Em meio à crise hídrica que assola a região metropolitana de São Paulo, a utilização das águas da represa Billings é apresentada como uma das saídas para remediar a falta de abastecimento da população. Conhecida por seu elevado nível de poluição, a represa tem a situação acentuada em razão do descaso por parte do poder público e dos cidadãos.
Durante os dois últimos anos, de 2013 ao início de 2015, os pesquisadores Cristina Nordi e Werner Hanisch, do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema, atuaram conjuntamente em um projeto de monitoramento da qualidade das águas da represa Billings, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Pioneiro entre as universidades públicas brasileiras, o projeto, que contou com a implantação de uma estação de monitoramento em tempo real e coletas mensais para medir parâmetros físicos, químicos e biológicos, permitiu a identificação na represa de uma quantidade expressiva de microalgas e cianobactérias – grupo de bactérias que obtêm energia por meio da fotossíntese e que, em grandes quantidades em água, podem ser prejudiciais à saúde.
Cristina Nordi, pesquisadora na área de monitoramento ambiental com enfoque nas algas e cianobactérias
O engenheiro químico Werner Hanisch pesquisa a área de sensores e qualidade das águas
“As cianobactérias entram em floração, ou seja, crescem em um número muito elevado devido à alta quantidade de nitrogênio e fósforo, nutrientes encontrados nos esgotos domésticos e efluentes industriais que são despejados na Billings”, afirma Cristina, pesquisadora na área de monitoramento ambiental com enfoque em algas e cianobactérias.
Por meio de sensores, a estação recebe as informações sobre as propriedades da água, tais como níveis de pH, condutividade elétrica, temperatura, oxigênio dissolvido, turbidez, nitrato, amônia e outros parâmetros físico-químicos ligados direta e indiretamente à proliferação de cianobactérias e microalgas, que obtêm energia pelo processo da fotossíntese.
“Esses microrganismos possuem clorofila A e, quando estão em floração, formam um tipo de ‘tapete verde’, intenso em sua superfície”, explica Hanisch, engenheiro químico que atua na área de sensores e qualidade de água, acrescentando que as cianobactérias liberam substâncias que podem alterar o odor e o gosto das águas.
Dessa forma, a represa é um ambiente eutrofizado, sendo a eutrofização o fenômeno causado pelo excesso de compostos químicos ricos em fósforo ou nitrogênio em uma massa de água, que provoca a proliferação de algas. Ao ocupar a superfície por completo, as cianobactérias e as algas impedem a absorção de luz por outros organismos que estão abaixo delas, impedindo a sobrevivência deles.
Além do predomínio das cianobactérias, o fundo da represa é praticamente anóxico, ou seja, possui pouco ou nenhum oxigênio. Isso acontece devido à grande produção de matéria orgânica degradada, oriunda do excesso de algas e cianobactérias, microrganismos aeróbicos que consomem todo o oxigênio, limitando a sobrevivência de peixes e alterando o ecossistema.
Lixo e contaminação
As cianobactérias podem liberar toxinas prejudiciais aos organismos e à saúde. Segundo o Manual de Cianobactérias Planctônicas: Legislação, Orientações para o Monitoramento e Aspectos Ambientais, da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), publicado em 2013, a alta quantidade de cianobactérias na água, se ingerida por seres humanos, pode ocasionar envenenamentos agudos e outros efeitos adversos, como, por exemplo, irritações cutâneas e enfermidades gastrointestinais.
“O cheiro da água está insuportável. Há uma condição de piora gradual, até mesmo visualmente. A quantidade de lixo nas margens da Billings é impressionante. Durante a pesquisa, nunca vimos a represa no estado em que está hoje. A degradação é gritante”, comenta Hanisch. O lixo que preenche a superfície e o fundo do reservatório é, em parte, contribuição do rio Pinheiros, que, de acordo com a Cetesb, desde 1960 direciona esgoto doméstico e efluentes industriais para a represa por meio do sistema de reversão.
Ilhas de lixo na superfície da represa resultantes da ocupação urbana irregular em suas margens e do descaso do poder público
Para os pesquisadores, se houvesse o tratamento adequado para o esgoto despejado no rio Pinheiros, que deságua no rio Tietê, a situação seria outra. “Quando há perigo de enchente na marginal, a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE) liga um sistema de bombeamento que inverte o fluxo do rio. Ao inverter o sentido das águas, eles redirecionam toda a poluição para a Billings”, diz Hanisch, alertando que, em partes, o processo de inversão é irregular, pois é mais utilizado do que o necessário.
Além da inversão das águas, a ocupação urbana ao redor da represa agrava a má qualidade da água. “A ocupação entorno da Billings é totalmente irregular. A população chega bem próxima às margens e, por consequência, todo o esgoto domiciliar vai para a água”, relata a professora Cristina.
A quantidade de lixo nas margens da represa é tão grande que o material se desloca e cria verdadeiras ilhas na superfície, presentes ao longo da extensão das suas margens. Somente a regularização e saneamento básico do esgoto do rio Pinheiros, em conjunto com o controle da desenfreada ocupação urbana das margens e saneamento dessas áreas, faria com que a poluição oriunda das atividades humanas não prejudicasse tanto a qualidade das águas.
Tratamento extremamente caro
No início do ano, no ápice da crise hídrica e do racionamento velado, o governo do Estado de São Paulo anunciou que pretendia, a partir de junho, usar a água da represa Billings para abastecer a região metropolitana, que hoje é abastecida pelo sistema Cantareira. O que preocupa os pesquisadores, apesar de não enxergarem outra alternativa além do uso da água da Billings, é a qualidade da água ser extremamente ruim e a discussão sobre a necessidade urgente de um tratamento mais avançado do que o normalmente utilizado.
“Utilizar a água da Billings não é inviável, mas eles terão que alterar o sistema de tratamento. O sistema de filtro convencional não é o suficiente, é preciso um processo refinado, muito mais caro que o tradicional”, analisa Cristina. No tratamento para purificar a água destinada ao uso da população, é utilizado o “filtro de areia”, que retira material particulado da água, como sujeiras, pedras e cascalhos. O processo tradicional também identifica e elimina a turbidez da água e coliformes fecais.
Recipientes com as amostras de água coletadas mensalmente na represa Billings pelos pesquisadores
Já a água da Billings precisaria passar por uma segunda filtração mais complexa, utilizada em água para reuso, chamada de filtração por membrana. Esse processo seria responsável por retirar as substâncias dissolvidas, como por exemplo, a toxina das cianobactérias, mercúrio, cobre, entre outras. “A represa Billings deve ser tratada como água para reuso porque a quantidade de esgoto é muito grande. O tratamento e o monitoramento desses parâmetros não podem ser iguais aos de outras estações de tratamento”, complementa Hanisch.
Os pesquisadores ressaltam que, com a presença das cianobactérias, produtoras de toxinas, seria imprescindível uma análise mais frequente, diária ou semanal, dos parâmetros utilizados na pesquisa. Outro risco grande na utilização dessas águas seria a liberação de metais e outras substâncias tóxicas apreendidas nos sedimentos, que podem ser liberadas e aumentar a contaminação da água.
Devido ao alto custo que seria necessário despender para tratar a água da represa Billings, em março, o governo Alckmin engavetou o projeto. A nova proposta é a construção de uma adutora que ligue dois braços da represa, o braço rio Pequeno ao braço rio Grande, que apresentam maior qualidade na água por não receberem contribuições diretas do rio Pinheiros. Dessa forma, tornar a água da Billings potável é um projeto a longo prazo.
As ações do Estado para melhorar a situação lamentável da represa são praticamente nulas. “O governo, há anos, demonstra descaso em relação às águas da Billings. Nós, pesquisadores em geral, não somos consultados para nenhuma tomada de decisão ou opinião para criar políticas públicas”, alega Cristina.
Para Hanisch, o papel da universidade é, por meio das pesquisas, trazer os problemas à tona para que a realidade seja conhecida e, nesse caso, para que a poluição das águas da represa não se perpetue. “A Unifesp tem credibilidade e com isso conseguimos ajudar a sensibilizar as autoridades a tomar uma atitude, assim como podemos conscientizar a população de que é preciso parar de poluir a Billings o quanto antes”.