O uso de impressoras 3D para fabricar próteses, já testado com sucesso por Organizações não Governamentais (ONGs) na Europa e nos Estados Unidos, surge como alternativa revolucionária, devido aos preços elevados e à falta de variedade que marcam o setor no Brasil. Apostando nisso, Maria Elizete Kunkel, professora adjunta na área de Engenharia Biomédica do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de São Paulo (ICT-Unifesp) em São José dos Campos, decidiu trazer para o país o projeto inovador de fabricação desses aparelhos no equipamento.
Tomando como base um projeto iniciado de uma parceria entre um carpinteiro da África do Sul que, ao perder sua mão em um acidente de trabalho, se uniu a um designer estadunidense e pensou em um modo mais simples e barato de criar uma prótese do que o convencional, a pesquisadora iniciou seus estudos, em 2014, enquanto ainda era professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e havia acabado de voltar do doutorado na Alemanha. “Procurava um projeto ao qual pudesse me dedicar, para desenvolver minha linha de pesquisa na universidade, e entrei em contato com os criadores do método de fabricação. Eles explicaram que havia um modelo de prótese de mão disponível na internet que nós poderíamos usar”, explica Maria Elizete.
Utilizando as medidas de sua própria mão, a pesquisadora iniciou a fabricação da primeira prótese-teste de termoplástico em uma impressora 3D da própria UFABC. Após o teste, Maria Elizete entrou em contato com um paciente do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), que perdeu parte das mãos em consequência de um acidente de trabalho; ele aceitou ser voluntário para testar o protótipo. “Juntamente com uma equipe de Terapia Ocupacional do hospital, nós fomos aprimorando o projeto inicial, melhorando aspectos que possibilitassem a ele uma maior facilidade para pegar os objetos”. O voluntário aceitou realizar os testes com a prótese e a voltar sempre que houvesse alguma questão a ser esclarecida. Ao fim do processo, ele se adaptou aos aparelhos, tendo apenas pequenos problemas com sensibilidade em algumas partes de seu braço ao entrar em contato com alguns tipos de parafusos, mas estes foram alterados minimizando o desconforto.
Ao iniciar seu trabalho como docente na Unifesp, Maria Elizete continuou com seu projeto. Aproveitou, não só para aprimorar as próteses, mas também para reunir alguns alunos de iniciação científica e pós-graduação com o intuito de a ajudarem na pesquisa. O grupo desenvolve seus trabalhos em uma pequena sala no Parque Tecnológico de São José dos Campos e possui apenas duas impressoras do modelo 3DCloner, desenvolvido pela Microbras, a indústria doadora, e que tem um custo bem menor do que a anterior, usada na UFABC, que chegava a custar 300 mil reais.
A impressora, segundo a pesquisadora, “usa um filamento de plástico, que é derretido por uma bobina localizada acima do aparelho. Após o derretimento, ele é lentamente depositado em uma placa em camadas, que obedece um modelo de três dimensões previamente desenhado em um programa de computador e que acompanha as medições de largura e altura do coto do paciente e, assim, a prótese é criada”. O processo total leva cerca de 12 horas para ser finalizado.
Quando pronta, a prótese tem um funcionamento diferente das convencionais. O paciente deve utilizar as articulações de seu punho para movimentar os fios e elásticos existentes nela e, assim, abrir e fechar a mão. Uma novidade idealizada pela pesquisadora são os velcros colocados no aparelho para que ele possa ficar preso ao corpo do paciente, para que, desse modo, seu membro não fique em uma posição incômoda.
Atualmente, por falta de impressoras e pela necessidade de se afiliar a algum hospital nas proximidades do campus, a quantidade de pacientes é escassa. Além disso, segundo a professora, há uma grande falta desse aparelho para crianças no mercado e o Sistema Único de Saúde (SUS) não o disponibiliza. Deve-se ressaltar, ainda, o fato de que os produtos que estão disponíveis são extremamente pesados e não acompanham o crescimento dos indivíduos, fazendo com que eles tenham que ser trocados de tempos em tempos, aumentando muito o custo. Pensando nisso, a pesquisadora e seus colegas têm focado na fabricação, preferencialmente, de próteses infantis.
O passo seguinte à obtenção da prótese pelas crianças é a necessidade de se iniciar um trabalho com um terapeuta ocupacional. “Uma pessoa com muita ânsia para pegar o máximo de objetos com a prótese pode acabar realizando movimentos errados e ter alguma lesão ou tendinite, por isso, precisa--se do treino com um profissional da área de saúde”, afirma a pesquisadora. Nos EUA, por exemplo, onde o processo de confeccionar próteses por meio de impressoras 3D já está sendo realizado há mais tempo, qualquer um pode fazer esse tipo de dispositivo e doá-lo. No Brasil, o procedimento é outro; a prótese precisa ser indicada por um médico.
A pesquisadora espera que no futuro próximo haja um aumento do patrocínio e das iniciativas para a fabricação de próteses pela impressora 3D, diversificando a oferta de modelos e barateando os custos. “Os dispositivos tradicionais que existem hoje para adultos são as próteses estéticas, que imitam uma mão perfeita, porém não possuem função motora alguma, permanecem somente na função estática”, contou a pesquisadora e admitiu que, além disso, se uma parte da prótese rasgar ou for manchada não terá conserto e o equipamento precisará ser trocado. Ademais, as próteses feitas em uma impressora 3D utilizam plástico, o que diminui consideravelmente o custo para a fabricação.
O projeto da pesquisadora conta com outros docentes da Unifesp, como Jean Faber e Henrique Amorim da área de Neuroengenharia, que criam e testam diferentes dispositivos médicos que possam ser confeccionados por uma impressora 3D. Outro projeto da pesquisadora é uma prótese de quadril para bebês que nascem com essa parte do corpo não encaixada perfeitamente e, por essa razão, têm que ser imobilizados com as pernas em posição de 90 graus por meses. Atualmente se utiliza gesso para essa imobilização; com a impressora, o material empregado seria o plástico, muito mais leve e confortável. Esse projeto conquistou a segunda colocação no Prêmio Jovem Pesquisador no Congresso Brasileiro de Engenharia Biomédica de 2014. Outra proposta que está em andamento é um projeto destinado aos deficientes visuais que estudam Anatomia. Produzidas por impressão 3D, peças anatômicas teriam texturas diferentes para cada tecido, facilitando a aprendizagem daqueles que não conseguem enxergar.
No momento, Maria Elizete e seu grupo não estão focados apenas em aperfeiçoar a prótese já existente. “Pretendemos realizar mudanças estruturais e desenvolver modelos automáticos, além de mecânicos, que já permitem que a criança tenha a mobilidade para pegar um objeto, brincar, entre outras atribuições”, conta a pesquisadora. “Nós iremos realizar algumas modificações na prótese. Por exemplo, colocaremos uma ponteira nos dedos para que a pessoa possa utilizar o computador ou o teclado do celular”, acrescenta ela. Para que tais mudanças tenham início, o grupo está criando uma campanha chamada Mao3D para arrecadação de financiamento pela internet denominado “crowdfunding”. Com ele, qualquer um pode doar dinheiro e ajudar o projeto e, a partir disso, mais e mais modelos poderão ser confeccionados.
Recentemente a pesquisadora, um aluno de iniciação científica da UFABC e três alunas da Unifesp foram selecionados para apresentar seus projetos de tecnologia assistiva na Feira de Tecnologia da Campus Party.
A evolução das próteses de mãos produzidas pela impressora 3D
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MUNHOZ, R.; MORAES, C. A. C.; KUNKEL, M. E.; TANAKA, H. Modelamento tridimensional de órtese para displasia do desenvolvimento do quadril por fotogrametria. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA BIOMÉDICA, 24., 2014, Uberlândia. Anais... Uberlândia: SBEB, 2014. p. 1601-1604. Disponível em: <http://www.canal6.com.br/cbeb/2014/artigos/cbeb2014_submission_476.pdf>. Acesso em: 12 Maio 2015.