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Integrar corpo e alma, em defesa da saúde

Grupo de pesquisadores aposta no combate ao atendimento desumanizado e ao psicologismo clássico

Montagem fotográfica com várias páginas das apostilas

O grupo de pesquisa “Corpo e Alma do Sujeito da Saúde” (Casusa), cadastrado Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e coordenado por Fernando de Almeida Silveira, advogado, psicólogo e professor de Psicologia e Humanismo do Campus Baixada Santista – Unifesp, tem como principal objetivo fornecer o instrumental teórico-pedagógico para os cursos de formação na área da Saúde.

O projeto, de caráter interdisciplinar, teve início no começo de 2012. Fernando coordenou o grupo, que contou com 11 colaboradores, para desenvolver duas apostilas que servem de base para o curso de formação permanente para técnicos, familiares e usuários. Ele é aplicado, até o momento, no Naps I (Núcleo de Atenção Psicossocial), localizado na zona noroeste de Santos, região pouco privilegiada em termos sociais e econômicos, e no Conselho Municipal de Saúde. Os usuários atendidos no Naps recebem apoio de profissionais capacitados, medicamentos necessários e cuidados. O Casusa trabalha na questão da formação permanente.

Grupo reunido em uma sala, dois dos integrantes seguram as apostilas nas mãos

Integrantes do grupo de pesquisa Casusa reunidos no Campus Baixada Santista para discutir os próximos passos da pesquisa

As apostilas Chorei, Sorri: Emoções, Vivi! e Doutor, eu sou normal? trazem a Filosofia aplicada à área da Saúde, com os estudos de Maurice Merleau-Ponty sobre Fenomenologia e Michel Foucault sobre a construção histórica do sujeito e a subjetividade. As duas apostilas, com 7 capítulos cada, são estudadas em oito aulas ministradas pelos colaboradores do grupo de pesquisa. “A gente faz a preparação da equipe, a formação dos técnicos dos equipamentos, uma conscientização dos usuários da Saúde Mental, tanto no que diz respeito à sensibilidade deles, quanto à sua própria história. Imagina dar uma aula de História da Loucura para usuários da saúde mental?”, explica o coordenador.

O processo reflexivo do usuário, que agora se questiona a respeito da sua loucura, e a conversa com os técnicos, vistos anteriormente à aplicação do curso como especialistas e, portanto, em nível superior comparados ao usuário, são um resultado positivo dos ensinamentos das apostilas.

A primeira, baseada na Fenomenologia de Merleau-Ponty, trata da percepção do sujeito. A percepção é compreendida dentro do contexto em que vive o sujeito, não existindo sensações elementares nem objetos isolados. A percepção será sempre, por isso, uma maneira necessariamente provisória e incompleta de perceber os objetos e as relações (os “fenômenos”). A compreensão fenomenológica da percepção será construída com base no diálogo interdisciplinar com a Psicologia, com a Filosofia, com as Artes e outros saberes que possam contribuir para a sua elaboração. “A questão é como você, enquanto sujeito, se percebe para poder dar conta da percepção do outro. Os temas-chave são contato e acolhimento. E essas questões são fundamentais para o atendimento do usuário”, explica Silveira.

Usuários e técnicos se entendiam no decorrer do curso; conversavam e se percebiam. Afinal, estar no lado da equipe de atendimento também é algo complexo. Sérgio Marques Jabur, psicólogo integrante do Casusa, explica a importância dos cursos de capacitação para a equipe: “Quando se fala em Saúde Mental, se fala em todos. Cada um de nós pode ter alguém próximo com depressão, por exemplo. É algo muito próximo de nós. Deve haver um distanciamento da equipe, um descolamento daqueles pacientes para o devido atendimento. A equipe também adoece e por isso o curso de capacitação exerce papel importante”.

Fotografia da pesquisador Fernando de Almeida Silveira

Fernando de Almeida Silveira é coordenador do grupo de pesquisa Casusa (Corpo e Alma do Sujeito da Saúde)

Doutor, eu sou normal?, a segunda apostila, traz Foucault na abordagem da normalização e construção histórica do sujeito. O coordenador do grupo de pesquisa explica que a ideia do nome surgiu da frequência que pacientes fazem essa pergunta para os médicos, principalmente psiquiatras ou psicólogos, em atendimentos clínicos.

O questionamento traz a marca das imposições sociais e estigmas. “São comportamentos dentro de uma curva normal de estatística, do comportamento central, que é padrão”, reflete Silveira.

Segundo o professor, é preciso analisar os fatos sócio-históricos, porque se vive hoje em uma sociedade surtada, social e politicamente, e o psicologismo clássico não deve ser a base principal para diagnósticos ou conclusões acerca de um conjunto de sintomas. “Se o indivíduo tem medo de andar na rua, é introspectivo e tem dificuldade de relacionamento já é enquadrável enquanto comportamento patológico. Socialmente, é produzida a necessidade de que se precisa medicar. Às vezes, impõe-se medicar porque o sujeito não tem aqueles recursos subjetivos, apenas possibilitados pelo acesso à educação e à cultura, para pensar sua vida para além dos processos de adoecimento. Nesse sentido, a história da Psicologia é uma história fascista no que diz respeito à normalização, na qual o outro, o diferente, é constantemente enquadrado enquanto inadequado, anormal, patologizado, medicalizável”, explica. “O papel desse curso é sair da ordem psicologizadora. A alma do sujeito é uma construção histórica, é a alma moderna, do sem teto, alma dos excluídos, dos patologizados. Abre-se um espaço crítico de reflexão política desse processo de construção de nós mesmos por meio dos cursos de formação”, afirma Silveira.

Os diagnósticos da “loucura” colocam os usuários da Saúde em situação de exclusão. Em diversos casos, não há possibilidade de abordar reflexões sobre os diagnósticos, há somente a naturalização da exclusão. “O usuário acha que o diagnóstico de esquizofrenia a ele atribuído é algo que está cravado no corpo dele”, afirma Silveira. “Isso é uma medida da constituição da história da saúde mental. Processos de patologização e medicalização têm interesses econômicos e políticos. É preciso mostrar isso ao indivíduo. A história da loucura mostra que todas essas qualificações da loucura surgiam por meio, até mesmo, da própria academia. A universidade precisava provar o que estava sendo pesquisado e criava, assim, padrões de normalidade”, complementa.

O grupo de pesquisa continua trabalhando no instrumental teórico-pedagógico para que haja expansão da aplicação do curso e do conteúdo das apostilas em termos regionais. “Começamos o projeto agora, mas em Santos são 5 Naps. Aplicamos o projeto piloto no Naps I, mas temos as outras quatro unidades e os equipamentos da Praia Grande”, finaliza Silveira.

Montagem fotográfica com várias páginas das apostilas

Apostilas desenvolvidas pelos integrantes do grupo de pesquisa Casusa (Corpo e Alma do Sujeito da Saúde) auxiliam na aplicação do curso de formação permanente. O projeto gráfico é desenvolvido pelo Estúdio Arcano Zero