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O complexo estudo dos genes

Linha de pesquisa encontra mutações no gene que desencadeia a doença de Fabry, ainda não descritas na literatura; a busca por diagnósticos precoces e tratamentos mais efetivos incentivam a criação de empresa pioneira

Montagem com cinco fotos, mostrando várias cenas da pesquisa no laboratório

Entre as inúmeras doenças estudadas geneticamente no Laboratório de Biologia Molecular e Diagnóstico Molecular de Doenças Lisossomais da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp – Campus São Paulo, a doença de Fabry recebeu atenção especial da equipe de João Bosco Pesquero, químico e professor associado livre-docente da universidade. Trata-se de um distúrbio que, apesar de raro, vem sendo diagnosticado com maior frequência na população.

Também conhecida como doença de Anderson-Fabry,  ela é um dos 200 distúrbios metabólicos hereditários (ou erros inatos do metabolismo) causados por um defeito enzimático. O tratamento inadequado e tardio pode levar o indivíduo à morte por falência de diferentes órgãos (veja box com detalhes sobre a doença). “A dificuldade na elaboração de um tratamento efetivo limita o número de pesquisas, pois, além de rara, a doença muitas vezes é negligenciada,”, explica Pesquero.

Um dos estudos coordenados por ele encontrou novas alterações no gene GLA na população brasileira. Esse gene é responsável pela produção da alfa-galactosidase A, enzima que, quando ausente ou deficiente no organismo, desencadeia a doença de Fabry.

A pesquisa analisou 568 indivíduos de 102 famílias com suspeita da doença e foi realizada em colaboração com Ana Maria Martins, professora do Departamento de Pediatria da EPM e coordenadora do Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo (CREIM/Unifesp). Das famílias analisadas, 51 apresentaram 38 alterações no gene GLA, sendo cinco delas mutações não descritas anteriormente na literatura (A156D, K237X, A292V, I317S, c.177_1178inscG), correlacionadas com a baixa atividade da enzima alfa-galactosidase A e com a previsão de danos moleculares.

Fotografia da equipe: são cinco mulheres e um homem, todos estão de jaleco, no laboratório

João Bosco Pesquero (ao centro) com sua equipe no Laboratório de Biologia Molecular e Diagnóstico Molecular de Doenças Lisossomais


De acordo com Pesquero, a detecção de alterações genômicas facilita a identificação de pacientes para tratamento com enzimas recombinantes e oferece a possibilidade de realizar o diagnóstico da doença ainda no período pré-natal.

Em outra pesquisa, coordenada pela bióloga Vânia D’Almeida, professora adjunta e coordenadora do programa de pós-graduação em Psicobiologia da EPM, o grupo de Pesquero colaborou na investigação da correlação entre a presença de polimorfismos da enzima PON1 (paraoxonase) – que desempenha um papel de proteção contra a arteriosclerose – e os sintomas clínicos da doença de Fabry, que tem entre suas complicações a cardiomiopatia, acidente vascular cerebral e insuficiência renal, entre outras.

O polimorfismo é uma variação das características genéticas, neste caso, da enzima PON1. As variações estudadas em 106 pacientes com Fabry e em 26 indivíduos saudáveis foram o Gln192Arg e o Leu55Met.

Uma terceira pesquisa do grupo mostrou uma importante relação entre a enzima alfa-glicosidase A e os inibidores da enzima conversora de angiotensina, que é um dos fármacos usados no tratamento da hipertensão arterial. “Nossos estudos verificaram que o paciente com doença de Fabry, que faz reposição com a enzima alfa-galactosidase A, pode ter uma queda muito brusca da pressão arterial quando ocorre a interação medicamentosa com o anti-hipertensivo, necessitando um monitoramento mais cuidadoso durante o tratamento”, explica Pesquero. Esses resultados levaram à discussão sobre a inserção de um possível aviso na bula do medicamento usado para tratar a doença de Fabry e sobre a análise cautelosa do uso concomitante do anti-hipertensivo à base de inibidores da enzima conversora de angiotensina.

Entenda como são desenvolvidas as proteínas recombinantes

Ilustração que mostra o passa a passo do desenvimento

1) Retira-se o DNA do sangue ou saliva do indivíduo e amplia-se o número de cópias do DNA retirado

2) As cópias do DNA são inseridas em um vetor de clonagem. A maioria desses vetores são plasmídeos (moléculas circulares duplas de DNA capazes de se reproduzirem independentemente do cromossoma) existentes em várias espécies de bactérias

3) Em seguida, o vetor é colocado em um organismo (bactéria, célula vegetal ou levedura), também chamado de clone, que desencadeará a produção da proteína

4) Esses organismos são colocados em uma placa com antibiótico para eliminar aqueles que não possuem o DNA de interesse

5) Os clones resistentes ao antibiótico são isolados e multiplicados por meio de cultura para expelir a proteína de interesse, que será isolada após a purificação

Espírito empreendedor

De acordo com Pesquero, um dos obstáculos encontrados pelos pesquisadores da área básica, institutos de pesquisa, centros médicos e laboratórios é o fornecimento de um reagente bastante comum em Biologia Molecular – chamado primer ou oligonucleotídeo –, usado no desenvolvimento de fármacos, no diagnóstico e tratamento de doenças genéticas, na biotecnologia e na agricultura. “A gama de áreas que utiliza oligonucleotídeos é extensa, mas o Brasil é carente de empresas que invistam em biotecnologia desde a matéria-prima até o desenvolvimento de reagentes”, explica. “O número de profissionais experientes para esse fim também é bastante reduzido.”

Ainda segundo ele, o material acaba vindo de fora, podendo atrasar um diagnóstico ou uma pesquisa em vários meses devido à demora na entrega ou a problemas na alfândega. “A dificuldade de importar insumos e tecnologia para a pesquisa torna impossível a competição científica e tecnológica com nossos pares em outros centros mais avançados do mundo.”

Foram as dificuldades e o espírito empreendedor que tornaram Pesquero um pioneiro nesse ramo na América Latina. A experiência e a curiosidade desenvolvidas na Alemanha – onde atuou de 1992 a 1997 –, assim como o trabalho direto com diagnóstico molecular no Brasil, levaram-no a criar, junto com seus irmãos Jorge Pesquero e Paulo Pesquero, em 2011, a empresa Exxtend, em parceria com a alemã K&A Laborgeräte, uma das maiores produtoras de equipamentos para síntese de DNA (ácido desoxirribonucleico) e RNA (ácido ribonucleico) no mundo. No ano passado outra empresa americana também passou a oferecer o serviço no Brasil.

“Uso grande parte do tempo em minhas aulas para falar de empreendedorismo, incentivando alunos nesse sentido”, afirma. “É preciso mostrar exemplos de sucesso para que se crie essa cultura, não só porque é extremamente importante para o desenvolvimento científico e biotecnológico do país, mas também para melhorar a prestação de serviços nessa área e a qualidade de vida da população.”

O DNA e o RNA são moléculas encontradas em todas as células dos seres vivos e estão envolvidas na transmissão de caracteres hereditários e na produção de proteínas recombinantes.

Atualmente, a Exxtend produz apenas reagentes de DNA, já que o investimento é muito alto para fornecer primers de RNA. “Essa molécula é muito instável e os níveis de exigência para se trabalhar com ela são bem maiores”, diz. “No entanto, pretendemos aumentar o rol de reagentes hoje oferecidos”. A empresa atende 49 universidades públicas e particulares, 27 instituições de pesquisa e 32 organizações privadas em diversas áreas de atuação.

Pesquero explica que, pelo fato de a produção do primer ser realizada no país, o produto se torna mais caro quando comparado ao importado, e o lucro é mínimo. De acordo com ele, vários fatores contribuem para isso, como as altas taxas de impostos, os insumos que precisam ser importados e a falta de empresas no ramo que ofereçam os reagentes necessários à produção dos primers, possibilitando a concorrência no mercado e, consequentemente, preços mais competitivos. “A vantagem hoje para o Brasil é a rapidez em obter um primer em dois dias, em vez de semanas”, afirma. “Cada vez mais a Genética está presente em nossas vidas, seja na Medicina, no esporte, na agricultura, na cosmética, entre tantas outras áreas. E entendê-la é primordial para o desenvolvimento de qualquer sociedade.”

Um pouco sobre a doença

A doença de Fabry é genética, hereditária e progressiva, ligada ao cromossomo X. O distúrbio é desencadeado por uma mutação no gene GLA, responsável pela produção da enzima alfa-galactosidase A, causando sua ausência ou deficiência no organismo.

A falta ou deficit dessa enzima afeta a capacidade de decomposição de uma substância adiposa específica e ocasiona prejuízos ou falência em muitos órgãos, como coração, rins, cérebro e pele, podendo levar à morte.

As manifestações clínicas da doença podem iniciar-se na infância e ter grande piora dos sintomas no decorrer da vida. O tratamento inadequado ou a ausência dele reduz a expectativa de vida de homens e mulheres em até 20 e 15 anos, respectivamente. 

Apesar de rara – com prevalência descrita de um caso para grupos que podem variar entre 40 a 117 mil indivíduos – a doença pode estar subdiagnosticada devido ao número de portadores relatados na população geral.

De acordo com a Associação Brasileira de Pacientes Portadores da Doença de Fabry e seus Familiares (Abraff), no Brasil o distúrbio afeta cerca de 220 pacientes e, no mundo, estima-se que esse número ultrapasse 25 mil.

Atualmente, o principal tratamento é a terapia de reposição enzimática ou, em casos mais complexos, o transplante de rins e fígado.

A terapia gênica, ainda em estudo, pode ser, no futuro, uma das alternativas de tratamento aos portadores da doença.

 

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BARRIS-OLIVEIRA, A.C.; MÜLLER, K.B.; TURAÇA, L.T.; PESQUERO, J.B.; MARTINS, A.M.; D’ALMEIDA, V. Higher frequency of paraoxonase gene polymorphism and cardiovascular impairment among Brazilian Fabry disease patients. Clinical Biochemistry, [s.l.]: Elsevier, v.45, n.16-17, p.1459-1462, nov.2012. Publicação on-line:13 jul. 2012. Disponível em: < http://dx.dor.org/10.1016/j.clinbiochem.2012.06.034 >.

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