Vacinas, soro e fórmulas medicamentosas são três caminhos comuns que a pesquisa científica trouxe ao mundo todo. Há, entretanto, outros aspectos que permeiam a abordagem da covid-19 e que, apesar de menos aparentes, são muito importantes no combate à pandemia. Um deles é a própria testagem, fundamental para acompanhar o número de infectados antes e após os tratamentos aprovados.
Igor Tadeu Lazzarotto Bresolin está orientando o trabalho de Iniciação Científica de Maria Paula Orban de Souza, estudante de graduação em Engenharia Química, bem como a dissertação de Ana Carolina Moreno Pássaro, do programa de pós-graduação em Engenharia Química; ambos os cursos são ministrados pelo Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema. As pesquisas visam identificar os melhores e mais baratos reagentes capazes de purificar anticorpos monoclonais para uso na produção de imunodiagnósticos (os famosos testes populares para covid-19).
Pássaro explica que o conceito de anticorpos monoclonais implica o fato de vários anticorpos poderem ser fabricados a partir da diferenciação de apenas um linfócito B, um tipo de célula do sistema imunológico. Contudo, nosso corpo produz diferentes tipos de linfócitos, também conhecidos como células de defesa do organismo, cada uma com características particulares - assim como cada ser humano possui suas próprias impressões digitais. Desse modo, temos em nosso corpo vários “clones” de um linfócito e vários outros “clones” de outros linfócitos. Por isso, esses anticorpos são chamados de policlonais. “Quando trabalhamos a produção de anticorpos fora do corpo, com o uso de apenas uma linhagem celular, estamos falando de anticorpos monoclonais (feitos a partir de um único ‘clone’)”, detalha a mestranda.
Orban de Souza tem conseguido bons resultados preliminares purificando esses anticorpos com polietilenoglicol. Já Pássaro testa o cloreto de zinco para promover a precipitação dos anticorpos mencionados. “A precipitação, dentro da Engenharia Química, é uma etapa em que separamos o elemento dissolvido em um líquido, tornando-o sólido novamente. Usamos esses agentes para que os anticorpos dispersos em um meio aquoso sejam separados. O polietilenoglicol e o cloreto de zinco são bons agentes, pois têm a capacidade de ‘grudar’ nos anticorpos ou permitir que os próprios anticorpos se ‘juntem’ em formações maiores, tornando-os mais pesados. Para remover o polietilenoglicol, porém, é necessária mais uma etapa - a microfiltração ou centrifugação”, resume a segunda estudante.
De acordo com Bresolin, a forma alarmante como a covid-19 avançou tem levado muitos países (inclusive o Brasil) a presenciar a sobrecarga não somente dos sistemas de saúde, mas também dos laboratórios de diagnóstico. Isso ocasionou um aumento no interesse por testes que poderiam ser feitos em pontos de atendimento - como os testes rápidos de sorologia. “Esses testes utilizam, como uma de suas matérias-primas, anticorpos anti-IgG e anti-IgM, que funcionam como anticorpos de captura no processo de detecção de anticorpos IgG e IgM específicos para o Sars-CoV-2.”
Quando o pesquisador menciona testes sorológicos para imunodiagnóstico, vislumbra o cenário instituído após a imunização em massa. “Continuaremos precisando dos testes para covid-19. A diferença é que, com as vacinas, será importante verificar se o paciente conseguiu produzir os anticorpos necessários para neutralizar a doença.” Como comparar, entretanto, a quantidade de anticorpos IgG e IgM com a de outros anticorpos?
No momento em que ocorre uma infecção por vírus, os anticorpos se ligam ao patógeno desativando sua ação. Esses soldados, porém, não se ligam somente a vírus e bactérias. “Estamos acostumados com essa ideia, mas anticorpos reconhecem outros elementos, como outros anticorpos e hormônios. Os anticorpos monoclonais que estamos purificando, anti-IgG e anti-IgM, serão destinados a isso: reconhecer os anticorpos produzidos naturalmente em nosso corpo”, complementa.
A pesquisa de Iniciação Científica de Orban de Souza é financiada pela Fapesp, enquanto a de Pássaro conta atualmente com o suporte de outras parcerias, como a da Rheabiotech - Desenvolvimento, Produção e Comercialização de Produtos de Biotecnologia Ltda., startup incubada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) por determinado tempo e que hoje segue um caminho independente.
Igor T. Lazzarotto Bresolin orienta o trabalho de Iniciação Científica de Maria Paula O. de Souza e o mestrado de Ana Carolina M. Pássaro, no Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema
(Fotografias: Alex Reipert)
Por dentro dos testes rápidos
1) No teste rápido, introduz-se por um orifício uma gota de sangue e, por outro, uma solução-tampão, que ajuda a manter o pH constante e empurra os anticorpos do sangue para os anticorpos monoclonais.
2) Os anticorpos IgG e IgM passam por uma barreira formada por nanopartículas de ouro (que dão a cor avermelhada ao resultado final) e pedaços do Sars-CoV-2. Nessa reação, também estão presentes anticorpos de controle, propositalmente colocados para verificar o funcionamento da testagem e das barreiras posteriores.
3) Na próxima etapa, os anticorpos IgG e IgM passam por mais três barreiras, cada uma delas com anticorpos anti-IgG e anti-IgM, que reconhecerão os anticorpos de controle.
4) Quando um anticorpo monoclonal reconhece a presença de um IgG ou IgM do paciente, cada um dos anticorpos do sangue testado se liga ao respectivo anticorpo de captura, formando uma estrutura cujas nanopartículas de ouro da barreira transposta ainda estarão ligadas aos pedaços de antígenos reconhecidos e carregados pelos anticorpos do paciente. É essa aglomeração de moléculas que dá cor ao resultado final do teste.
Unifesp na linha de frente no combate à covid-19
Edição 14 • novembro 2021