A produção industrial do petróleo feita em refinarias desencadeia um grave problema ambiental. O processo de extração do óleo bruto polui uma enorme quantidade de água que, ao entrar em contato com uma alta concentração de contaminantes tóxicos, não pode ser reutilizada. A água devoluta do processo, conhecida como “água ácida”, contém fenóis, amônia e gases sulfídrico e cianídrico que, entre outras substâncias, são tóxicos para o meio ambiente e para a saúde humana.
A pesquisadora Elen Aquino trouxe a linha de pesquisa que estuda a biorremediação para a Unifesp - Baixada Santista
Elen Aquino Perpetuo, professora do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no Campus Baixada Santista, ao estudar o contaminante fenol, um composto orgânico que contém o grupo funcional hidroxila (-OH) ligado diretamente a um carbono de anel aromático, identificou que duas bactérias gram-negativas - a Achromobacter sp. e Pandoreae sp. - são capazes de reduzir a concentração tóxica do contaminante no efluente que resulta do refino do petróleo. Muitos estudos têm reportado o isolamento de bactérias com capacidade de biodegradação de contaminantes, como hidrocarbonetos aromáticos, sendo a maioria dessas bactérias gram-negativas. Esse termo é utilizado para classificar bactérias com base na estrutura da sua parede celular.
“O maior problema das refinarias é que o resíduo não pode ser direcionado à estação de tratamento de efluentes por possuir uma carga tóxica que pode dizimar por completo a microbiota, que é o conjunto de microrganismos que habitam o ecossistema da lagoa de tratamento”, explica a pesquisadora.
A finalidade das refinarias é potencializar o rendimento de substâncias provenientes do petróleo como a gasolina e o gás liquefeito de petróleo (GLP), aplicando um processo químico denominado craqueamento catalítico. Após a destilação fracionada e a vácuo, o craqueamento é responsável por fazer a conversão de frações pesadas do petróleo em mais leves, e dessa forma quebrar moléculas maiores e as tornar menores, sendo estas de maior interesse comercial. As concentrações de contaminantes tóxicos nesse efluente industrial podem variar de 100 a 1.000 ppm [partes por milhão]. As refinarias implementam tratamento para a remoção do sulfeto e de amônia, mas o procedimento não é suficiente para remover também o fenol.
Imagens microscópicas das bactérias Achromobacter sp. e Pandoreae sp.
Bactérias capazes de degradar contaminantes são conhecidas pela literatura científica. O diferencial da pesquisa em questão é o tratamento de um efluente real. “Os estudos geralmente são feitos em ambiente estéril e com efluente sintético (produzido em laboratório), e na maioria das vezes contendo somente um contaminante modelo. O inédito da pesquisa é a possibilidade de se tratar um efluente real, recolhido diretamente da refinaria, o qual possui uma mistura de contamintantes”, afirma a docente. As amostras de efluente fenólico foram cedidas pela refinaria Presidente Bernardes, pertencente à Petrobras, localizada no município de Cubatão em São Paulo.
O estudo se iniciou em parceria com o Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema), coordenado pela Universidade de São Paulo (USP), e apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Ao deixar uma solução de fenol exposta ao meio ambiente, a pesquisadora notou que o material começou a turvar, o que evidencia crescimento celular. Sendo o fenol a única fonte de carbono da solução, constatou-se que bactérias aeróbicas estavam degradando o composto.
As bactérias do gênero Achromobacter sp. e Pandoreae sp foram detectadas após o isolamento de todas as microbiotas ativas na solução. A biorremediação natural consiste no processo de regeneração de equilíbrio do ecossistema original de um ambiente poluído por atividades antrópicas e é reconhecida como uma das soluções de mais baixo custo para a limpeza de água e solos contaminados. Essa técnica, no entanto, pode ser otimizada por técnicas de bioaumentação e bioestimulação, em que há a aceleração e a atenuação do processo natural.
Segundo a pesquisadora, o descarte de água com substâncias fenólicas permitido e determinado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) é de 0,5 miligramas por litro, sendo que nas amostras utilizados como objetos de estudo apresentaram uma concentração de 500 miligramas de fenóis por litro, número mil vezes maior que o limite de descarte. Por meio do processo da biorremediação, o efluente industrial pode ser purificado e alcançar os limites permitidos para o descarte nas lagoas de tratamento sem prejudicar a biodiversidade da área.
“Ao degradar o fenol do efluente, as bactérias permitem o reuso de uma água que seria desperdiçada ao ser estocada. Além da economia de água para a indústria, há o controle no gasto de dinheiro. Há, portanto, um ganho econômico e ambiental”, destaca Elen. O tratamento biológico é responsável por retirar todos os resíduos da “água ácida”, mas não modifica o seu aspecto visual. A água, de coloração marrom, ainda passa por um processo de filtração feita com carvão ativado para remover a cor e obter uma aparência “mais limpa”.
No laboratório foram tratados de dois a três litros do resíduo industrial. Para aplicação do processo em larga escala, a pesquisadora desenvolveu um protótipo de cilindro biológico em conjunto com o Cepema. “Nos perguntamos como seria tratar 500 litros, por exemplo. A ideia é que o protótipo real seja um cilindro biológico de metal que permita a aeração. Como essas bactérias são aeróbicas, é necessária a presença de oxigênio no processo, que pode ser obtido por meio da aeração”, comenta Elen.
O cilindro promoveria a aeração e seria, ao mesmo tempo, um suporte para o aquecimento bacteriano. Com o modelo de uma roda de água, ficaria parcialmente imerso no efluente contaminado pelo fenol e ao mesmo tempo exposto ao ar, em um movimento cíclico. Ainda não há confirmação de parceria com a Petrobras para a concretização do projeto.
O efluente tratado por meio da biorremediação pode ser reutilizado apenas para fins industriais. Apesar de imprópria para uso humano, a água se torna completamente livre dos principais contaminantes tóxicos, que exterminaria comunidades aquáticas, por exemplo, e promove a economia de um bem escasso, porém, essencial à vida humana.