Em uma sala de aula, o “olho no olho” entre professor e aluno é mais um entre tantos indicadores que ajudam a aferir o nível de intensidade de participação do estudante no processo de aprendizagem. Contudo, a migração temporária do ensino presencial para o remoto, imposto pela pandemia do novo coronavírus, trouxe a necessidade de investigar, agora a distância, quais fatores podem contribuir para novamente modular o engajamento dos alunos nessa modalidade de ensino. Essa investigação virou tema do projeto de pesquisa do Departamento de Ciências Biológicas do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema, denominado O Efeito da Pandemia de Covid-19 no Engajamento e Aprendizagem dos Alunos no Ensino Remoto, cuja liderança está a cargo de Camilo de Lellis Santos, professor adjunto do mencionado departamento. Coube ao pós-graduando Ricardo Coimbra Nadal desenvolver em sua dissertação de mestrado um dos aspectos do tema principal do projeto, que envolveu cerca de 200 alunos do curso de graduação em Ciências-Licenciatura, destinado à formação de professores de Ciências e Matemática na instituição.
“A expectativa e o próprio comportamento do estudante que realiza um curso de graduação a distância, ciente de que será essa a modalidade de ensino desde o momento de sua matrícula, são completamente diferentes das variáveis análogas de um estudante que estava em um curso presencial e, de modo forçado, teve que migrar, ainda que temporariamente, para o ensino remoto”, explica Lellis Santos.
Nessa mudança repentina, descreve o professor, “a eficácia e a qualidade do ensino se tornam questionáveis, uma vez que não houve tempo e preparo para o desenvolvimento de unidades curriculares (UCs) com estratégias didáticas adaptadas para a modalidade de educação a distância (EaD), o que, então, nos motivou a analisar o engajamento dos alunos após essa migração, bem como quanto esse engajamento impactaria o processo de aprendizagem.”
Para fazer o acompanhamento do nível de engajamento dos alunos do curso de graduação em Ciências - Licenciatura, foco do estudo, correlacionando-o às práticas pedagógicas adotadas pelos professores, os pesquisadores aplicaram semanalmente alguns questionários, de forma remota. Os diferentes questionários traziam dados que permitiam investigar o estado emocional dos estudantes, relativamente ao material utilizado pelo professor, a capacidade de postergação da gratificação e a sobrecarga cognitiva gerada pelas atividades propostas.
Primeiras descobertas
Apesar de o estudo não ter sido concluído, as primeiras análises oferecem importantes indícios acerca do comportamento desses estudantes em tempo de ensino remoto.
“A análise dos dados e informações até agora obtidos mostra padrões semelhantes, tanto na modalidade presencial quanto na remota, revela a necessidade de o professor compreender melhor o tempo disponível do aluno para o engajamento nas atividades pedagógicas e aponta para um cuidado maior na escolha da metodologia a ser aplicada pelo docente”, destaca Lellis Santos.
Uma das semelhanças encontradas foi a curva de engajamento. No ensino on-line relativo às áreas de Ciências Biológicas e Ciências Exatas, estudos revelaram que há um engajamento maior e decisivo para o desempenho acadêmico nas quatro primeiras semanas de um curso e que a curva se torna descendente com o passar do tempo. O mesmo padrão é naturalmente observado em disciplinas de graduação na modalidade presencial. “Nesse sentido, nossa percepção foi a de que, no ensino remoto, o repertório de atividades didáticas nas aulas síncronas e assíncronas pode permitir que o estudante permaneça engajado por mais tempo”, explica o coordenador do projeto. A obrigatoriedade é, também, outro fator decisivo para promover o engajamento nas atividades, ainda que gerado por motivações extrínsecas, ou seja, por aquelas que dependem de fatores externos ao aluno.
Para que ocorra de fato o engajamento, o docente deve estar atento à metodologia empregada. “Muitos professores estão utilizando a ‘sala invertida’, método que dá o protagonismo ao aluno, ou seja, este busca primeiro o conhecimento de determinado conteúdo, que é posteriormente trabalhado em aula síncrona pelo professor. Contudo, no ensino remoto, percebemos que está havendo o fenômeno chamado cramming, no qual o estudante realiza as atividades obrigatórias e estuda o máximo de conteúdo possível na última hora, pouco antes da aula síncrona, o que não é saudável para a consolidação ideal da memória e para o processo de aprendizagem.”
Para solucionar a questão, Lellis Santos sugere que o professor ajuste a agenda e planeje melhor o intervalo em que o aluno deverá ou poderá disponibilizar tempo e atenção para as atividades pedagógicas. “Não adianta sobrecarregar o aluno, de forma que ele tenha que despender um tempo além do período de aula para a construção do conhecimento. Isso o deixará menos engajado, inclusive no momento da aula síncrona. Nesse contexto, uma alternativa eficaz é assumir que ele dedicará apenas determinado horário da semana para aquela UC; então, é melhor dividir esse horário específico para que possa realizar as tarefas e integrar-se ao encontro síncrono, além de estar mais disponível e participativo.”
Lellis Santos e monitoras acompanham jogo criado por aluna de Iniciação Científica, o qual aumenta a interatividade nas aulas síncronas
O docente durante aula interativa com lâminas histológicas virtuais
Cuidado com a definição do recurso didático
Outro fator de impacto para o engajamento do estudante no ensino remoto, conforme observado na pesquisa, diz respeito à escolha do recurso didático por parte do docente. “Identificamos que não adianta haver recurso tecnológico refinado se o aluno não tem o pleno domínio da tecnologia ou não possui conexão de qualidade. A seleção de materiais e de recursos deve ser criteriosa e, se assim ocorrer, é provável que ele obtenha como resultado até maior participação e motivação na aprendizagem on-line”, ressalta o coordenador do projeto.
A gestão da aprendizagem no ensino remoto está, portanto, relacionada à apreciação dos métodos e materiais multimeios adotados pelo professor. Para Lellis Santos, “a falta de experiência e conhecimento do professor nessa adaptação das estratégias didáticas utilizadas em uma UC na modalidade presencial para o ensino remoto on-line pode contribuir para o contato dos alunos com atividades didáticas inadequadas, que aumentam a sobrecarga cognitiva e afetam o engajamento emocional com o conteúdo a ser aprendido.” Sobre esse cuidado, de acordo com as palavras do pesquisador responsável, “as análises revelam que, entre as variantes emocionais de prazer, de alerta e de domínio envolvidas no engajamento para o ensino remoto, a de domínio aparece, justamente, como a mais impactante.”
No processo de escolha de recursos e materiais, Lellis Santos lembra que, no ambiente presencial, uma das metodologias mais comuns e, por essência, mais engajadoras corresponde às aulas práticas, que, de alguma forma, devem ser estimuladas mesmo no ambiente virtual. “Essas atividades motivam os alunos e os tornam mais dispostos a aprender o conteúdo ensinado pelo professor. Hoje, há vários recursos tecnológicos que permitem atividades similares às utilizadas em aulas práticas presenciais, seja por meio de smartphones, seja por meio de softwares que possibilitam inúmeros experimentos, a depender do protocolo de aula desejado pelo docente e, logicamente, da limitação das tecnologias de que dispõe o estudante.”
O acesso à tecnologia, aliás, é mais um item diretamente relacionado ao engajamento e já observado na análise das informações levantadas até o momento pelo grupo responsável pelo desenvolvimento do projeto.
“Foi possível observar que a velocidade da internet utilizada pelo aluno impacta a percepção e o aproveitamento dos recursos didáticos no ambiente on-line. Aqueles que têm menor conectividade acreditam que esse recurso é mais complexo, o que pode influenciar o engajamento e dificultar a aprendizagem. Ou seja, a tecnologia é maravilhosa para o ensino remoto, mas pode também se tornar excludente e causar desmotivação, em razão das diferenças de conectividade”, detalha Lellis Santos.
Mudanças que vieram para ficar
Embora o estudo continue em andamento e muitos porquês ainda devam ser respondidos, o professor Lellis Santos acredita que o ensino híbrido se consolide, pois todos os professores da Unifesp já produziram material para o componente on-line, o que gera praticidade e economia de tempo. O entendimento acerca do engajamento dos estudantes no ensino remoto será útil, sobretudo, para identificar as limitações e prejuízos que essa modalidade acarretará ao desempenho acadêmico.
“Ao final, esperamos que esse projeto traga luz sobre como organizar o ensino híbrido, especialmente em relação às atividades que podem ser feitas on-line, o que vai demandar do professor novas estratégias, desde como destinar e organizar o tempo do aluno até a escolha de quais meios podem ser potencialmente engajadores na aprendizagem. Além disso, acreditamos que a pesquisa em questão irá permitir enxergar a maneira mais eficaz de uso dos recursos tecnológicos. No universo educacional, tais descobertas irão otimizar a prática docente e motivar o aluno, o que se traduzirá em qualidade e excelência no processo de ensino e aprendizagem”, conclui Lellis Santos.
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Edição 14 • novembro 2021