Agradecimentos
• Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação
• Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB)
Não bastam apenas dedicação e perseverança para um atleta conquistar um espaço na elite esportiva. Atualmente, a ciência, com estudos realizados nos mais variados segmentos da Medicina e da Fisiologia, fornece aos atletas os meios necessários para atingir o auge de sua performance física, mesmo em ambientes e condições adversas. Transpor os próprios limites e descobrir novos, inclusive biológicos, são os maiores desafios. Nessa busca, quem sai na frente tem mais chances de atingir o pódio.
O poder do DNA
A identificação de pequenas variações no genoma – conhecidas como SNPs (Polimorfismo de nucleotídeo único ou polimorfismo de nucleotídeo simples) – e das expressões de moléculas marcadoras possibilita entender os mecanismos reguladores de diferentes fenótipos na população. Esses são largamente usados na Biomedicina e na Farmacologia para a detecção de doenças. Entretanto, desde 2011, o biólogo molecular e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), João Bosco Pesquero, direcionou parte de seus estudos para analisar o outro lado dessas variações genéticas: o da propensão à habilidade.
Além de coordenar o Laboratório de Biologia Molecular e Diagnóstico Molecular de Doenças Lisossomais da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp – Campus São Paulo, Pesquero também é responsável pelo projeto Atletas do Futuro, que envolve vários pesquisadores da instituição e das universidades de São Paulo (USP), Campinas (Unicamp) e Federal de Minas Gerais (UFMG). O grupo analisa, utilizando a tecnologia GWAS (estudos de associação genômica ampla), quatro dos cerca de 300 marcadores genéticos ligados à performance esportiva existentes no DNA humano e que são considerados os mais seguros na literatura mundial – α-actinina 3 (ACTN3); enzima conversora da angiotensina (ECA); receptor B2 de bradicinina (BDKRB2) e angiotensinogênio.
Pesquero explica que o projeto tem dois objetivos. O primeiro é criar um mapa genético dos atletas de elite de diferentes modalidades, avaliar o impacto desses marcadores ligados à aptidão física e usar essas informações como ferramenta confiável para orientar o tipo e a intensidade dos treinos, evitando lesões. “Identificando alguns marcadores genéticos, acreditamos que é possível saber se a pessoa tem maior predisposição às atividades de resistência, velocidade ou explosão”.
O segundo tem cunho social, já que a intenção é trabalhar as crianças em início de atividades esportivas, direcionando-as para a modalidade na qual elas melhor se encaixem. “Se você conseguir que a criança ou o adolescente obtenha sucesso no esporte, eles vão gostar e aderir. O mesmo acontece com os adultos”, afirma o pesquisador. “Inevitavelmente, formaremos mais atletas de elite para o país tirando os jovens das ruas ou da frente do computador”.
Atualmente, o projeto possui um banco de dados genômicos com aproximadamente 800 atletas brasileiros de alto desempenho, graças às parcerias com várias federações e confederações brasileiras, além de clubes esportivos. O responsável pelo estabelecimento das informações do banco de dados genômicos no grupo é o biólogo Elton Dias da Silva, que realiza todas as análises dos DNAs coletados.
Força x resistência
Paulo Roberto Correia
Vários estudos sobre esses marcadores estão em andamento na Unifesp. Um deles é inédito e avaliou a sua utilização no treinamento de 30 jogadores de dois times que participaram da Liga Nacional de Basquetebol masculina em 2012 e 2013. Os dados preliminares, apresentados no Congresso Internacional Atletas do Futuro, realizado na Unifesp em junho, comprovaram a eficácia da utilização da genética para a melhora no desempenho dos jogadores e na prevenção de lesões.
Paulo Roberto Correia, fisiologista do exercício, técnico desportivo da disciplina de Neurofisiologia e Fisiologia Endócrina da EPM e ex-atleta olímpico, explica que nos três anos que antecederam à análise dos marcadores genéticos a média de lesões era de 14 ao ano, causadas por contraturas, estiramentos, fraturas por estresse e entorses. “Usando as informações do DNA durante a temporada de jogos e mudando o treino de cada um, de acordo com o perfil de força ou resistência, as lesões por treinamento ou jogos foram nulas”, afirma. “O que tivemos foram lesões por acidente, mas não as corriqueiras em treino ou jogos”.
Segundo o fisiologista, o que favoreceu o desempenho desses jogadores foi a forma de programar o treino de cada um, respeitando o limite genético individual. Assim, as qualidades físicas predominantes de cada jogador foram desenvolvidas quase que na sua plenitude, evitando treinos abusivos onde esse atleta não era favorecido. Consequentemente, o tempo em quadra aumentou, evidenciando uma performance ótima e levando esses jogadores a pontuarem mais.
Neuroplasticidade
Mecanismo envolvido na relação entre a prática de esportes e a diminuição do estresse, da ansiedade e da depressão, o Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF, na sigla em inglês) – proteína que melhora a saúde, plasticidade e regeneração neuronal – também foi tema do doutorado de Paulo Roberto Correia e integra uma das linhas de pesquisa de Ricardo Mario Arida, professor do Departamento de Fisiologia da EPM/Unifesp e orientador do estudo.
Paulo Correia analisou as concentrações plasmáticas basais (repouso) de BDNF em atletas de velocidade (corredores de 100, 200 e 400 metros rasos) de níveis nacional e internacional e em sedentários. Os resultados apontaram que essa proteína estava com um aumento muito expressivo nos atletas – independentemente da performance esportiva – em comparação aos indivíduos sedentários. Entretanto, os esportistas de classificação internacional apresentaram maior concentração de BDNF que competidores nacionais.
Outro estudo do fisiologista, realizado com voluntários saudáveis, também apontou que exercícios agudos de força (anaeróbio) não foram capazes de alterar positivamente os níveis da mesma proteína no sangue. “Isso sugere que o aumento de BDNF pode estar relacionado com o grau de esforço físico e do desempenho da atividade, e que seu aumento, induzido pelo exercício, pode ajudar a caracterizar tanto o nível do atleta como de seu treinamento”, explica Paulo Correia.
Uma questão de fibras
Entender como funcionam os grupos musculares que compõem o corpo humano e a melhor forma de condicioná-lo, tanto para um melhor desempenho dos atletas quanto para evitar ou recuperar lesões provocadas pelo esforço, é a força motriz de um grupo de pesquisadores da disciplina de Neurofisiologia e Fisiologia do Exercício do Departamento de Fisiologia da EPM/Unifesp.
Entre as várias linhas de estudo que estão em andamento no Laboratório de Fisiologia do Exercício da EPM/Unifesp – instalado dentro do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação da Prefeitura de São Paulo –, uma pesquisa inédita no país, coordenada pelo professor Bruno Silva, analisa uma estratégia de preparação e condicionamento muscular de atletas.
Chamado de pré-condicionamento isquêmico (PCI), o método consiste na aplicação de três a quatro ciclos curtos de interrupção (cerca de cinco minutos) e reestabelecimento do fluxo sanguíneo nas pernas do atleta minutos antes da competição. O procedimento, que é realizado com um aparelho desenvolvido por Bruno e pelos professores Antonio Carlos da Silva e José Ernesto Succi – dos departamentos de Fisiologia e Cirurgia da EPM/Unifesp, respectivamente –, é semelhante ao usado para medir a pressão arterial, leva entre 30 a 40 minutos e foi capaz de melhorar em até 10% o rendimento dos atletas nos sprints – corridas de velocidade de curta distância – repetidos.
De acordo com Silva, o PCI já foi aplicado em esportistas de diversas modalidades, entre elas, futebol, atletismo e natação (200 e 400 metros). Em todas, os resultados no desempenho mostraram-se animadores. “Nos poucos artigos publicados, há menção de ganho no desempenho entre 3% e 11%”, afirma. “Entretanto, esse ganho dependerá do nível de condicionamento do atleta. Quanto melhor o condicionamento, provavelmente menor o ganho”.
Silva explica que estudos sobre o impacto de curtos períodos de isquemia nos órgãos surgiram na década de 1980 e apontaram que, quando aplicada em breves períodos, ela era capaz de proteger os tecidos contra lesões por isquemia prolongada causadas por infarto, por exemplo. “Em 2010, pesquisadores resolveram testar a técnica na área esportiva, pois parte do que acontece na isquemia é similar ao que ocorre com o músculo acionado intensamente durante o exercício”, afirma. “No exercício de alta intensidade, o gasto de energia do tecido é muito alto e tanto a oferta de oxigênio quanto de nutrientes pode ser insuficiente em relação à demanda do exercício”.
Mais desempenho, menos fadiga
Se o PCI aponta ser benéfico no desempenho de exercícios nos quais o membro recrutado – no caso as pernas – é o mesmo em que foi aplicado o método, ainda não está claro se sua eficácia chegaria aos membros superiores e quais são os mecanismos envolvidos nesse processo. Nesse caso, a avaliação é chamada de IPC remoto (RIPC), já que é aplicada em outra parte do corpo que não aquela a ser analisada. “Nos estudos, até o momento, a isquemia em geral tem sido aplicada nas pernas porque são membros que possuem maior quantidade de músculos”, explica Bruno.
Dessa forma, Bruno Silva submeteu 13 homens a dois procedimentos diferentes, em ordem aleatória. Em um dia, foram aplicados os três ciclos de isquemia nos membros inferiores e aguardados 10 minutos antes da realização de um teste de preensão manual. Em outro, foi aplicado um procedimento controle. Em seguida, todos os participantes do estudo realizaram o teste de preensão manual (hand grip), realizado de maneira rítmica (uma contração por segundo) até a exaustão. O desempenho foi avaliado pelo tempo de falha para manter o nível de força durante o protocolo, assim como pela velocidade de contração e de relaxamento.
Como alguns dos fatores responsáveis pelo desenvolvimento da fadiga por exercício físico envolvem a redução do fluxo sanguíneo e do oxigênio no músculo esquelético, o pesquisador também utilizou ultrassom com doppler para medir a quantidade de sangue circulante no braço avaliado e a espectroscopia de infravermelho próximo para verificar o equilíbrio entre a utilização e o fornecimento de oxigênio no mesmo.
Quando os indivíduos passaram pela isquemia, esses apresentaram um desempenho 11,2% maior nas contrações, ou seja, o aparecimento da fadiga foi retardado em comparação com o experimento controle. Entretanto, nos parâmetros sanguíneos e de oxigenação muscular não ocorreram alterações. “Os achados confirmam o efeito benéfico da RIPC sobre o desempenho do exercício em grupos musculares que não são acessíveis a passar por um estímulo isquêmico”, explica Antonio Carlos da Silva, chefe da disciplina de Neurofisiologia e Fisiologia do Exercício do Departamento de Fisiologia da EPM/Unifesp. “Ainda não sabemos quais são as alterações sofridas ou substâncias liberadas pelo organismo que justifiquem os resultados sobre o desempenho muscular”.
Para Antonio Carlos da Silva, é preciso mais investigação sobre os mecanismos desencadeados pela isquemia na musculatura, uma vez que, em alguns estudos, o processo parece gerar alguma melhora no fluxo sanguíneo. Mas, mesmo sem uma melhora no fluxo sanguíneo, os resultados indicam que o PCI pode ser útil em situações onde há um grande aumento da taxa metabólica e, portanto, um desafio para a oferta de oxigênio. “Esse dado não é importante apenas para a área esportiva, mas também pode indicar um novo tratamento para as doenças vasculares periféricas e, quem sabe, futuramente, até mesmo para as neurológicas com comprovada diminuição de fluxo sanguíneo no cérebro”.
Superando adversidades
Atleta durante Treinamento Hipóxico Intermitente (THI)
Como superar as adversidades ambientais às quais os atletas estão sujeitos quando competem em altitude elevada, onde a respiração fica mais difícil?
Um estudo está em andamento, embora em fase inicial, para avaliar o efeito do pré-condicionamento isquêmico, o qual poderá amenizar o desconforto dos atletas nas competições em grande altitude. “Se esse tipo de condicionamento é capaz de melhorar o desempenho de indivíduos, conseguindo aumentar a demanda energética quando o consumo de oxigênio muscular está no seu limite, então, provavelmente, o mesmo condicionamento terá repercussão sobre aquilo que os atletas sentem quando competem em altitudes, onde o limite de consumo de oxigênio é menor devido ao ar rarefeito”, explica Antonio Carlos da Silva, chefe da disciplina de Neurofisiologia e Fisiologia do Exercício do Departamento de Fisiologia da EPM da Unifesp.
Por outro lado, treinadores esportivos e fisiologistas já utilizam recursos de treinamento em altitude para melhorar o desempenho de atletas em competições realizadas ao nível do mar. Quando exposto ao ar rarefeito de altitude, onde a disponibilidade de oxigênio é menor (hipóxia), o organismo humano desenvolve adaptações que minimizam os efeitos dessa exposição. Há um aumento no número de células vermelhas no sangue (hemácias) e, consequentemente, de hemoglobina, a proteína do sangue responsável pelo transporte de oxigênio aos tecidos e órgãos. Além disso, o acesso do sangue aos músculos é melhorado por um aumento no número de capilares sanguíneos (microvasos sanguíneos). Assim, quando o atleta volta para o ambiente de origem, em baixa altitude, com maior disponibilidade de oxigênio no ar (normóxia) e maior capacidade de transporte pelo sangue, consegue atingir níveis mais elevados de produção de energia aeróbia (consumo máximo de oxigênio), com benefícios para a performance.
O fisiologista explica que existem as opções de treinar e morar em altitude e de treinar no nível do mar e morar em altitude. Entretanto, a ideia de treinar atletas em altitude é a mais antiga, mas sempre envolve problemas, como alto custo da logística de transporte. “No caso de o atleta morar e treinar em altitude, há uma diminuição na intensidade dos treinos, pois sua tolerância é prejudicada devido à exposição à hipóxia do ar ambiente 24 horas por dia”, afirma. “Por outro lado, treinar ao nível do mar e dormir em altitude requer condições geográficas, de treinamento e alojamento especiais, também dispendiosas”.
Criar ambientes artificiais que simulam os efeitos da altitude no organismo, como a utilização de um equipamento com máscara, que fornece uma mistura gasosa contendo mais nitrogênio e menos oxigênio do que há disponível no ar que respiramos, foi uma das soluções encontradas e disponibilizada no Laboratório de Fisiologia do Exercício da Unifesp. Essa solução permitiu o surgimento de uma nova variação do treino em condições de altitude simulada, alternando períodos suportáveis em condições hipóxicas, com os treinamentos regulares do atleta, no seu próprio local de prática. Essa estratégia foi denominada Treinamento Hipóxico Intermitente (THI).
Vários estudos apontam que há benefícios no treinamento em altitude real ou simulada. Entretanto, os benefícios adquiridos pelo atleta se perdem em muito pouco tempo. Dessa forma, a equipe do professor Antonio Carlos testou um grupo de atletas – 60 iniciaram e 26 concluíram todas as etapas do estudo – para verificar se alguns períodos semanais de inalação de mistura gasosa hipóxica (simulando altitude de 3000 metros) em repouso, após o THI, seria capaz de diminuir a velocidade de perda dos benefícios adquiridos com o treinamento. O estudo teve, para cada atleta, a duração de dez semanas. Em seis semanas, treinos de alta intensidade foram realizados em ambiente com simulação de altitude (3000 m); nas outras quatro, o grupo experimental inalou, em repouso, ar com oxigênio correspondente a mesma altitude, uma hora por dia, dois dias por semana.
De acordo com o fisiologista, os dados preliminares mostraram que o protocolo utilizado não permitiu detectar uma redução na velocidade de perda das adaptações produzidas pelo treinamento em altitude simulada. “Talvez seja necessário a exposição à hipóxia por mais dias ou horas”.
Equilíbrio muscular
Alguns atletas possuem mais fatores de risco para lesões que outros. Além da fraqueza muscular, uma condição que também favorece as lesões, muito discutida entre os especialistas e pesquisadores, é o desequilíbrio de força entre as musculaturas do membro envolvido na prática esportiva. De acordo com Marília dos Santos Andrade, fisiologista e professora da disciplina de Neurofisiologia e Fisiologia do Exercício da EPM/Unifesp, essa oscilação ocorre frequentemente nas modalidades onde os gestos são repetitivos, colaborando com um desenvolvimento mais pronunciado de um grupo muscular em detrimento de outro.
Na busca por respostas a esse equilíbrio, a fisiologista coordena várias linhas de pesquisa. Uma delas avalia justamente em que momento esse desequilíbrio de forças começa a se instalar. Dados de um estudo realizado com 108 atletas de handebol, com idades variando entre 13 e 36 anos, de ambos os sexos, apontam que o desequilíbrio entre os músculos rotadores externos e internos do ombro começa a aparecer quatro ou cinco anos após o início dos treinos. Todos os atletas passaram por testes com dinamômetro isocinético, aparelho de análise muscular computadorizada no qual é possível avaliar desequilíbrios e déficit musculares com dados precisos sobre força, potência e resistência das articulações do quadril, joelho, tornozelo, ombro, cotovelo, punho e tronco.
Segundo a pesquisadora, apesar de as relações de equilíbrio muscular e a deficiência contralateral não terem sido diferentes entre jogadores de handebol e sedentários, os jogadores apresentaram relações de equilíbrio mais baixas que a recomendada na literatura mundial para minimizar os riscos de lesão no ombro. “Esses resultados podem ajudar treinadores e profissionais da Medicina Esportiva a entenderem como se desenvolve a força dos músculos envolvidos nesse esporte e executarem trabalhos que compensem os desequilíbrios, como o fortalecimento muscular direcionado, ainda nas categorias de base”.
Estudo semelhante, realizado com jogadores de futebol, mostrou que o desequilíbrio também ocorre nas musculaturas anterior e posterior das coxas. “Esses esportistas raramente usam ambos os membros com igual ênfase, favorecendo o músculo quadríceps, desestabilizando a força dos joelhos e aumentando o risco de danos”, explica a fisiologista.
Reabilitação na medida certa
Determinar a intensidade da carga da reabilitação em atletas após uma cirurgia de lesão não é uma tarefa fácil. Mais difícil ainda é encontrar marcadores seguros para isso, principalmente nas fases iniciais da recuperação de uma reconstrução do ligamento do joelho, uma das lesões mais comuns em esportes que exigem mudanças bruscas de direção, como o futebol, o handebol, o vôlei, entre outros.
De acordo com Marília, o pleno restabelecimento do atleta nesse tipo de cirurgia pode levar entre seis e oito meses e os critérios de avaliação durante a reabilitação, como dor e edema, são muito subjetivos. “Outros métodos são utilizados para estimar a deficiência muscular, como a circunferência da coxa e o dinamômetro isocinético, aparelho que permite avaliar a força muscular, mas sua aplicação só pode ser efetuada, com segurança, quatro meses após a intervenção cirúrgica”, explica. “Dessa forma, resolvemos avaliar a resposta cardiorrespiratória do atleta diante do esforço do membro inferior operado e comparar com os resultados encontrados com a mesma atividade no outro, sadio”.
O estudo, coordenado por Marília e realizado em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), selecionou nove atletas operados, colocando-os para fazer ciclismo com a mesma carga, por cinco minutos, na bicicleta ergométrica, comumente usada nos processos de reabilitação. Os atletas tiveram a resposta cardiorrespiratória – frequência cardíaca e ventilação pulmonar – medida em dois momentos distintos, quando trabalharam uma perna de cada vez.
As respostas cardiorrespiratórias ao exercício, realizado com o membro inferior no qual o joelho foi operado, apresentaram valores elevados ao término do mesmo quando comparadas ao teste aplicado na perna sadia. O consumo de oxigênio foi 7% maior; a ventilação pulmonar, medida por minuto, foi superior 20%; e as fequências respiratória e cardíaca ficaram, respectivamente, 19% e 9% acima. Outros parâmetros de avaliação também foram medidos, como a produção de dióxido de carbono (+10%), o equivalente ventilatório de oxigênio (+14%), pressão expiratória final de oxigênio (+4%) e de dióxido de carbono (-9%).
De acordo com Marília, as respostas exacerbadas, incluindo o aumento do equivalente ventilatório de oxigênio e a diminuição da pressão expiratória de dióxido de carbono, indicam que o teste com a bicicleta ergométrica pode ser útil na identificação do déficit funcional do membro operado durante a reabilitação. “A pesquisa mostrou ser possível fornecer índices mais objetivos para o fisioterapeuta dimensionar e otimizar o processo de reabilitação do atleta para qualquer esporte”.
Jogos Paralímpicos colocam novos desafios
Os Jogos Paralímpicos de 2016, que acontecerão no Rio de Janeiro, são a motivação de Ciro Winckler de Oliveira Filho, professor do Departamento de Ciências do Movimento Humano do Instituto de Saúde e Sociedade da Unifesp – Campus Baixada Santista – e coordenador técnico de atletismo do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), para continuar pesquisando.
O projeto com atletas paralímpicos – coordenado por ele, com financiamento da Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Ministério do Esporte – envolve profissionais de diversas áreas do conhecimento, associando departamentos da Unifesp. A iniciativa conta com o apoio de outras universidades, como Unicamp e Universidade São Judas Tadeu (USJT), e do Núcleo de Alto Rendimento Esportivo de São Paulo (NARSP).
O atletismo é a modalidade-foco de sua pesquisa. “O comportamento do atleta é analisado dentro e fora da pista. Nós temos os melhores atletas deficientes visuais do mundo e, quando esse atleta corre, é necessário um guia, que hoje é o nosso foco de avaliação”, explica o pesquisador.
O teste isocinético, que mede a intensidade da força do atleta, é importante para avaliar se há desequilíbrio muscular entre os dois corredores, o que dificulta a corrida e pode resultar em lesão. “A força dos atletas deveria ser igual dos lados esquerdo e direito. O que apercebemos é que eles fazem mais força com o lado direito e acabam sobrecarregando o lado oposto ao guia. Na corrida, o lado em que eles estão em contato tem mais lesão porque é o lado que freia o movimento”, afirma Winckler.
Os treinadores têm acesso a esses resultados e o feedback é imediato para o atleta durante o treino. Desse modo, ajustes simples como a posição do atleta e do guia são alternadas para evitar que haja o desequilíbrio no deslocamento.
Ciro Winckler
Além dos testes de força, outros tipos de avaliação são feitos para que os atletas estejam completamente seguros para uma grande competição. A Psicologia, por exemplo, trata da questão da ansiedade pré e pós-competição, a fim de evitar que os atletas estejam despreparados emocionalmente e que isso afete a prova. A Ginecologia regula o ciclo menstrual das competidoras, também trabalha para evitar transtornos emocionais e desconfortos físicos.
Uma das dificuldades do projeto é definir a metodologia. Os atletas, em geral, nem sempre apresentam a mesma deficiência e não podem ser comparados entre si, nem mesmo na questão de gênero. O número total de atletas com deficiência para a pesquisa é reduzido, mas Winckler é otimista. “Talvez um estudo de caso também justifique uma medalha de ouro”.
Coração de atleta
Outra linha de pesquisa na área esportiva consiste na avaliação cardiológica de atletas paralímpicos e é coordenado por Japy Angelini Oliveira Filho, professor e chefe do setor de Ergometria, Exercício e Reabilitação da disciplina de Cardiologia da EPM/Unifesp.
O projeto foi iniciado em 1996, quando o cardiologista foi convidado a coordenar uma equipe que iria analisar atletas brasileiros convocados para as Paralimpíadas de Atlanta. O estudo buscava investigar se os atletas paralímpicos também desenvolviam ‘coração de atleta’, síndrome benigna e reversível caracterizada por alterações fisiológicas e anatômicas no órgão, ocorridas durante a prática esportiva intensa.
Japy Angelini Oliveira Filho
De acordo com o cardiologista, o coração de um atleta pode aumentar até 30% mais do que o de um indivíduo sedentário. As paredes do órgão também aumentam de espessura. “Para que ocorra essas alterações são necessárias duas coisas: muito exercício e uma base genética”, explica. “Na maioria dos casos, o problema ocorre enquanto o indivíduo treina. Ao final das atividades físicas, ele desaparece e o coração volta ao tamanho anterior”.
Nessa pesquisa, os testes de eletrocardiografia, vetorcardiografia e ergometria mostraram sinais de ocorrências de coração de atleta em 51% dos pesquisados, sendo que em 46% dos casos detectados, havia dois ou mais sinais e em 12% quatro ou mais. “Fizemos um estudo cardiológico detalhado usando uma série de exames não invasivos e acabamos detectando que apesar de serem paralímpicos, eles também desenvolviam coração de atleta”, afirma o pesquisador.
O estudo mais recente, publicado em 2012, mostrou que 64,8% dos atletas avaliados apresentavam sinais de coração de atleta. Nesse estudo, entretanto, o pesquisador conseguiu reunir um grupo específico de 14 atletas, de ambos os sexos, com idades que variaram entre 6 e 26 anos. Todos eram do time brasileiro de judô paralímpico e possuíam deficiência visual.
Japy Oliveira explica que esse tipo de avaliação é muito importante nos esportistas para distinguir a hipertrofia cardíaca secundária ao treinamento (coração de atleta) da cardiomiopatia hipertrófica, doença do coração com alterações semelhantes no órgão e principal causa de morte súbita em atletas jovens.
Os atletas que ilustram essa matéria fazem parte do Programa de Seleções Permanentes do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP)
Artigos relacionados:
Força x resistência/Neuroplasticidade
CORREIA, P. R. et al. Acute strength exercise and the involvement of small or large muscle mass on plasma brain-derived neurotrophic factor levels. Clinics [online]. v. 65, n.11, p. 1123-1126, nov. 2010. ISSN 1807-5932. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-59322010001100012&lng=en&nrm=iso&tlng=en >. Acesso em: 08 set. 2014.
CORREIA, P. R. et al. Increased basal plasma brain-derived neurotrophic factor levels in sprint runners. Neuroscience Bulletin [online]. v. 27, n. 5, p. 325-329, out. 2011. ISSN 1995-8218. Disponível em: < http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs12264- 011-1531-5 >. Acesso em: 08 set. 2014.
Uma questão de fibras/Mais desempenho, menos fadiga
BARBOSA, T. C. et al. Remote ischemic preconditioning delays fatigue development during handgrip exercise. Scandinivian Journal of Medicine and Science in Sports [online]. 2014. ISSN 1600-0838. Disponível em: < http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/sms.12229/full >. (Artigo aprovado para publicação)
LOPES, T. R. et al. Pré-condicionamento isquêmico, sprints repetidos e respostas autonômicas cardíacas. Trabalho apresentado ao IV Congresso de Ciência do Desporto, Campinas, 2014.
Equilíbrio Muscular/Reabilitação na medida certa
ANDRADE, M. S. et al. Assessment of functional impairment after knee anterior cruciate ligament reconstruction using cardiorespiratory parameters: a cross-sectional study. BMC Musculoskeletal Disorders [online], v. 15, p. 1-5, 2014. Disponível em:< http://www.biomedcentral.com/1471-2474/15/163 >. Acesso em: 08 set 2014.
ANDRADE, M. S. et al. Profiling the isokinetic shoulder rotator muscle strength in 13- to 36-years-old male and female handball players. Physical Therapy in Sport. [online] v.14 (4), p. 246-252, 2013. Disponível em: < http://www.physicaltherapyinsport.com/article/S1466-853X%2812%2900142-3/abstract >. Acesso em: 08 set 2014.
Coração de atleta
OLIVEIRA FILHO, J. A. et al. Coração de atleta em desportistas deficientes de elite. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. [online] v. 69, n. 6, p. 385-388, dez. 1997. Disponível em: < http://publicacoes.cardiol.br/abc/1997/6906/default.asp >. Acesso em: 08 set. 2014.
OLIVEIRA FILHO, J. A. et al. Coronary risk in cohort of paralympic athletes. British Journal of Sports Medicine. [online] v. 40, n. 11, p. 918-922, set. 2006. Disponível em: < http://bjsm.bmj.com/content/40/11/918.full >. Acesso em: 08 set. 2014.
OLIVEIRA FILHO, J. A. et al. Athlete’s heart, oxygen uptake and morphologic findings in paralympic athletes. International Journal of Cardiology. [online] v. 121, n. 1, p. 100-101, set. 2007. Disponível em: < http://www.international journalofcardiology.com/article/S0167-5273%2806%2901120-X/fulltext >. Acesso em: 08 set. 2014.
OLIVEIRA FILHO, J. A. et al. Avaliação da seleção paraolímpica de judô. Trabalho apresentado ao XI Congresso Sudamericano de Medicina Del Deporte, Porto Alegre, 2012.
Jogos paralímpicos colocam novos desafios
LEITE, G. S. et al. Relação entre marcadores psicológico, fisiológico e bioquímico de para-atletas brasileiros. Revista da Educação física [online]. v. 24, n. 1, p. 33-40, 2013.
SILVA, M. P. M. et al. Sports Injuries in Paralympic Track and Field Athletes with Visual Impairment. Medicine and Science in Sports and Exercise [online]. v. 45, nº 5, p. 908-913, maio 2013. Disponível em:< http://journals.lww.com/acsm-msse/Abstract/2013/05000/Sports_Injuries_in_Paralympic_Track_and_Field.13.aspx >. Acesso em: 08 set. 2014.
SILVA, A. et al. Queixas musculoesqueléticas e procedimentos fisioterapêuticos na delegação brasileira paralímpica durante o mundial paralímpico de atletismo em 2011. Revista Brasileira de Medicina do Esporte [online]. v. 19, nº 4, p. 256-259, jul.-ago. 2013. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-86922013000400006&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 08 set. 2014.