8 mil endêmicas. E é sobre esse meio ambiente que os pesquisadores do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema, se debruçam desde 2008 à procura de compostos com atividade farmacológica em diversas plantas oriundas das regiões de campos de altitudes.

As atividades descritas acima são desenvolvidas com financiamento no âmbito Jovem Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A tarefa inicial buscou prospectar majoritariamente espécies da família das Asteraceae, cujo representante mais famoso é o girassol. Após muitos estudos etnofarmacológicos, foi encontrada a Baccharis retusa DC., pertencente à referida família. “Naquele momento, quando nós iniciamos os trabalhos com a Baccharis retusa, era nosso objetivo pesquisar compostos com ação antiparasitária, investigar protótipos para o desenvolvimento de remédios no tratamento de leishmaniose e doença de Chagas”, conta João Henrique Ghilardi Lago, professor adjunto do campus e um dos pesquisadores envolvidos no projeto. A equipe de cientistas também é composta por Patrícia Sartorelli, professora adjunta do mesmo instituto.

Depois de análises do extrato da Baccharis retusa, chegou-se em um resultado positivo para atividade in vitro. Assim começaram os estudos, primeiramente por meio de análise de desreplicação do extrato bruto, visando conhecer os principais compostos presentes nessa matriz complexa, seguido pela análise química biomonitorada ou bioguiada, com o objetivo de descobrir dentro de inúmeras substâncias, qual ou quais delas, presentes no extrato, eram responsáveis por aquela ação. Após obtenção do composto isolado, ou seja, em elevado grau de pureza, iniciou-se o processo de caracterização química, usando ferramentas espectroscópicas para conhecer a arquitetura molecular da substância ativa.

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Planta Baccharis retusa D.C: fonte de novos medicamentos

No caso da Baccharis retusa, a desreplicação do extrato mostrou que o mesmo é composto por dez flavonoides diferentes, além de três ácidos clorogênicos. Esses compostos, também conhecidos como polifenólicos, são substâncias de origem vegetal e desempenham um papel fundamental na proteção da planta contra agentes oxidantes (raios ultravioletas, poluição, etc.). Porém, apenas um deles mostrou-se ativo no alvo biológico, a sakuranetina, cuja ocorrência é majoritária no extrato (presente em cerca de 50%). A cada cinco gramas, eram isolados de um a dois, fato raro, segundo os estudiosos. É mais comum existirem metabólitos (produto do metabolismo de uma determinada substância) na faixa de até 1% e possuir uma diversidade enorme de compostos, diferente dos quase 20% encontrados na Baccharis retusa. Além dos resultados obtidos, é importante afirmar que essa espécie nunca havia sido estudada quimicamente, nem biologicamente, apesar de ter algumas utilidades etnofarmacológicas, o que permite trazer contribuições significativas a cerca da quimiossistemática do gênero Baccharis, além de informações sobre o potencial biológico dessa espécie.

O processo de coleta das plantas não é um processo aleatório. Além de estudos prévios sobre qual será retirada do ambiente, há ainda a necessidade de autorizações. “Portanto, nós precisamos dos nossos colaboradores na área de Botânica, que possuem todas as permissões para acesso e manipulação do material”, relata Patrícia. Os botânicos da equipe sabem qual é a espécie certa que os pesquisadores precisam, taxonomicamente falando; colhem, trazem para o laboratório, onde será secada, moída, extraída e submetida aos estudos químicos e biológicos. 

Caso os compostos obtidos da Baccharis retusa virem protótipos para o desenvolvimento de fármacos, é de extrema importância que a síntese em laboratório seja simples, evitando o risco de extinção da planta. “Existem dois parâmetros para estudo que eu sempre cito para os meus alunos: é necessário ter quantidade do material na natureza e a estrutura da substância que está sendo caracterizada deve ser relativamente fácil de ser sintetizada. É isso que a indústria quer”, afirma Lago. O taxol, por exemplo, medicamento extraído de planta e utilizado contra o câncer de mama, apresenta uma estrutura extremamente complexa para se reproduzir em escala laboratorial, sendo inviável comercialmente. Ao contrário da aspirina, que apresenta uma estrutura simples, baseada em produto natural e cuja síntese é totalmente feita no laboratório em larga escala.

Atividades biológicas encontradas

A sakuranetina, o flavonoide ativo da planta em questão, apresentou nos modelos testados atividades anti-inflamatória, antimicrobiana e antiparasitária. Doenças parasitárias como a leishmaniose, malária e doença de Chagas, patógenos humanos como o cryptococcus e a cândida, além de bactérias e leveduras também estão sendo analisados pelo grupo.

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Os professores João Lago e Patrícia Sartorelli, responsáveis pela pesquisa

A metodologia utilizada para chegar aos resultados das atividades biológicas específicas envolve entender o mecanismo de ação da droga, estudos sobre a estrutura e atividade, para desse modo identificar quais grupos funcionais na molécula são mais importantes; pesquisas in vitro e in vivo, de toxicologia, para avaliar quão nociva é essa substância. Em relação à bioatividade apresentada pela planta em questão, um estudo conduzido pela professora adjunta Carla Máximo Prado, também do ICAQF/Unifesp, mostrou que a sakuranetina teve excelente atividade anti-inflamatória em modelo respiratório, “Esse modelo foi fantástico, um desempenho muito interessante comparado a dexametasona, anti-inflamatório padrão de controle positivo nos ensaios conduzidos”, relata Lago.

A próxima questão a ser resolvida pelo grupo diz respeito à averiguação quanto à toxicidade in vivo da amostra, ou seja, a avaliação, no modelo animal, com relação à quantidade de toxinas dessa substância. Possuindo em mãos a concentração nociva in vitro, as prospecções toxicológicas virão em seguida. Essa etapa já se iniciou com a Baccharis retusa. “Não sendo tóxica, nós partimos para os estudos pré-clínicos, pois não basta dizer se é ativo ou não; é ativo sim, mas prejudicará o ser humano? Vale a pena investigar para se tornar um futuro fármaco?”, comenta Patrícia.

A grande vantagem desse trabalho, de acordo com os cientistas, é a interdisciplinaridade. Começa com o botânico em campo coletando as plantas, depois entra o químico no laboratório para processar, purificar, isolar e caracterizar o material bioativo. Na sequência, entram os estudos na parte da Farmacologia, da Biologia Molecular, Biologia Celular, ou seja, há uma enorme gama de estudos.

A pesquisa, com essa e outras espécies vegetais bioativas, já dura dez anos e vem sendo financiada por meio de diversos outros projetos apoiados pela Fapesp, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além das bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que os alunos do programa de pós-graduação em Biologia Química e Ciência e Tecnologia da Sustentabilidade recebem, ambos do ICAQF/Unifesp. “Nós podemos dizer que depois de dez anos, temos quatro ou cinco protótipos que valem a pena investirmos, para pensar em etapas pré-clínicas posteriores e até, porque não, estar nas clínicas”, reflete o pesquisador.

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