Um grupo de pesquisadores do Departamento de Ciências do Mar do Instituto de Saúde e Sociedade da Unifesp – Campus Baixada Santista – desenvolveu um novo equipamento, simples e portátil, que possibilita a leitura das porções de radiação acumuladas em dosímetros ou em sedimentos (quartzo feldspato) usando a técnica de Luminescência Opticamente Estimulada (LOE). A tecnologia utilizada é totalmente nacional.
A LOE é utilizada tanto na medicina – para monitorar a dose de radiação a qual pacientes, profissionais da saúde e da educação podem receber em sessões de radioterapias, centros de radiodiagnósticos e de pesquisas – quanto na arqueogeocronologia. Essa é a ciência que utiliza um conjunto de métodos de datação usados para determinar a idade de cerâmicas arqueológicas, rochas, fósseis, sedimentos e os diferentes eventos da história da Terra. O princípio físico do método baseia-se no fato de que a intensidade da luz emitida pelos dosímetros é proporcional à porção de exposição à radiação.
O novo equipamento de leitura de dosímetro – projetado pelos físicos Sonia Hatsue Tatumi e Juan Carlos Ramirez Mittani e pelo tecnólogo em mecânica de processos de produção, Márcio Yee – utiliza a Luminescência Opticamente Estimulada (LOE) emitida após impulso com comprimento de onda apropriado (470 ou 532nm) a partir de LEDs. É mais compacto e utiliza um aparato eletrônico mais simples que os atualmente disponíveis no mercado, que necessitam de um controle eletrônico de aquecimento (técnica de termoluminescência). “Nosso equipamento ilumina ao invés de aquecer. É um processo mais moderno, eficiente e barato”, afirma Sonia. “O sistema de aquecimento exige um aparelho bem maior, depende de partes eletrônicas caras e de mais tempo para a leitura e análise”.
O preço final do equipamento também chama atenção. Os equipamentos modernos de termoluninescência, de acordo com Mittani, custam, em média, R$ 500 mil no mercado internacional. O desenvolvido na Unifesp chegará ao mercado por um valor 25 vezes menor: R$ 20 mil.
Já os dosímetros confeccionados pelo grupo – que antes necessitavam ser importados –, têm alta sensibilidade, resposta linear independente da energia de radiação, podem ser reutilizáveis e custam 50% menos. Também podem ser produzidos conforme os diferentes usos e tipos de radiações. Esses dispositivos são fabricados em materiais cerâmicos constituídos de policristais de Óxido de Alumínio (Al2O3), Tetraborato de Magnésio (MgB4O7) e Óxido de Magnésio (MgO), dopados com terras-raras e semimetais.
O grupo tem estudado estes materiais e descobriu que são formados por nanocristais, constituídos por dopantes, que se localizam na superfície dos grãos das matrizes. Grande parte da LOE emitida por esses materiais advém dos nanocristais.
O projeto, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), culminou em depósito de patente no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). O processo de registro na Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) está em fase de elaboração e o patrocínio para produção em escala industrial e comercialização no país deve ocorrer ainda este ano, de acordo com os pesquisadores.
Dosímetro - equipamento LOE
Luminescência opticamente estimulada
Esquema do pequeno equipamento LOE. No processo de medida, a amostra previamente irradiada é colocada dentro da câmara que se encontra vedada a luz externa. O sistema de estimulação óptica (LEDs) e o sistema de detecção (fotomultiplicadora PMT) são acionados simultaneamente através do computador.
A luminescência da amostra (produto da estimulação óptica) que atinge o PMT é registrada pelo contador de fótons e reproduzida em um gráfico da intensidade luminescente (número de fótons) em função do tempo, realizado no software do computador.
Fim do descarte de radiografias
Os autores da pesquisa, Sonia Hatsue Tatumi e, ao lado do equipamento projetado, Márcio Yee e Juan Carlos Ramirez. Todos são professores do Campus Baixada Santista.
Mittani explica que outras aplicações para os dosímetros estão em fase de testes. Uma delas é a utilização deles em chapas de raios-x. “Hoje, os filmes revelados comumente usados nas radiografias são descartados e nada sustentáveis ao meio ambiente, pois não podem ser jogados com o lixo comum, já que há materiais tóxicos que contaminam o solo e a água”, diz. “Pretendemos criar filmes dosimétricos, os quais, após serem expostos ao raio-x nos pacientes, serão estimulados com luz para a obtenção da informação (imagem)”.
As vantagens do uso deste tipo de filme é que a informação fica armazenada no computador e os filmes podem ser reutilizados muitas vezes sem perder resolução de imagem.
Dosimetria in vivo
Também é estudada a aplicação na radioterapia, especificamente para monitorar e saber a dose de radiação instantânea que se está aplicando em um paciente em tratamento contra câncer. “Estamos desenvolvendo dosímetro de tamanho miniaturizado (µm), o qual será acoplado em uma fibra óptica muito fina e introduzido no corpo do paciente até a região onde se encontra o câncer, antes do início da sessão de radioterapia”, afirma. “Esse dosímetro medirá a quantidade de radiação exata necessária ao paciente e será de grande importância, já que permitirá controlar o tratamento de maneira a minimizar os danos a tecidos próximos e sadios”.
Os novos dosímetros desenvolvidos pelos pesquisadores podem ser reutilizáveis e custam 50% menos.
A dosimetria na arqueologia indica a idade de fósseis e a flutuação do nível de rios e mares por meio da análise da radiação em sedimentos de colúvios, dunas e terraços marinhos.
Técnica pioneira no Brasil
De acordo com a física Sonia Tatumi, o uso da LOE na dosimetria teve início nos anos 1980, com a determinação da dose de radiação acumulada em minerais de quartzo e feldspato na datação de sedimentos na geologia e de fósseis na arqueologia, utilizando a luz de um laser de argônio.
No Brasil, a técnica foi introduzida de forma pioneira, em 2003, por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC-SP), liderado por Sonia, com a participação de Márcio Yee. Foi feita a indicação da idade de sedimentos de colúvios – solos compostos por minerais, principalmente de quartzo –, dunas e terraços marinhos em quase todo o litoral brasileiro.
Em 2013, quando ambos já eram professores da Unifesp, esse trabalho foi realizado em terraços fluviais dos rios Negro, Amazonas e Madeira, que banham os estados do Amazonas e Rondônia. “Quanto maior a intensidade da luz emitida pelo sedimento dos terraços, maior o tempo de deposição do mesmo”, explica a pesquisadora. “Dessa forma, os geólogos têm como comparar a idade com a altura das amostras de sedimentos recolhidas para estudar a flutuação do nível dos rios.”
Atualmente, o grupo colabora com pesquisas realizadas por geólogos e arqueólogos em diversas universidades do país. Essas cooperações resultarão em projetos de iniciação científica de alunos do Curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciências e Tecnologia do Mar (BICT-Mar) do Campus Baixada Santista.
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Edição 02 • Junho 2014